Sou de um tempo em que tínhamos escolas públicas da melhor qualidade no Brasil.
Elas sabiam transmitir bem o que sabiam e, sobretudo, o faziam com prazer e alegria. Davam muito afeto. Exerciam uma autoridade atenta e carinhosa. Quando concluí o quarto ano primário, aos 10 anos, era uma pessoa alfabetizada e interessada nas coisas do mundo. Havia também uma vigorosa dimensão cívica na escola; desenvolvíamos, nas aulas, um bom sentimento de pátria, sem um caráter autoritário – não era a educação moral e cívica dos tempos da ditadura.
O admirável escritor Bartolomeu Campos de Queirós, que há pouco nos deixou, deu-nos uma obra maravilhosa que incorpora, entre outras dimensões, o melhor do memorialismo. E, em sua memorialística, a escola ocupa um lugar privilegiado. É o centro da vida comunitária, uma extensão da família. Enfim, um lugar onde se aprende a ler, escrever, pensar, mas também a conviver e respeitar.
Bartolomeu soube expressar como poucos o papel da escola como um lugar de descobertas e de respeito ao desenvolvimento de cada um. Deixou belos registros, por exemplo, em Ler, Escrever e Fazer Conta de Cabeça, como esta citação: “Assim, sem alarde, a escola ia nos ensinando a liberdade de ser muitas coisas, apagando o medo de não vencer o depois”.
Mas, infelizmente, essa liberdade não era para todos e todas. A escola de qualidade apenas parcialmente acolhia os pobres. Quando muito, até o “primário”, que hoje equivale às cinco primeiras séries do ensino fundamental. Lembro-me de dois colegas, Fernando e Gilberto, que andavam descalços e, quando concluímos o primário, eles não seguiram, como eu segui, para o ginásio, por conta de razões econômicas. E assim acontecia com tantos outros.
Hoje temos o acesso à educação básica pública bem mais alargada, quase universalizada. Mas precisamos recuperar essa vigorosa dimensão libertária de um ensino de qualidade, porque é um meio fundamental de apoiar as novas gerações e combater as desigualdades do país.
Os dados estatísticos mostram que, quando surgem oportunidades por meio de políticas públicas, as pessoas agradecem e aproveitam. Isso vale para todas as idades, e podemos comprovar com os resultados do Prouni, vendo o quanto jovens pobres têm se empenhado e se destacado no processo de formação universitária, superando muitas limitações. Mas é fundamental que o apoio seja integral e comece antes, desde a formação básica.
O desafio que se coloca para o Brasil é assegurar direitos e oportunidades iguais para todas as nossas crianças e jovens. A educação, além de um meio necessário para assegurar uma vida decente, torna-se também um fim que se articula diretamente com o desenvolvimento da pessoa e da comunidade.
Precisamos recuperar a qualidade das antigas escolas públicas e, agora, articulando com o propósito de que elas se estendam a todos e todas. Só assim vamos consolidar e expandir a democracia e o desenvolvimento no Brasil.
.