Revista Encontro

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"O produtor rural não é marginal"

Kátia Massimo*
None - Foto: None

Não é de hoje que o Parque de Exposições da Gameleira é palco dos principais eventos agropecuários de Minas. É onde os produtores rurais se encontram, trocam informações e conhecem o que há de novo no setor. Aliás, é o único espaço onde a interação entre eles acontece, desde 1908, quando a área foi comprada pelo governo mineiro para esse fim. Por isso, não é difícil entender a comoção que se abateu sobre os expositores do local – criadores de gado e cavalos – com a possibilidade de transferência do parque para outra região, a fim de dar lugar a centro de convenções (com hotel anexo), a ser construído pelo governo estadual para a Copa de 2014.

 

Desde que foram surpreendidos pelo projeto, em setembro, os pecuaristas perderam o sono, mas reagiram rápido para tentar impedir que a idéia siga adiante. Além de entregar carta de repúdio pessoalmente ao vice-governador Alberto Pinto Coelho, representantes do setor acabam de criar a Comissão Pró-Manutenção do Parque da Gameleira e querem agora mobilizar a opinião pública em favor da causa. “O clima é de exaltação”, diz o coordenador do movimento, o empresário Virgílio Villefort, um dos principais atacadistas de Minas e também um dos três maiores pecuaristas de gado puro do Brasil, dono de rebanho de mais de 5 mil cabeças de gado registrados (PO). “Estamos todos muito preocupados porque o fim do parque pode trazer danos para o agronegócio em Minas, com consequência para os produtores, mas também para a sociedade”, diz. Criador de gado da raça guzerá e gir – em sua fazenda foi gerado o 1º clone da raça guzerá do mundo –, Villefort falou ainda sobre os avanços do setor e a desvalorização do produtor rural.

 

 

 

ENCONTRO – Por que o parque de exposições é tão importante para os produtores rurais?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Por que aproxima a cidade do campo.

Minas é estado eminentemente agropecuário. Em todo o mundo, cidades cujas economias são fortes no setor de agronegócios têm seus parques de exposições no centro, para que sejam uma vitrine. Aqui, querem fazer o contrário. Quantas vezes a gente recebe visitas de alunos de escolas de Belo Horizonte que vão ver os animais pela primeira vez? Tem menino que chega lá pensando que o leite é produzido pela indústria. Outros não sabem nem qual é a diferença entre o boi e a vaca. Ou seja, a função educacional também é importante. Isso sem falar que é o único local que existe hoje em Belo Horizonte em que os todos os criadores da cadeia agropecuária se encontram e também se relacionam, inclusive com consumidores e outros segmentos. É onde acontecem as exposições, concursos, leilões e também a troca de informações sobre as melhores práticas para o setor. Os eventos são uma vitrine para valorização dos animais e a evolução das raças. Então, incentiva uma competição saudável que leva à modernização de diferentes tipos de gado.

 

ENCONTRO – E vocês foram consultados, em algum momento, sobre os impactos desse projeto?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Nós não participamos de nenhuma discussão sobre o assunto; foi uma grande surpresa. Só ficamos sabendo em setembro que havia esse propósito do governo de desativar o parque, informação que foi passada pelo secretário de Agricultura, Elmiro do Nascimento. Aí a reação foi imediata, houve até um clima de exaltação e de revolta. Fizemos um documento que foi entregue ao vice-governador, pedindo inclusive que fosse aberto um canal de diálogo entre o governo e os produtores, o que não existia até então.

A nossa preocupação agora é de mostrar ao governo e à sociedade que os danos com o fim do parque podem ser irreparáveis para o setor. Nosso interesse nesse momento é de expor as preocupações com os diversos prejuízos que não apenas o setor de agronegócios, mas em consequência a sociedade terá com o fim do parque.

 

ENCONTRO – E quais são esses prejuízos que preocupam tanto?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
As pessoas não sabem, mas hoje existe grande esforço para melhorar o rebanho e para melhorar a produtividade, e termos, por exemplo, carne de melhor qualidade. E como os produtores, principalmente os pequenos, ficam sabendo dessa evolução, de novas técnicas? É através das exposições. A função das exposições que acontecem hoje no parque acaba sendo a de uma escola. Qual o objetivo disso? Encontrar bons animais e multiplicar a genética deles. E é aí que entra Minas Gerais, porque somos líderes em tudo no setor. O parque contribuiu para essas conquistas ao longo dos anos.

 

ENCONTRO – Como tem evoluído a agropecuária mineira?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
É importante falar disso, porque hoje é muito divulgado que o Mato Grosso tem o maior rebanho bovino brasileiro. Mas eles têm 19 milhões de cabeças, enquanto Minas Gerais tem mais de 20 milhões, de acordo com dados da FNP Consultoria referentes a 2010. Tem até produtor mineiro que não sabe disso. E nosso estado é líder em tudo.

Só para ter uma ideia, podemos citar: temos o maior rebanho de vacas do Brasil (quase 7,5 milhões e meio de cabeças), de novilhas de todas as raças (3,9 milhões de cabeças), de rebanho de pecuária leiteira (6,2 milhões de cabeças) e de touros (278,6 mil cabeças). Somos o primeiro também em número de abates de bovinos (5,47 milhões de cabeças) e ganhamos também na produção de carne (981 mil toneladas). Os números não deixam dúvidas de que estamos muito bem. Tem propósito querer acabar com a nossa vitrine?

 

ENCONTRO – Mas, além da quantidade, a qualidade da produção melhorou?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Ninguém imagina o quanto evoluímos. Tanto que exportamos genética para o Brasil inteiro e para o mundo. Para continuarmos com essas e outras estatísticas positivas, que tanto orgulham os mineiros, precisamos de um setor forte. O Parque da Gameleira é grande aliado neste sentido, pois funciona como palco.

 

ENCONTRO – E os problemas, quais são?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Acho que o maior problema que temos hoje é a extensão do nosso estado. Pensa bem, temos mais de 800 municípios e os pequenos produtores são a maioria em cada um deles. Fica difícil unir todo mundo. Em outros segmentos isso é mais fácil. Por exemplo, os supermercadistas são poucos, proporcionalmente, aí conseguem estar juntos, fortalecer o setor. Como o produtor rural não se une, fica prejudicado. Sofre discriminação e as pessoas não conseguem entender a importância que os produtores têm para a sociedade.

 

ENCONTRO – O senhor considera que os produtores não são valorizados pela sociedade?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Hoje, não. As pessoas e as próprias indústrias, o comércio, todos são dependentes do produtor, mas ninguém consegue enxergar isso. Prova disso é essa história de acabar com o parque para colocar um novo centro de convenção, para abrir espaço para a indústria. Quantas vezes o produtor rural gera mais emprego do que as indústrias, em muitos municípios? E tem também a importância de manter a pessoa no campo.

 

ENCONTRO – Os senhores estão se sentindo desrespeitados?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Nós nos sentimos desvalorizados. É importante dizer que o produtor não é marginal, ele contribui com a sociedade bem mais do que as pessoas imaginam. Todo mundo depende da gente para que possa consumir o pão, leite, a carne, e tudo que está na nossa alimentação. Mas ninguém come arroz, feijão, bife imaginando as dificuldades que existem lá no campo para aquele produto chegar ali.

 

ENCONTRO – No passado isso era diferente?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Muito, muito diferente. Lembro de quando eu era criança e vivia na roça, o produtor rural era uma figura muito importante para a cidade. Hoje não tem mais importância. Agora, os próprios produtores preferem mandar os filhos para estudar fora, para formar em engenharia, medicina, em outra área. Temos que estimular nossos filhos para que sigam o nosso caminho e assim tentar resgatar essa importância. Por isso, gosto muito de repetir uma frase que ouvi do ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues: “Deus criou o mundo e colocou os homens nele. O produtor rural os mantém vivos”.

 

ENCONTRO – Até agora, o que já foi definido em relação ao parque?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
O vice-governador garantiu que vai manter o calendário de exposições agropecuárias de 2012 e 2013 e que o parque somente será transferido de local após a construção de novo espaço. Na verdade, ele nos mandou esse recado pelo Altino Rodrigues Neto, presidente do IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária). É a garantia de que não vamos interromper o calendário de eventos. Se isso acontecesse, as consequências seriam terríveis, por que iriam desmotivar todo mundo e também tirar do nosso calendário muitas exposições nacionais que são realizadas aqui. Elas certamente iriam para outro estado e depois não voltariam mais. Nós temos é que tentar atrair novas exposições nacionais para cá e não perder as que já existem.

 

ENCONTRO – Vocês receberam apoio de outros segmentos?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Por enquanto, não. Nesse momento, estamos percebendo que as empresas que estão acostumadas a usar o Expominas ainda não compreendem a importância e significado do Parque da Gameleira para os produtores. O que queremos é explicar as essas entidades essa importância. Queremos envolver a opinião pública para que se integrem ao movimento. É importante que os atacadistas, distribuidores, indústrias entendam que a valorização do produtor é importante para todos.

 

ENCONTRO – A construção do parque de exposições em outra área atende a reivindicação de vocês?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
A primeira versão que surgiu dava conta de que o Parque da Gameleira seria transferido lá para o caixa-prego, depois de Lagoa Santa. Isso, não aceitamos de jeito nenhum, por que afasta o povo e marginaliza ainda mais os produtores. O que todos querem é a manutenção do parque onde está.

 

ENCONTRO – Então vocês vão bater o pé para ficar no local?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Veja bem, acabar com o parque é destruir a infraestrutura existente. São 33 galpões, pavilhões para leilões, 70 currais, pista gramada e também pistas de areia e restaurantes. Lá também funciona a sede de 20 associações de criadores, todos pagando aluguel pelo espaço. Imagine destruir tudo isso, jogar fora. E o parque já existe lá desde 1908. A gente precisa respeitar a história. O espaço foi comprado pelo governo estadual no mandato de Israel Pinheiro com esse fim de ser um local de exposição agropecuária. Foi o Expominas que veio bem depois e ocupou área originalmente do parque, que hoje nos faz falta. Na verdade, tinha de ser o contrário. O Expominas é que deveria ser incorporado ao Parque da Gameleira como espaço multiuso, moderno, para acolher exposições de bovinos e equinos, entre outras atividades de incentivo ao produtor rural.

 

ENCONTRO – A infraestrutura do local hoje está adequada?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Não, é bem antiga. O parque precisa ser reformado e modernizado. Já solicitamos isso no documento entregue ao vice-governador.

 

ENCONTRO – O que o senhor acredita que vai acontecer daqui para frente?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Isso é uma incógnita. O que sei é que Minas tem importante responsabilidade com o Brasil e com o mundo no agronegócio. Precisamos, portanto, evoluir, e não andar para trás.

 

ENCONTRO – Qual o seu objetivo como criador?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
Quero estar na liderança como criador e expositor das raças guzerá e gir e assim multiplicar a genética para o país inteiro. A demanda interna por touros melhoradores no Brasil é de quase 3 milhões de animais e a oferta ainda é pequena. Ninguém produz animais registrados (PO) em larga escala para atender a essa demanda. Eu quero fazer isso.

 

ENCONTRO – O senhor é também um dos maiores empresários do setor atacarejo (atacado e varejo) do Brasil. Esse setor passará por mudanças nos próximos anos?
VIRGÍLIO VILLEFORT –
É um mercado que vem passando por transformações. A demanda vem crescendo muito e em consequência os investimentos também. Tanto que, no passado, era desprezado por grandes investidores, mas recentemente despertou o interesse de gigantes do varejo. O Pão de Açúcar hoje é dono da rede Assaí e o Carrefour comprou o Atacadão. Eu não tenho dúvidas de que é um segmento que ainda vai crescer muito nos próximos anos. Exatamente como o agronegócio brasileiro.

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