Revista Encontro

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"Houve de tudo, até linchamento moral"

André Nigri
None - Foto: Divulgação

Desde que estreou, em março de 2008, o CQC ( Custe o Que Custar), programa pilotado por Marcelo Tas, já colecionou vários prêmios e algumas polêmicas. A mais recente delas envolveu o humorista Rafinha Bastos e o levou a seu afastamento, após ele fazer uma piada sobre a cantora Wanessa Camargo. Não é a primeira vez que o veterano Tas se vê às voltas com assuntos espinhosos. Desde que apareceu na televisão brasileira na década de 1980 como o repórter Ernesto Varela, este paulista de Ituverava nascido em 1959 alia humor afiado e repertório crítico a serviço da sátira política corrosiva. Tornou-se famosa a entrevista que fez com Paulo Maluf e lhe perguntou se ele era mesmo corrupto (Maluf deu-lhe as costas sem dizer nada). Era a época da Olhar Eletrônico, produtora que Tas e Fernando Meirelles criaram em São Paulo e que fez história na TV brasileira.

 

Em mais de 30 anos de carreira, Marcelo Tristão Athayde de Souza (o Tas é a junção das primeiras 3 letras do sobrenome) já dirigiu, assinou roteiros e escreveu livros. E é justamente um livro, É Rindo Que se Aprende – uma Entrevista a Gilberto Dimenstein, da Papirus Editora - que ele vai lançar no Fórum das Letras, em Ouro Preto. O evento acontece entre os dias 11 e 15 deste mês.

Na entrevista a Encontro, Tas comentou a saída de Rafinha, criticou a TV pública criada no governo Lula e disse que a internet não é nenhum instrumento do diabo.

 

1) A televisão teve um papel decisivo na formação da identidade brasileira na segunda metade do século 20. Hoje, 25,2 milhões de brasileiros têm acesso à TV a cabo. Pode-se falar de uma função da televisão no Brasil hoje?
Marcelo Tas –
A influência que a TV exerce na sociedade brasileira é imensa por razão óbvia: a dificuldade de acesso à informação e entretenimento devido à desigualdade social e às dimensões continentais do território nacional. A questão da função que a TV exerce é algo que depende da própria sociedade – produzir e exigir conteúdo de qualidade que atenda a suas necessidades na TV. O brasileiro gosta de se meter a entendido em TV, mas exige pouco das emissoras.

 

2) A transformação de humoristas em celebridades tem sido cada vez mais frequente. Há uma crise disfuncional do humorista?
Marcelo Tas –
O humorista é um ser humano em crise permanente. Ele é a própria aceitação e crítica da imperfeição. O riso é o reconhecimento e superação do nosso estado precário e primitivo de parentes próximos do macaco. Não há mal algum em humoristas virarem celebridades, faz parte do show business. Desde que eles não acreditem nesse status como garantia de atingir a graça.

 

3) A criação da TV Brasil gerou muita polêmica. Quatro anos depois, seu número de espectadores caiu para níveis baixíssimos. Qual sua avaliação desse canal?
Marcelo Tas –
Sou absolutamente um entusiasta da TV Pública, o que não é o caso da TV Brasil, um canal controlado e administrado pelo governo federal. Creio que essa é a falha trágica do modelo adotado.

É absolutamente impossível uma emissora atender a um governo – algo provisório, com interesses partidários e limitados – e ao público ao mesmo tempo. A TV, para ser pública, tem de ser independente, tanto do governo quanto das amarras comerciais.

 

4) O recente episódio envolvendo Rafinha Bastos provocou um barulho como há muito não se ouvia na mídia.
Marcelo Tas –
Houve de tudo, desde linchamento moral até valorização surreal do episódio. Tudo isso me ajudou a entender melhor algumas coisas. Uma delas é como funciona a vampirização de um assunto pela mídia. Na maioria das vezes, este fato foi explorado não por ética ou vontade de um legítimo debate sobre humor ou censura, mas porque rende audiência a jornais e portais de internet. O debate ralo causou confusão em muitas cabecinhas frágeis, que trouxe o tema "censura" de forma absolutamente distorcida. Censura é o que vemos em Cuba, onde nada pode ser debatido. No Brasil, com todas as deficiências e vicios do coronelismo que ainda se nega a deixar o poder, há liberdade para se discutir até assuntos sem importância como uma piada.

 

5) O CQC renovou o humor na televisão, mas tudo nesse meio parece ter uma vida muito curta e envelhecer rapidamente. Quais ferramentas você utiliza para renovar o formato do programa?
Marcelo Tas –
O CQC Brasil, desde o seu início em 2008, usou as redes na internet como forma de um diálogo com o público que recebia a novidade: um programa com mais de duas horas de duração que mistura humor e jornalismo. Nunca imaginei que fosse ser aceito com tanta rapidez.

Para que ele continue, é imperioso que mantenhamos a ousadia e experimentação de novos formatos. Não podemos temer mudanças. Até mesmo as crises são sinais vitais de programas que trabalham o tempo todo no limite da ousadia. Temos de aceitá-las com coragem para continuar expandindo os nossos limites criativos.

 

6) Qual o tempo máximo que uma pessoa pode ver televisão sem que isso lhe prejudique a saúde?
Marcelo Tas –
O tempo suficiente para que a experiência traga algo relevante. Pode ser uma vontade de puro relaxamento diante de um filme ou um programa de culinária sem grandes ambições, ou até mesmo assistir a uma aula de Química no Telecurso. A TV não é má ou boa por natureza. É apenas um fantástico eletrodoméstico que pode ser desligado a qualquer momento. Nós é que devemos fazer um bom uso dela.

 

7) Qual o futuro da televisão?
Marcelo Tas –
Observe as crianças e verá que elas já não usam a palavra "televisão". Vivem cercadas por telas que usam para estudar, brincar, se comunicar com amigos e até ver programas de televisão. A televisão já se fundiu com a nova era digital. Nós, adultos, seres da era anterior, analógica, é que temos dificuldade de ver e entender isso.

 

8) Você participará de um evento literário em Ouro Preto, um evento que celebra o livro. Há uma discussão interminável sobre o futuro do livro. O que você pensa a respeito?
Marcelo Tas –
O DNA de um bom livro é o mergulho sem rede de proteção num universo que nos arrebata. Eu amo os livros de papel, gosto de apertá-los e até rabiscá-los, acrescentando os meus pensamentos à narrativa do autor. Penso que sempre vou tê-los ao meu redor. Mas não tenho preconceito com quem se sente à vontade lendo livros num tablet eletrônico ou mesmo criando narrativas coletivas na web.

 

9) O cinema já ocupa parte do imaginário coletivo. Nas próximas décadas quem ocupará este lugar?
Marcelo Tas –
O presente já é carregado de um volume suficiente de coisas relevantes que pedem o nosso discernimento. Disseram o mesmo do teatro quando apareceu o cinema. O mesmo do cinema quando apareceu a TV… As narrativas todas estão aí; aliás, o teatro cada vez mais forte e necessário do que nunca.

 

10) A internet aproximou ou afastou as pessoas?
Marcelo Tas –
Não devemos atribuir à internet poderes diabólicos que ela não tem. Não é a internet que aproxima ou afasta as pessoas. Não vejo a internet como uma rede mundial de computadores, mas como uma rede mundial de pessoas que usam o computador. Não vamos cair na tentação fácil de culpar as telas ou caixinhas de plástico como a TV.

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