Lembra da época em que Belo Horizonte era conhecida como cidade-jardim e a temperatura era amena durante todo o ano? Os mais novos talvez até duvidem, mas podem acreditar: já houve um tempo em que muita gente com problema respiratório vinha morar na capital por causa do seu clima. Com o índice de umidade relativa do ar chegando a 12% no último mês, e sem uma chuvinha decente desde junho, o clima da cidade em alguns momentos é comparável ao de desertos.
No final do mês, a seca acabou virando tragédia. E vários incêndios (alguns, diga-se de passagem, criminosos) atingiram áreas de preservação ambiental na Serra do Rola Moça e na Serra do Cipó, e consumiram mais de 650 mil m² de vegetação. Em vários condomínios residenciais da região metropolitana da capital, como o Retiro das Pedras e Pasárgada, as chamas assustaram os moradores, que quase viram suas casas virarem cinzas.
Com um clima tão hostil, que provoca até dificuldade para respirar, fica a dúvida sobre o clima de BH: será que está mudando? “Ainda não dá para afirmar, de maneira categórica e científica, que o clima da cidade está mudando para pior. Mas já temos alguns fortes indícios”, afirma o professor Eduardo Neto Ferreira, da Universidade Fumec/Fea e coordenador de um grupo de estudos sobre as possíveis alterações de clima na cidade. A pesquisa orientada por ele já conseguiu demonstrar, por exemplo, que a umidade relativa do ar varia muito de acordo com a região da cidade. Assim, os moradores da Pampulha, por exemplo, têm enfrentado menos problemas com a secura se comparado a bairros mais centrais. Isso porque a lagoa ajuda a diminuir um pouco a baixa umidade.
Wellington Lopes Assis, professor da UFMG: aumento da temperatura já é uma realidade |
Eduardo é, no entanto, cauteloso em afirmar que uma mudança climática significativa já está acontecendo na cidade.
“Mas isso não significa que o crescimento da cidade nas últimas décadas, com a urbanização feita sem nenhuma racionalidade, não tenha efeitos maléficos para o microclima de toda a região”, ressalta. “Tivemos, sim, grande aumento das ilhas de calor”. A edificação de prédios, construídos em detrimento das áreas verdes que são importantes fontes de umidade, e os rios, canalizados e tampados, que contribuíram para diminuir as fontes de evaporação, ajudaram, sim, segundo o especialista, a tornar nossa cidade mais quente.
Mas se não se pode ainda afirmar com precisão, o que está acontecendo com o clima da capital, o aumento da temperatura, no entanto, já é uma realidade. Trabalho do professor Wellington Lopes Assis, do departamento de Geografia da UFMG, demonstrou que a temperatura vem aumentando. A pesquisa mostra que a taxa média de umidade do ar diminui 9,56% nos últimos cem anos em BH, com a temperatura média subindo 1,5ºC no mesmo período. Enquanto a umidade média do ar caiu de 73,2% para 66,2%, a temperatura média se elevou de 20,4ºC para 21,9ºC.
“Esta secura verificada nos últimos meses não é determinada pela urbanização. Mas pode piorar muito com ela”, alerta o especialista. Wellington também chama a atenção para os estragos que a falta de planejamento pode causar. “Nas últimas duas décadas, o adensamento de bairros como o Buritis e Venda Nova levou a uma piora no clima de BH”, diz. “Isto sem falar na grande verticalização no entorno da avenida do Contorno, que claramente aumentou a temperatura da região”.
Já para a professora da Escola de Arquitetura da UFMG, Eleonora Sad de Assis, existe certo exagero quando o assunto é mudança climática. Para a estudiosa, muitos fatores devem ser levados em conta antes de uma conclusão definitiva. “O período de estiagem deste ano está absolutamente dentro da normalidade, e não podemos ainda concluir que a secura está piorando”, assegura a pesquisadora.