Revista Encontro

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O aviso do céu

Raíssa Pena
None - Foto: Eugênio Gurgel, Beto Novaes (EM D.A Press), Renato Weil (EM D.A Press)

Todo ano é a mesma situação: a intensidade das chuvas de dezembro e janeiro deixa um cenário de devastação em várias cidades mineiras. Este ano, as manchetes do período chuvoso em Belo Horizonte vieram, principalmente, de regiões inusitadas. Nos primeiros dias do ano, a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) havia registrado 173 ocorrências apenas nos bairros da região Centro-Sul. Desde o início das chuvas, os belo-horizontinos assistiram aos já tradicionais alagamentos das avenidas Antônio Carlos, Cristiano Machado e Teresa Cristina, e aos incomuns desabamentos e demolições em bairros de classe média. Vieram abaixo um prédio de dois andares no Caiçara e o edifício Vale dos Buritis, no Buritis. Este último comprometeu três construções vizinhas, que foram interditadas e, uma delas, demolida pela prefeitura.

 

A arquiteta e conselheira do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/MG), Cláudia Pires, garante que os transtornos não são culpa dos rios, nem das chuvas, "mas do processo caótico de ocupação urbana”. Apesar de desfavoráveis à construção de moradias, as encostas e ladeiras de Belo Horizonte foram desordenadamente povoadas. A topografia de bairros como Luxemburgo, Buritis, Caiçara e Mangabeiras apresenta alto contraste entre os níveis dos terrenos e, assim como encostas em regiões de periferia, envolve claros riscos para as edificações.

 

Com o lema “Não adianta demolir, tem que corrigir”, a associação de moradores do Buritis se organizou para cobrar da prefeitura explicações e medidas contra o problema da região.

O diretor da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), Fernando Antônio Costa Jannotti, afirmou que haverá mudanças no Código de Obras da cidade. Documento que, segundo Claudia Pires, é demasiado permissivo ao legislar sobre projetos imobiliários. Tanto que os prédios que ruíram no Buritis e Caiçara tiveram seus projetos devidamente regularizados e aprovados pela prefeitura. Por outro lado, a administração municipal se defende, dizendo que aprova apenas o projeto arquitetônico das edificações e que a responsabilidade técnica é das construtoras e dos profissionais contratados.

 

Mas ainda que deixe a desejar, a política municipal de combate a inundações tem avançado em Belo Horizonte. Apesar do volume atípico das recentes chuvas, a Comdec registrou até janeiro uma morte na cidade desde o início do período chuvoso (um morador do prédio no bairro Caiçara). Os alertas e as ações de remoção em áreas de risco foram mais ágeis, por causa de instrumentos como a Carta de Inundações do Município, lançada em 2009, que mapeou detalhadamente 82 locais sujeitos à ocorrência de inundações. Também foram criados um sistema de monitoramento do nível dos córregos urbanos e os Núcleos de Alerta de Chuvas (NACs), compostos por equipes de moradores de regiões inundáveis, que auxiliam a Prefeitura nas intervenções necessárias.

 

 
 
 

 

Outro instrumento da Prefeitura, o programa Drenurbs, vinculado à Sudecap e criado em 2004, tem construído parques lineares em pontos críticos da cidade. A ação consiste na remoção e realocação de moradores das áreas de risco de inundação. Nestes locais são construídos espaços livres com opções de lazer para a população, que recebem o transbordamento dos córregos em épocas de cheia. Já foram realizadas intervenções nos córregos 1º de Maio e Nossa Senhora da Piedade (Norte), Baleares (Venda Nova), Engenho Nogueira (Noroeste) e Bonsucesso (Barreiro). Cláudia Pires enxerga o programa como um avanço da administração municipal. “É uma maneira de tratar o rio como estratégia, e não como ameaça”, elogia a urbanista.

 

Mesmo em terrenos acidentados, é possível erguer edificações seguras. É o que garante Roberto Márcio da Silva, professor e coordenador do curso de Engenharia Civil da UFMG.

Segundo o professor, há estudos e recursos tecnológicos capazes de mitigar problemas com o terreno. Imóveis instalados em aclives acentuados, como nas regiões Centro-Sul, Oeste, Leste e Barreiro, exigem sondagem prévia do terreno e maior investimento em tecnologia. O estudo do solo deve contemplar não só a área construída, mas também os terrenos vizinhos. Quanto à proximidade de encostas, a premissa é de que a construção não interfira em seu estado natural. “Quanto mais escavada e modificada uma encosta, maior a probabilidade de ocorrer um desequilíbrio do terreno”, explica Roberto Márcio da Silva. Outra dica importante é consultar um geólogo, que tem conhecimento mais profundo do subsolo, da movimentação e do comportamento de terrenos em áreas de risco.

 

Um dos fatores que torna a cidade tão vulnerável às chuvas é a topografia. “Belo Horizonte está localizada em um fundo de vale, para onde os cursos d’água tendem a se direcionar. Além disso, o relevo é muito acidentado e há uma diversidade de solos frágeis a essa ocupação urbana quase maciça”, explica Cláudia Pires. A arquiteta também aponta que a capital foi projetada por Aarão Reis para comportar 200 mil habitantes, e não os atuais 2,37 milhões.

 

A região metropolitana abriga 700 km de cursos d’água: 200 km estão canalizados, outros 200 km em leito aberto na malha urbana, e 300 km são resguardados por áreas de proteção ambiental. Além do relevo irregular e da abundância hidrográfica, fatores urbanísticos agravam o cenário.

“Há uma tradição no Brasil de transformar rio em calha de esgoto”, diz a urbanista.

 

Cláudia Pires e Marcus Vinícius Polignano enxergam o projeto do Boulevard Arrudas como um exemplo de equívoco urbanístico. Segundo o coordenador do Manuelzão, a canalização de córregos é desfavorável à drenagem urbana e, por isso, essa prática deveria ser interrompida. Opinião diversa da de Ricardo Aroeira, coordenador do Drenurbs, Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte. Para Aroeira, a intensa demanda da cidade por mobilidade no trânsito exige expansão da malha viária e, portanto, há localidades em que a canalização é a solução mais indicada.

 

Outro agravante é a intensa impermeabilização do solo. O processo desordenado de ocupação urbana asfaltou e cimentou quase a totalidade do terreno da cidade. A sugestão de Polignano é que se exija de futuros empreendimentos imobiliários a manutenção de uma área de terreno natural, para permitir maior escoamento das águas pluviais. Segundo o coordenador geral do Manuelzão, Belo Horizonte precisa integrar os cursos d’água na paisagem urbana. Ele lembra exemplos bem sucedidos de cidades que, desta maneira, transformaram radicalmente o modo de vida local. Um deles é o do rio Cheonggyecheon, na Coréia do Sul.

 

 
 
 

 

Em 1978, o rio foi coberto para dar lugar a uma autoestrada, e durante décadas acabou provocando poluição do ar, congestionamentos homéricos e ocupação irregular das margens. A rodovia foi, então, demolida e deu lugar a um parque linear, com áreas verdes e lazer para a população. Outro caso interessante é o do rio Tâmisa, um ícone da paisagem londrina. As águas turvas, que deram ao rio a alcunha de “esgoto-monstro” no século XIX, foram despoluídas nos anos 1980 e hoje abrigam, por exemplo, 126 espécies de peixes.

 

Descanalizar rios, criar parques lineares e aumentar a permeabilidade do solo são propostas possíveis a longo prazo. Quanto às medidas imediatas, Cláudia Pires e Marcus Vinicius Polignano são enfáticos: para evitar tragédias no próximo verão, deve haver a retirada total e definitiva de moradores das áreas de risco.

 

Cidades castigadas

 

Na capital, fala-se em “enchentes dos córregos”. No interior, “cheia dos rios”. Denominações diferentes para o mesmo fenômeno. O nível dos cursos d’água se eleva naturalmente em períodos chuvosos, trazendo alagamentos, enxurradas e tragédias para os municípios. O problema é, quase sempre, o mesmo das metrópoles: ocupação irregular das margens dos rios.

 

Uma das cidades mineiras mais afetadas foi Guidoval, na Zona da Mata. No dia 2 de janeiro, a cheia do rio Xopotó fez com que o nível das águas atingisse impressionantes 15 metros de altura, alagando grande parte da cidade. Casas, móveis, automóveis e ruas foram destruídos pela forte correnteza que espalhou lama e entulho pela região. Dois homens morreram, um deles afogado em sua própria casa.

 

 
 

 

No município de Além Paraíba, também na Zona da Mata, o rio Limoeiro transbordou. A cidade, que decretou situação de emergência pela terceira vez desde 2009, sofreu com fortes enchentes e deslizamentos de encostas que vitimaram quatro pessoas. Entre elas, uma criança de três anos.

 

Até o fim de janeiro, a Coordenadora Estadual de Defesa Civil (Cedec-MG) havia contabilizado 196 municípios em situação de emergência. Foram registradas 18 mortes no estado, 1 desaparecimento, 6.138 pessoas desabrigadas (perderam a moradia), 68.277 pessoas desalojadas (retiradas de áreas afetadas) e mais de três milhões de pessoas afetadas (número que ultrapassa a população de Belo Horizonte).

 

Como sempre – e felizmente –, a ajuda também vem de doações. O Movimento Minas Solidária, coordenado pelo Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas) e pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec-MG), centralizou o recebimento de donativos. Foram arrecadadas de entidades de classe e empresas mais de 530 toneladas de produtos de limpeza, alimentação, higiene pessoal e colchões. Para a presidente do Servas, Andrea Neves, os danos da chuva no estado foram graves, mas o governo estadual tem feito um importante esforço preventivo. "O aprendizado que deve ficar para os governos municipais, estaduais, federal e sociedade civil é a importância de se trabalhar em parceria. E durante todo o ano, não só quando chega a tragédia", sugere Andrea. Fica lançado o desafio, antes da nova temporada de tempestades.

 

Municípios mineiros em situação de emergência desde o início do período chuvoso (out/2011)

 

1.    MATHIAS
2.    ESPERA FELIZ
3.    SÃO SEBASTIÃO DA VARGEM ALEGRE
4.    VIEIRAS
5.    DOM JOAQUIM
6.    LEOPOLDINA
7.    ITAMARANDIBA
8.    FARIA LEMOS
9.    SÃO DOMINGOS
10.    ALPERCATA
11.    ABRE CAMPO
12.    PONTE NOVA
13.    BURITIZEIRO
14.    MARIANA
15.    FLORESTAL
16.    BARRA LONGA
17.    ACAIACA
18.    BELO HORIZONTE
19.    ITUMIRIM
20.    JACINTO
21.    PAULISTAS
22.    JOANÉSIA
23.    SANTA RITA DE JACUTINGA
24.    PARÁ DE MINAS
25.    BRAÚNAS
26.    SETUBINHA
27.    SÃO JOÃO DO ORIENTE
28.    RAPOSOS
29.    VESPASIANO
30.    CONCEIÇÃO DO PARÁ
31.    ALAGOA  
32.    CLARO DOS POÇÕES
33.    ALVINÓPOLIS
34.    TIMÓTEO
35.    SÃO JOÃO DA MATA
36.    JOÃO MONLEVADE
37.    LIMA DUARTE
38.    JOÃO PINHEIRO
39.    JUATUBA
40.    PASSABEM
41.    SÃO SEBASTIÃO DO RIO PRETO
42.    POÇO FUNDO
43.    BRASÍLIA DE MINAS
44.    IBIRITÉ
45.    SÃO JOÃO EVANGELISTA
46.    ITABIRITO
47.    BRUMADINHO
48.    CIPOTÂNEA
49.    RAUL SOARES
50.    CONGONHAS
51.    GUIRICEMA
52.    GUIDOVAL
53.    OURO PRETO
54.    UBÁ
55.    SANTO ANTONIO DO RIO ABAIXO
56.    JECEABA
57.    SÃO PEDRO DOS FERROS
58.    TARUMIRIM
59.    TUMIRITINGA
60.    LAMIM
61.    ITANHOMI
62.    DONA EUZÉBIA
63.    VIÇOSA
64.    SENADOR FIRMINO
65.    CONSELHEIRO LAFAIETE
66.    PATROCÍNIO DO MURIAÉ
67.    VISCONDE DO RIO BRANCO
68.    GUARACIABA
69.    MOEDA
70.    SENADOR MODESTINO GONÇALVES
71.    MESQUITA
72.    RIO ESPERA
73.    BELO VALE
74.    MIRAÍ
75.    SANTA FÉ DE MINAS
76.    ENTRE RIO DE MINAS
77.    CATAGUASES
78.    ARAPONGA
79.    CAPUTIRA
80.    CONTAGEM
81.    SARDOÁ
82.    FORMIGA
83.    DIVINÓPOLIS
84.    MÁRIO CAMPOS
85.    RIO CASCA
86.    CONSELHEIRO PENA
87.    ESMERALDAS
88.    OLIVEIRA
89.    MURIAÉ
90.    ERVÁLIA
91.    SÃO GERALDO
92.    MATIPÓ
93.    RIO DOCE
94.    ASTOLFO DUTRA
95.    CAMPO BELO
96.    CARMÓPOLIS DE MINAS
97.    VÁRZEA DA PALMA
98.    PAULA CÂNDIDO
99.    MONTES CLAROS
100.    JEQUERI
101.    BALDIM
102.    CANAÃ
103.    ITAGUARA
104.    BETIM
105.    GALILÉIA
106.    RESPLENDOR
107.    PRESIDENTE BERNARDES
108.    SANTANA DE PIRAPAMA
109.    SÃO FRANCISCO
110.    GOVERNADOR VALADARES
111.    CACHOEIRA DA PRATA
112.    EUGENÓPOLIS
113.    PIRANGA
114.    CORAÇÃO DE JESUS
115.    SANTOS DUMONT
116.    BARROSO
117.    SANTA CRUZ DE MINAS
118.    CAPITÓLIO
119.    PESCADOR
120.    BARÃO DE COCAIS
121.    SANTO HIPÓLITO
122.    PORTO FIRME
123.    GOIABEIRAS
124.    NAZARENO
125.    IBITURUNA
126.    RIBEIRÃO VERMELHO
127.    SENADOR CORTES
128.    SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ
129.    AUGUSTO DE LIMA
130.    IJACI
131.    SÃO MIGUEL DO ANTA
132.    PEDRA DO ANTA
133.    SENHORA DE OLIVEIRA
134.    SIMÃO PEREIRA
135.    JANUÁRIA
136.    ANTÔNIO PRADO DE MINAS
137.    DOM CAVATI
138.    ENTRE FOLHAS
139.    ALÉM PARAÍBA
140.    CARMO DO CAJURÚ
141.    SANTO ANTÔNIO DO AMPARO
142.    DIVINÉSIA
143.    ITACARAMBI
144.    CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS
145.    SÃO PEDRO DO SUAÇUÍ
146.    CARMÉSIA
147.    JEQUITAÍ
148.    CAMPANÁRIO
149.    REDUTO
150.    SANTANA DO JACARÉ
151.    AIMORÉS
152.    CORONEL XAVIER CHAVES
153.    IPABA
154.    SIMONÉSIA
155.    NOVA LIMA
156.    COLUNA
157.    FERROS
158.    PRADOS
159.    ITUETA
160.    RIO MANSO
161.    ENGENHEITO CALDAS
162.    PAINS
163.    SÃO JOÃO DEL REY
164.    BRÁS PIRES
165.    IBIAÍ
166.    IAPU
167.    BARBACENA
168.    SABINÓPOLIS
169.    DESTERRO DE ENTRE RIOS
170.    LAVRAS
171.    ALTO RIO DOCE
172.    SÃO GERALDO DO BAIXIO
173.    DORES DO GUANHÃES
174.    CRUCILÂNDIA
175.    PEDRAS DE MARIA DA CRUZ
176.    CARANDAÍ
177.    IGARAPÉ
178.    ARAÇUAÍ
179.    PIRAPORA
180.    RIO VERMELHO
181.    FRANCISCO SÁ
182.    PIRACEMA
183.    RIO PIRACICABA
184.    BOCAIUVA
185.    SANTA HELENA DE MINAS

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