Revista Encontro

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O banqueiro do crédito

Kátia Massimo*
None - Foto: Cláudio Cunha

Quem chegar hoje ao BDMG para conversar com o atual presidente da casa, o economista Matheus Cotta de Carvalho, terá uma surpresa. Vai encontrá-lo dividindo uma ampla sala com os cinco diretores do banco. É com as mesas postas lado a lado que a diretoria trabalha e discute coletivamente os assuntos de cada pasta. “Isso dá velocidade às decisões”, diz Matheus Cotta. Mas a determinação de abandonar a tradicional sala da presidência, que por quase 50 anos ocupou o primeiro andar da sede do banco, na rua da Bahia, tem ainda outra função. Aos 47 anos, o mais jovem presidente que o BDMG já teve quer demonstrar, ostensivamente, com o próprio exemplo, que a instituição mudou, está de fato aberta e com foco no cliente. Não quer mais ser vista apenas como repassadora de recursos estaduais.

 

Não é à toa que a palavra que mais se ouve pelos corredores do banco desde que ele assumiu a cadeira, há cinco meses, é inovação. Na prática, significa mudar processos internos e externos para simplificar a concessão de financiamentos e conseguir triplicar o número de clientes até o ano que vem.

Tudo para evitar o que ocorre ainda hoje: de um lado, dinheiro barato disponível, aguardando quem queira, e de outro lado, gente precisando de capital para investir, mas sem sequer saber da existência dos recursos. O presidente do BDMG falou à Encontro sobre como mudar essa situação, as parcerias com cooperativas para chegar às cidades do interior e o fortalecimento das empresas mineiras.

 

ENCONTRO – Inovação tem sido a palavra mais falada no BDMG hoje. O que o senhor pretende exatamente?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – A inovação é um dos elementos mais importantes para um banco de desenvolvimento. Queremos ajudar o governo a transformar a economia de Minas, que não tem dinâmica de inovação estabelecida, em economia inovadora. O século XXI exige essa postura. A sustentabilidade também é um elemento importante. Ajudar as empresas mineiras a se tornarem mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, do ponto de vista social, até do ponto de vista econômico é a nossa preocupação.

ENCONTRO – Mas, na prática, como fazer isso?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Criando mecanismos para que as empresas possam desenvolver projetos inovadores e para que empresas inovadoras possam surgir no âmbito da economia do estado. Ainda estamos em processo inicial, mas já demos um passo importante com o lançamento de uma linha de financiamento inédita em termos brasileiros, em parceria com a Fapemig. A vantagem da linha é que oferece ao empresariado condições excepcionais, porque tem taxa de juros fixa, de 8 a 9%, e não são necessárias garantias que normalmente o banco exige de outros empreendedores. Basta um aval pessoal do empreendedor. Mas é preciso que o projeto seja inovador e crie condições para que as empresas mineiras se tornem mais competitivas. Esse é um exemplo objetivo dos esforços focados na questão da inovação.

 

ENCONTRO – Em geral, quando se trata de financiamento, especialmente com recursos públicos, a burocracia ainda é grande empecilho, principalmente para as empresas menores...

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Nós estamos trabalhando para mudar isso. Já conseguimos hoje fazer análises de risco mais rapidamente, e agora estamos tentando racionalizar em relação à exigência de documentação.

Queremos que nossos parceiros no interior possam conceder o crédito sem burocracia. Assim, nosso cliente vai conseguir tomar o crédito na própria cidade, sem a necessidade de se deslocar para Belo Horizonte. Outra providência que tomamos para facilitar o acesso aos recursos é o call center. Ele foi montado em maio e já atendemos mais de 12 mil pessoas. Quem tem faturamento anual de até 10,5 milhões de reais pode pedir o crédito por telefone ou pela internet. Tudo isso também é novidade.

 

ENCONTRO – Quem são esses parceiros no interior?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – São as cooperativas de crédito. Já que o BDMG não pode ter agências, optamos por aproveitar a rede de cooperativas já existentes em todo o estado, e vamos credenciá-las como correspondentes bancários. Hoje existem 140 cooperativas de crédito em Minas, o que dá ao BDMG a possibilidade de estar mais próximo dos clientes em todas as localidades e tornar o processo de liberação de crédito mais rápido. O que ocorreu no passado, e ocorre ainda hoje, é que por dificuldade de acesso ou desconhecimento, o BDMG muitas vezes tem recursos em condições favoráveis, mas o empreendedor não demanda esses recursos. O que queremos é democratizar e facilitar o acesso a esses recursos, por meio das cooperativas.

 

ENCONTRO – O BDMG, historicamente, atuou basicamente como repassador de recursos do tesouro estadual.

O papel agora é diferente?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – O banco avançou muito nesse aspecto. Temos, inclusive, utilizado como fonte de financiamentos basicamente recursos próprios, que são da carteira do banco ou oriundos de repasse do BDNES, cujo risco nós assumimos. Assim, reduzimos substancialmente o repasse de recursos em termos relativos por meio dos chamados fundos estaduais, que são os recursos fiscais que entram no banco. Para se ter uma ideia, até agosto deste ano desembolsamos R$ 753 milhões, sendo quase 70% de recursos próprios. Antes a proporção era de 80% de fundos estaduais e 20% de recursos próprios. Estamos bem ativos também no sentido de alavancar novos recursos no mercado, que possam ser transformados em novas linhas que sirvam ao empresariado mineiro.

 

ENCONTRO – Por que só depois de 50 anos o BDMG conseguiu independência dos recursos estaduais?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Porque isso é o resultado de um esforço que vem sendo feito agora neste sentido. Acho que é a determinação de colocar o banco para funcionar de maneira mais ativa, não apenas como repassador, mas como um banco que utiliza a sua base de patrimônio para buscar novos recursos.

 


ENCONTRO – O senhor esteve recentemente com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para negociar um novo enquadramento do BDMG, a fim de captar recursos de investidores no mercado financeiro. O banco pretende concorrer com as instituições privadas?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Queremos flexibilizar as regras estabelecidas para permitir ao banco captar novos recursos, mas a legislação restringe a tomada no mercado financeiro. Fomos bem recebidos pelo Banco Central, que viu com simpatia as nossas demandas, mas ainda estamos aguardando respostas. Temos como meta aumentar o número de clientes de maneira substancial. Esperamos alcançar 25 mil clientes até o final de 2012. Hoje estamos na faixa de 8 mil, o que é muito pouco.

 

ENCONTRO – É para buscar esses clientes que o senhor tem viajado pelo interior do estado?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – É minha obrigação conhecer o meu cliente e a realidade dele para entender e encontrar os melhores caminhos de servi-lo adequadamente. Essa noção de que o BDMG precisa estar focado na perspectiva do cliente é um esforço que estamos fazendo, do presidente ao funcionário mais simples do banco. Às vezes me surpreendo ao observar que existe um ambiente bastante positivo. Tenho sentido um ambiente de esperança e expectativa positiva.

 

ENCONTRO – Quais tipos de solicitações são mais comuns?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Demandas naturais de pessoas que querem investir, que querem crescer e precisam dos recursos para que isso se dê. O crédito durante muito tempo foi algo caro e de difícil acesso. Então conseguimos criar no Brasil uma sociedade em que os empreendedores eram obrigados a empreender sem a presença do crédito. O que tem ocorrido é uma mudança nessa perspectiva. Cada vez mais as pessoas percebem que o crédito é um elemento essencial para que os negócios possam ser alavancados e gerar empresas que sejam maiores e tenham capacidade de investimento, inovação e possam estar presentes em mercados exigentes.

 

ENCONTRO – O fato de ser uma das raras instituições financeiras ainda controladas pelo governo estadual ajuda ou atrapalha o posicionamento do banco?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Ajuda muito, porque dá a Minas uma vantagem comparativa em relação a outros estados no momento em que vai discutir a atração de novos investimentos. Aí temos atuado de maneira sinérgica com os órgãos responsáveis pela atração de investimentos no estado, no sentido de mostrar como o banco pode ser um parceiro importante nessa hora.

 

ENCONTRO – O senhor iniciou a sua carreira no BDMG, como estagiário, há mais de 20 anos. Como é voltar na cadeira de presidente?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – É muito prazeroso. Não pensava que teria a responsabilidade de conduzir o banco em um período de tantos desafios, inclusive no âmbito organizacional, dando continuidade ao processo de modernização e de adequação à nova realidade de mercado, com elementos econômicos muito diferentes daqueles que existiam há 20 anos. Estou bastante estimulado com esse trabalho.

 

ENCONTRO – Por que deixar de ocupar a sala da presidência para dividir espaço com os diretores?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Os desafios que têm sido colocados exigem a participação de todos. E mudar a maneira da diretoria trabalhar é a melhor forma de comunicar, de dar o recado. Esse ambiente em que nos estabelecemos, em uma única sala, nos permite isso. Não existe segmentação, em que cada um se responsabiliza pela sua área como se ela não tivesse repercussão na área do outro. Tudo é parte de um único projeto, de um resultado comum, e cujo julgamento virá do nosso cliente em última análise. Quando olho para o passado e vejo as salas com portas fechadas, com secretárias, eu observo que isso é uma coisa muito ultrapassada.Trabalhar em única sala dá velocidade ao processo decisório.

 

ENCONTRO – Como os 350 funcionários do BDMG estão encarando essa nova visão?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – A realidade é muito dinâmica e as organizações devem mudar em função da necessidade do cliente. Não se concebe mais burocracias estruturadas que permaneciam anos a fio guardando as mesmas características. É essa percepção que procuro dividir com meus colegas de banco. Em geral as pessoas têm dificuldade de lidar com esse dinamismo. É normal. As mudanças geram incômodo. Então é importante ter a capacidade de comunicar, de mostrar que o discurso é coerente com o que estamos fazendo.

 

ENCONTRO – O fato de o senhor já ter trabalhado com o governador Anastasia ajuda nos novos projetos?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Com certeza. Começamos a trabalhar juntos em 1991, quando Anastasia era secretário adjunto de planejamento e eu era diretor de orçamento do estado. Estabeleceu-se uma relação de confiança que é boa para o banco e para mim também. Sinto-me seguro de trabalhar com ele, nos dá uma base para poder fazer o que tem que ser feito. Não é simples, o mais simples é se acomodar. Não é incomum no setor público encontrar pessoas que se satisfazem com aquilo que têm e se beneficiam das circunstâncias. Não é isso o que o governador impõe. Ele quer pessoas que tenham a capacidade de enfrentar os desafios, as dificuldades e as resistências que estão colocadas. A gente precisa ter disposição até física para enfrentar as resistências que surgem em qualquer organização que quer avançar. Para isso, é necessário ter a sustentação do governador, que assina embaixo e nos permite fazer esse trabalho.

 

ENCONTRO – Por outro lado, o governador cobra muito também, não é?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – É importante que a cobrança venha. Diversificar a economia de Minas e ter empresas mais qualificadas se tornou uma obsessão do governador e uma exigência para o BDMG. Nós ainda temos uma visão muito voltada para a nossa própria realidade, sem perceber quantas possibilidades temos em mercados mais avançados. Para mudar isso, temos que transformar em realidade o discurso de que o BDMG é voltado para a média e pequena empresa. É um discurso feito e difícil de ser praticado.

 

ENCONTRO – Por que é tão difícil transformar esse discurso em realidade?


MATHEUS COTTA DE CARVALHO – O fato é que ainda temos pequenas empresas mais marcadas pela necessidade do que pela vontade explícita de crescer. Então, temos que desenvolver no empreendedor a percepção de que ele pode criar uma empresa importante, relevante, que pode ultrapassar as fronteiras do estado, nacional e internacionalmente. Essa é a regra que as economias emergentes utilizam. Na China e India é exatamente esse tipo de perspectiva que marca os negócios.

 

ENCONTRO – E o momento favorece isso?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Com certeza. A economia mineira continua crescendo e também temos empresários com muita disposição para investir. Claro que existe a circunstância econômica, a crise internacional, que irá refletir na economia mineira, que talvez nos coloque um freio e nos impeça de crescer nas taxas que imaginávamos. Mas o rumo está traçado e é esse o rumo é que temos que perseguir, independente das circunstâncias.

 

ENCONTRO – Podemos falar, então, de um novo BDMG?

MATHEUS COTTA DE CARVALHO – Falaria que o BDMG tem muita consciência da necessidade de se movimentar, que é um banco que percebe que precisa estar permanentemente se modificando e se adequando para atender melhor aos nossos clientes, sejam públicos ou privados. É um banco que não está sentado no conforto da sua circunstância, mas está disposto a lutar para se tornar cada vez mais relevante.

 

 
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