Revista Encontro

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Polêmica na ponta da agulha

João Paulo Martins
None - Foto: Cláudio Cunha, Leo Araújo, CRMMG/divulgação

A acupuntura, prática milenar oriental surgida na China, que chegou ao Brasil com os imigrantes japoneses no início do século passado e se transformou numa atividade complementar de saúde nos anos 1950, agora é exclusiva dos médicos. Desde março deste ano, a partir da decisão do Tribunal Regional Federal 1ª Região (TRF), que deu parecer favorável à ação movida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), os profissionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicologia, Enfermagem e Farmácia deixaram de contar com o direito de atuar como acupunturistas, que lhes era permitido por meio de resoluções e seus conselhos.

 

Em seu parecer, o juiz Carlos Eduardo Castro Martins afirma que o trabalhador da saúde não pode ultrapassar as demandas de sua área: “Suas competências já estão fixadas em lei que regulamenta o exercício da profissão". Segundo Martins, a prática da acupuntura pressupõe a realização de prévio diagnóstico e a inserção de agulhas em determinados pontos do corpo humano, a depender do mal diagnosticado no exame.

 

Na prática, para o paciente, a mudança não deve ser tão evidente, a não ser pela diminuição de clínicas e profissionais aptos a realizar o procedimento. Na China, os acupunturistas são todos médicos e possuem formação específica, por meio de curso que dura até quatro anos. “Quando se vai inserir uma agulha numa pessoa, é preciso saber muito bem que área ela irá afetar. Além disso, deve-se ter conhecimento de assepsia, para evitar infecção”, explica João Batista Gomes, presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais.

 

Hildebrando Sabato, presidente do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura: diagnósticos e tratamentos devem ser feitos por médicos
 

 

Ele explica que tudo que envolve essa atividade é vinculado à área da medicina; tanto é que, desde 1995, é reconhecida como uma das 53 práticas médicas autorizadas pelo CFM. “A questão não é de reserva de mercado, mas sim de qualidade do serviço prestado. Claro que quem exercia essa atividade vai dizer que estava apto.

Eu posso saber desenhar a planta de uma casa, mas não tenho direito de autorizar a sua construção”. Mesmo entre os médicos, para exercer a acupuntura é preciso de título de especialização na área, tal qual é exigido do cardiologista, obstetra, pediatra, por exemplo.

 

A polêmica decisão do TRF teve reação imediata dos órgãos responsáveis pelos profissionais que exerciam a acupuntura. O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) entrou com recurso pedindo suspensão do parecer do juiz federal. Em nota, Roberto Mattar Cepeda, presidente do Conselho, diz que “é possível constatar a absoluta e completa ausência de qualquer decisão que reserve ao médico o exercício da acupuntura no Brasil”.

 

Quem também se diz indignado com a decisão é Jean Luís de Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Fisioterapeutas Acupunturistas – Seção Minas Gerais (Sobrafisa), que acha a decisão do TRF uma perda para a população, que deixa de ter mais opções e atendimentos. Além disso, ele cita a própria justiça como garantia do exercício dessa atividade: “Os fisioterapeutas já têm direito líquido e certo em sentença final do Superior Tribunal de Justiça, de 1987, quando a última instância de recurso do judiciário brasileiro nos garantiu o exercício da acupuntura”.

 

João Batista Gomes, do Conselho Regional de Medicina: ele defende a decisão do TRF
 

 

O presidente da Sobrafisa-MG explica que os profissionais que atuam nessa área realizam cursos com duração mínima de dois anos e com grade curricular que inclui teoria e prática ambulatorial. Como exemplo da boa atuação dos fisioterapeutas, ele cita o projeto Acupuntura Solidária, realizado pela Sobrafisa, e que nos últimos cinco anos já atendeu a 500 mil pacientes de classes sociais menos favorecidas.

 

Entre os diversos posicionamentos acerca da polêmica, o dos médicos ganha força devido à capacidade desses profissionais de realizarem diagnóstico e darem continuidade ou não ao tratamento com as agulhas. Em Minas existem 500 médicos acupunturistas, que, após a decisão do TRF, passam a ser os responsáveis por atender a população. Hoje, até os planos de saúde já recomendam essa prática como método de aliviar as dores e diminuir o consumo de medicamentos e demais tratamentos.

 

Na verdade, o Sistema Único de Saúde realiza essa prática da medicina desde 1982. “Se você analisar as resoluções e decretos dos conselhos das outras áreas que exerciam essa atividade, não encontrará atribuições para realizações de diagnóstico de doenças e procedimentos invasivos. Estas, na verdade, são inerentes aos médicos, odontólogos e veterinários”, diz Hildebrando Sabato, presidente do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura, outra instituição responsável pela ação no TRF. Para ele, é preciso saber se esse tipo de tratamento é eficaz ou não. Em alguns casos, a pessoa está com um quadro clínico que não é solucionado com a aplicação das agulhas. “Por exemplo, uma pessoa está com dor abdominal e opta por tratar com acupuntura.

Ela vai à clínica de um psicólogo acupunturista, que faz as sessões, mas não consegue resolver o problema. O problema é que isso aconteceu de verdade, e a paciente em questão tinha quadro de apendicite. Por não ser médico, esse profissional não soube diagnosticar corretamente”, diz Hidelbrando.

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