Revista Encontro

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O novo xerife de Minas

João Pombo Barile
None - Foto: Emmanuel Pinheiro

novo secretário de Defesa Social de Minas, o procurador de justiça Rômulo de Carvalho Ferraz, assumiu o cargo em 19 de março, em meio a uma crise da pasta.  Ele substituiu o deputado estadual Lafayette Andrada que, nas últimas semanas, esteve no olho do furacão, após denúncias de que os números da segurança no estado estariam sendo maquiados.

 

Ferraz é um velho conhecido de quem acompanha o trabalho do Ministério Público em Minas. Profissional combativo, ele esteve à frente de várias causas que mobilizaram a opinião pública mineira na última década – intermediou, por exemplo, o fim da greve da Polícia Militar em 1997.  Articulador político hábil, mas muito discreto, seu trabalho de homem de bastidor será fundamental para que o governador Anastasia tente reverter o crescimento da violência no estado.

 

Já no discurso de posse, o secretário garantiu que ações imediatas serão tomadas. E enfatizou que as reais estatísticas da criminalidade serão amplamente divulgadas, mesmo que isso, a principio, possa arranhar a imagem do governo. “Vamos padronizar os nossos índices. Mas posso garantir: a redução da criminalidade será uma das prioridades da minha gestão”, afirmou durante a posse.

 

Para conhecer um pouco mais sobre seus projetos, Encontro conversou com o novo secretário. Objetivo, ele não se esquivou de nenhuma pergunta e se mostrou otimista. Sobre a polêmica em torno da integração das duas polícias, ele não deixou dúvidas: “Este processo é irreversível”, disparou. “Vamos integrar as duas polícias.

Mas preste atenção: vamos manter a identidade e autonomia de cada uma delas. As duas polícias vão trabalhar em conjunto com todas as entidades da área”.

 

ENCONTRO – No seu discurso de posse, o senhor disse que os dois maiores desafios de sua gestão serão melhorar o relacionamento entre as polícias Civil e Militar, e diminuir os índices de crimes, sobretudo os violentos, que aumentaram quase 11% em 2011. Como fazer isso?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ  – Para entender a real situação da violência existente hoje no estado, temos de fazer um breve retrospecto. Na verdade, houve uma diminuição muito grande num primeiro momento, a partir de 2003, com a criação da Secretaria e início da integração das polícias Civil e Militar.  E esta curva foi descendente até 2010.  Mas, a partir do ano passado, esse índice voltou a subir e aumentou quase 11%. Mas o governo está atento a isso, e vamos trabalhar muito para que esses índices voltem a cair a partir de algumas medidas.

 

ENCONTRO – E quais são essas medidas?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Em primeiro lugar, fortalecer o conceito de integração das polícias. É por isso que, já no meu discurso de posse, fiz questão de tocar nesse ponto. É fundamental que a gente consiga estabelecer um equilíbrio na atuação e no relacionamento entre a Polícia Civil e a Polícia Militar. E o que significa concretamente este equilíbrio? Significa que cada uma destas polícias exerça o papel constitucional que lhe cabe. Desde que tomei posse,  já fiz inúmeras reuniões com a cúpula das duas instituições e com todas as entidades representativas que as compõem (como delegados e detetives). Claro, sabemos de todas as nossas limitações financeiras e orçamentárias. E vamos trabalhar sabendo delas. Mas sempre visando a este objetivo.

 

ENCONTRO – Há muito tempo já se fala nesta integração das duas polícias. Os mais radicais falam até mesmo na possibilidade de as duas  se transformarem em apenas uma...
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Vamos integrá-las.

E este processo é irreversível. Mas preste atenção: vamos manter a identidade e a autonomia de cada uma delas. As duas polícias vão trabalhar em conjunto com todas as entidades da área. Até mesmo o Ministério Público, que em Minas desenvolve um importante trabalho junto com a polícia há pelo menos 10 anos, será importante neste processo. Não que isso seja uma novidade: membros da Polícia Militar e da Civil já atuam hoje dentro do Ministério Público e fazem grandes operações na área do crime organizado. Esse trabalho em conjunto tem gerado muitos resultados positivos e ajudado, inclusive, a diminuir a sonegação de impostos e aumentado a arrecadação do estado.

 

 

 

ENCONTRO – Então o governo não pensa em unificar a polícia?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Não. De maneira nenhuma. Não haverá unificação. Vamos avançar muito este ano nesta integração e melhorar a relação entre as duas instituições. E mais: acho que deve existir uma relação mais aberta, mais próxima também com a Secretaria, que não pode funcionar como um órgão distante.  A Secretaria não pode simplesmente ficar no mundo abstrato, definindo estratégias.

Não. Temos de estar atentos o tempo todo para conferir a operacionalidade e o funcionamento das polícias.

 

ENCONTRO – Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre o problema da metodologia dos índices de criminalidade. O senhor, durante a posse, disse que não existe nenhuma possibilidade de maquiar dados. O que será diferente agora?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – O governador me orientou expressamente que devemos chegar a um denominador comum. Vamos padronizar as metodologias, unificar o banco de dados. Teremos um critério perene, ainda que num primeiro momento isto implique um aumento dos índices de criminalidade. E, para esta padronização, já estamos trabalhando. Meu projeto é que, até o meio do ano que vem, todos os números do estado estejam centralizados no banco de dados do Registro de Eventos de Defesa Social (Reds). Além disso, vamos retomar uma parceria que tínhamos com a Fundação João Pinheiro e voltar a elaborar e publicar o anuário que traça o mapa da violência em todo o estado.

 

ENCONTRO – No ano passado, houve troca do comando da Polícia Militar de Minas Gerais. Na época, alguns jornais especularam que isso teria se dado em função de uma crise interna da Polícia Militar. Essta notícia tem algum fundamento?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Nenhum. Essa mudança do coronel Renato Vieira de Souza para o coronel Sant’Ana já estava programada há muito tempo. Depois de 30 anos, a reforma do coronel Renato era esperada. E o nome do coronel Sant’Ana surgiu naturalmente, como uma demanda da própria Polícia Militar.

 

ENCONTRO – O governo estadual recebe algum dinheiro do governo federal para investir em segurança?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Recebemos verbas para algumas demandas, como a construção de presídios e o aparelhamento das forças de segurança pública. Recentemente, o governo federal creditou R$ 14 milhões para a construção de um presídio com 100 vagas. Este processo começará a ser licitado nas próximas semanas. A Secretaria atualmente tem um projeto, bastante avançado, no Ministério da Justiça, em que busca recursos da ordem de R$ 111 milhões, que possibilitarão a abertura de cerca de 4.500 vagas. Para 2012, quatro ampliações em presídios serão iniciadas, totalizando 1.184 vagas nos presídios Regional de Montes Claros, Divinópolis, Itajubá e Penitenciária Doutor Manuel Martins Lisboa Júnior, em Muriaé, sendo 296 novas vagas em cada um deles.  Em sua segunda fase, com as obras previstas para três anos, com início em  2013, os projetos vão beneficiar nove municípios do estado, sendo uma unidade com 560 vagas para mulheres na RMBH; um presídio em Poços de Caldas, para 302 presos masculinos; uma unidade em Divinópolis, com capacidade para 400 mulheres; um presídio com 302 vagas, em Ubá; um presídio em Barbacena, com 302 vagas; uma unidade feminina em Rio Piracicaba, para 400 mulheres; uma unidade de 302 vagas em Pirapora; uma unidade em Lavras, com 302 vagas; e uma unidade em Manhuaçu, com capacidade para 302 presos.

 

ENCONTRO – Vivemos hoje uma crise no sistema prisional de Minas. Recentemente, o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) Gameleira foi proibido pela Justiça de receber mais presos.  O que o governo vai fazer para resolver esse problema?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Nos últimos oito anos foram criadas 30 mil novas vagas no sistema prisional do estado. E todas estas vagas foram preenchidas. O que significa que a repressão ao crime melhorou. Muita gente foi recolhida às penitenciarias e novamente estamos no limite. Mas estamos atentos a isto.  Não podemos esquecer que os custos não são baixos: a Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), por exemplo,  gasta, em média, R$ 1,6 mil por mês com cada preso em Minas.

 

ENCONTRO – Este ano o governo irá inaugurar algum novo presídio?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Vamos inaugurar em setembro a primeira Parceria Público-Privada (PPP). Serão 3200 vagas em Neves. Isso vai dar certo alívio na região metropolitana, que hoje vivencia uma situação um pouco mais preocupante.

 

ENCONTRO – O aumento da violência já foi melhor esmiuçado? Em que região cresceu de forma mais intensa?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Estamos estudando os índices. Já sabemos, por exemplo, que 40% dos crimes violentos do estado estão localizados na região metropolitana de Belo Horizonte. Isso já era o esperado. Estes locais estão sendo mapeados e vamos atuar, nesse primeiro momento, nessa região.

 

ENCONTRO – Com a criação da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP,  nos últimos anos os índices de criminalidade no Rio de Janeiro estão diminuindo. Será que essa criminalidade não estaria migrando para outros locais, inclusive para Minas?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Não acredito nessa hipótese. Pelo menos não há o menor indício nesse sentido – inclusive quando aconteceram as duas maiores ocupações de morros cariocas, a inteligência da polícia mineira estava lá para monitorar, e não identificamos nada nesse sentido. A única criminalidade externa que está recolhida no nosso estado é o pessoal do PCC. Ou melhor: presos que dizem pertencer ao PCC. Mas eles também estão todos identificados.

 

ENCONTRO – O senhor tem alguma hipótese que explique o porquê do aumento da criminalidade no ano passado em Minas?  
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Esta é uma questão complexa. Um fator que certamente contribuiu para isso foi o tráfico de entorpecentes  e, principalmente, o crack, que é uma droga muito barata. Por causa do crack se mata por muito pouco. Muitos homicídios estão relacionados com o aumento do uso dessa droga.

 

ENCONTRO – Todos os planos implantados pelo ex-secretário serão mantidos?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Vamos manter todos os planos. E quero também investir mais no Fica Vivo, que foi um plano feito de forma mais rigorosa num primeiro momento e que, nos últimos tempos, cresceu de forma mais lenta. Mas há um compromisso do governador de voltar a investir mais neste programa. Vamos criar novos Fica Vivo. Hoje eles são 29, e temos um compromisso de fazer mais três novos em curto prazo.

 

ENCONTRO – O senhor construiu sua carreira no Ministério Público, que é hoje a vanguarda do sistema judiciário brasileiro. O senhor acredita que essa sua experiência no MP pode ajuda-lo à frente da Secretaria?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Sem dúvida. Estou há 23 anos no MP e estive por oito anos na promotoria do patrimônio público, um trabalho que ganhou muita notoriedade, graças também a outros colegas. Foram trabalhos pioneiros como, por exemplo, o fim das subvenções sociais para parlamentares ou a ação que barrou a tentativa de alguns acionistas da Cemig de transferir o controle da empresa. Foram todas ações civis públicas das quais eu participei. Além disso, a primeira licitação de transporte público em Minas Gerais e o concurso de cartório foram ações de minha autoria.

 

ENCONTRO – O senhor conhece bem a realidade da segurança pública...
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Com certeza. Eu participei, por exemplo, diretamente na solução política e jurídica da greve da Polícia Militar de 1997 e que foi altamente traumática. Acompanhei todo o desdobramento daquilo. Eram milhares de procedimentos criminais que precisavam de uma solução. A quebra da hierarquia foi altamente traumática e os processos foram muito trabalhosos. Em 2003 e 2004, tive um papel importante na interlocução entre o governo e a PM para conseguirmos evitar mais uma greve, que seria muito ruim para todo o estado.

 

ENCONTRO – E como vão as blitzes da lei seca? Elas continuam acontecendo?
RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ – Claro que sim. E pretendo aparelhar melhor  as polícias este ano para que elas continuem acontecendo. Os resultados têm sido bastante satisfatórios. As blitzes reduziram em 30% os acidentes nos fins de semana na capital. A população pode ficar tranquila, elas vão continuar.

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