Revista Encontro

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"Crônica é que nem futebol"

João Pombo Barile
None - Foto: Nino Andrés/Divulgação

Quando naquele final dos anos 1960 Murilo Rubião convidou Humberto Werneck para trabalhar na redação do Suplemento Literário do Minas Gerais, ele não poderia imaginar que aquele convite mudaria a vida do jovem Humberto. Na acanhada redação que funcionava no prédio da Imprensa Oficial, na avenida Augusto de Lima, Humberto Werneck, então estudante de direito da UFMG, acabaria descobrindo sua verdadeira vocação: o jornalismo.

 

Autor de livros importantes para a compreensão da literatura brasileira, como O Desatino da Rapaziada: Jornalistas e Escritores em Minas Gerais e O Santo Sujo: A Vida de Jayme Ovalle, Werneck coordenou a Literata, festival de literatura de Sete Lagoas, que neste ano homenageou o autor de O Grande Mentecapto e reuniu importantes nomes da nossa literatura.

 

E Werneck não para. Ele acaba de organizar dois livros da obra de Otto Lara Resende: Bom Dia para Nascer e O Rio é tão Longe. Nesta entrevista, o jornalista e escritor, mineiro de Belo Horizonte, fala sobre os dois autores mineiros, o futuro dos livros, o jornalismo em tempos de internet e a crônica literária, que ele compara ao futebol, “que os ingleses inventaram e nós transformamos em arte”.

 

1) Este ano a Literata homenageou o escritor Fernando Sabino. Qual a importância dele para a literatura brasileira?
HUMBERTO WERNECK –
Fernando Sabino deixou uma obra vasta, na qual há pelo menos uma obra-prima, o romance O Encontro Marcado, com dezenas de edições desde seu lançamento, em 1956, e traduções para outras línguas – entre elas o inglês, o alemão e o holandês. A narrativa veloz de Sabino nesse grande romance é uma aula para quem queira escrever boa ficção. Sabino foi um mestre, também, na história curta, ao longo das dezenas de livros de crônicas que publicou. O estilo dele tem influenciado não só jovens escritores, mas também jornalistas em formação.

 

2) Todas as pesquisas são unânimes em apontar os baixos índices de leitura no país e o fato de que o brasileiro lê pouco.

Fernando Sabino é muito adotado em vestibulares. Você acredita que isto contribuiu para que ele conseguisse ser mais conhecido pelo grande público?
HUMBERTO WERNECK –
A adoção em vestibulares sem dúvida contribui para que um autor ganhe público mais vasto. Resta saber quantos vestibulandos descobrem e incorporam os autores do programa e quantos os veem como mais uma chatice compulsória. Quanto ao fato, indiscutível, de que o brasileiro lê pouco, ultimamente venho me perguntando, meio de brincadeira, meio a sério, se isso em parte não acontece porque hoje em dia todo mundo está ocupado em escrever... Eu, inclusive...

 

3) Você acaba de organizar uma nova antologia de textos de Otto Lara Resende. Poderia falar um pouco sobre o livro?
HUMBERTO WERNECK –
Na verdade, são dois livros, pelos quais a Companhia das Letras inicia neste fim de ano a publicação da obra, agora reorganizada, do grande escritor mineiro. Um deles é Bom Dia para Nascer, seleta das crônicas que durante quase dois anos Otto publicou na página 2 da Folha de S.Paulo, até poucos dias antes de sua morte, em dezembro de 1992. No ano seguinte saiu uma primeira seleta, com 192 crônicas. Meu trabalho, agora, consistiu em reler todas as 508 que ele escreveu naquele espaço e acrescentar mais 74 ao volume de 1993. O outro livro de Otto que está saindo chama-se O Rio é tão Longe e reúne todas as cartas que ele escreveu a seu amigo Fernando Sabino entre 1944 e março de 1970. Com esse volume, a Companhia das Letras começa a pôr em circulação o que muitos não hesitam em considerar o melhor Otto Lara Resende – o Otto das cartas.

 

4) Você conviveu com o Otto. O que tem a dizer sobre ele?
HUMBERTO WERNECK –
Na impossibilidade de resumir quem foi Otto em poucas linhas, digo apenas: foi a inteligência mais saudavelmente endiabrada que já vi...

 

5) Como está a literatura brasileira contemporânea? Que escritores lhe têm interessado?
HUMBERTO WERNECK –
Não tenho podido acompanhar como gostaria a literatura brasileira mais recente. Mas sobre um nome não tenho dúvida: é de primeiríssima qualidade tudo o que tem saído (O Meio do Mundo e Outros Contos, Aberto Está o Inferno e Cine Privê), com a assinatura do sergipano Antônio Carlos Viana.

É um craque
do conto.

 

6) Jornalista premiado, nos últimos anos você se tornou um dos nomes da crônica brasileira. Como vai essa sua nova carreira?
HUMBERTO WERNECK –
De minha parte, limito-me a dizer que tenho adorado ser cronista semanal, como venho sendo desde o começo de 2007 – atividade que já me permitiu lançar duas coletâneas, O Espalhador de Passarinhos e o recente Esse Inferno Vai Acabar. Para quem por tantas décadas esteve condenado à objetividade e à impessoalidade do jornalismo, tem sido uma gostosa aventura pegar a contramão e ser subjetivo e pessoal. Tomara que os leitores também estejam gostando...

 

7) Você é um dos defensores da crônica no Brasil. Ainda existe muito preconceito com o gênero?
HUMBERTO WERNECK –
A crônica certamente não tem o peso e a nobreza do romance, por exemplo. Quanto a isso, nem cabe discussão. Mas o brasileiro adora crônica – um gênero que importamos da França na metade do século XIX e que aqui ganhou molejo e cintura. É que nem o futebol, que os ingleses inventaram e nós transformamos em arte. Sobretudo nas mãos de Rubem Braga, o melhor de todos, ela se recriou. A leveza da crônica não quer dizer necessariamente que ela não tenha substância.

 

8) Nos últimos anos proliferaram os encontros literários por todo o país.

Eles contribuem para aumentar a leitura entre nós?
HUMBERTO WERNECK –
Pertenço a uma geração para a qual as livrarias eram como templos onde os brasileiros, solenizados, hesitavam em entrar. Hoje, benza Deus, a gente entra em livrarias e vê uma criançada atracada aos livros. Ninguém pode duvidar de que os encontros literários, como a Flip, em Paraty, a Fliporto, em Olinda, a Felit, em São João del Rei, e a Literata, em Sete Lagoas, para lembrar apenas quatro entre eventos cada vez mais numerosos, têm contribuído para a intimidade que o brasileiro vai ganhando com o livro.

 

9) O livro dos quatro cavaleiros vai sair no próximo ano?
HUMBERTO WERNECK –
Meu próximo livro será um infantojuvenil sobre Belo Horizonte – tema, também, de um livro para público mais velho que vai se chamar Praia de Mineiro – O Botequim na Vida de Belo Horizonte. Esses dois devem sair em 2012. Quanto aos cavaleiros, o que posso dizer é que seguem trotando, lentamente, em meio a dificuldades por vezes desanimadoras...

 

10) E o jornalismo que é feito hoje no Brasil? Para você, ele melhorou ou piorou?
HUMBERTO WERNECK –
O jornalismo, a meu ver, ainda não se adaptou às novidades trazidas por ferramentas, nem sempre bem usadas, como a internet. Os deslumbrados e os apocalípticos de plantão seguem profetizando o fim da mídia de papel. Não creio que isso vá acontecer. Mas é óbvio que o jornalismo escrito precisará ajustar-se aos novos tempos, às novas realidades. Como será o futuro, não sei; mas me parece também óbvio que o jornalismo, escrito ou eletrônico, não será capaz de interessar a muita gente, e nesse caso não fará falta se desaparecer, se não servir ao público duas coisas: informação de qualidade bem processada – ou seja, reportagem, algo que em tempos de Google não tem sido prioritário como deveria; e um tratamento cuidadoso e caprichado dessa informação – ou seja, no caso do jornalismo escrito, um texto ao mesmo tempo substancioso e saboroso. Tenho repetido que nós, jornalistas, faríamos bem em adotar como santa padroeira a Sheerazade das Mil e Uma Noites – aquela moça que salvou seu pescoço graças ao poder de sedução das histórias que, ao longo de todas aquelas noites, ela contava ao sultão...

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