O hip hop tem território marcado e demarcado na região central de Belo Horizonte. Todas as sextas-feiras, por volta das 21h, o agito toma conta das noites no quarteirão entre a Praça Rui Barbosa, ou Praça da Estação, e a Serraria Souza Pinto, cenário que ganha uma diversidade de estilos e classes sociais. Há cinco anos, sob o viaduto Santa Tereza, jovens se concentram à espera da festa, marcada pelo incrível Duelo de MCs neste movimento cultural em que o rap, a dança e a arte do grafite se encontram.
Enquanto sobre o viaduto circulam pedestres apressados e motoristas com seus carros e ônibus, embaixo, no palco improvisado, os preparativos para o evento correm a todo vapor, com os testes dos equipamentos de som e a inscrição dos participantes, que é feita na hora, ao custo simbólico de R$ 2 − valor convertido em prêmio para o ganhador dos duelos. A única ajuda financeira que os organizadores recebem vem de doações que são colocadas em uma latinha, que é passada de mão em mão entre a plateia. O dinheiro é usado para pagar despesas com o transporte de material.
Um grito de guerra repetido com intensidade pelo MC Monge, mestre de cerimônias, sempre marca o início do duelo: “O que acontece aqui?”. O público, entusiasmado, responde por três vezes seguidas: “Duelo de MCs”. Na sequência, oito candidatos começam, em duplas, a disputa pela liderança em dois ou três rounds de 45 segundos. Nas batalhas ou freestyle, vence quem faz a melhor rima, demonstra maior conhecimento sobre o assunto, é mais ágil e tem mais carisma.
“Na ‘batalha de enfrentamento’ o tema é livre.
Do Duelo de MCs de BH saem fortes representantes do hip hop mineiro no Brasil, como os MCs Vinição, Brisa Flow e Douglas Din: “Fui finalista do duelo nacional realizado pelo rapper Emicida e fiquei muito feliz”, diz Douglas |
O grafite também está presente no Duelo de MCs e traz nova identidade às paredes do viaduto Santa Tereza: “É uma intervenção positiva, que reflete parte da cultura da cidade”, explica o grafiteiro Michel |
Apesar de implícitas, as regras da disputa são claras. Qualquer manifestação de caráter negativo, por exemplo, é pontuada pelo mestre de cerimônias após o duelo, e o candidato perde pontos. “Eles são julgados por dois juízes e também pelo público. Desta forma, conseguimos manter o nível dos nossos duelos”, explica Pedro Valentim (MC PDR), 28, que também é um dos organizadores.
Antes de dar início aos trabalhos, o DJ Juninho agita a pickup com raps politizados que falam de amor, criticam o sistema ou fazem referência a problemas sociais vividos especialmente pelas comunidades carentes. Próximo ao palco, b-boys e b-girls arriscam passos tímidos de dança que, com o passar das horas, se tornam cada vez mais frenéticos. Elas se deixam levar pelo gingado dos bambolês; eles, rodopiam em movimentos que, de tão rápidos, às vezes são difíceis de ser visualizados.
Entre os dançarinos, o destaque é o coreógrafo Eduardo Sô, 44 anos, um dos precursores do break na capital mineira. “O street dance é um rótulo usado para denominar vários estilos de danças urbanas, entre elas o hip hop dance e o breaking, ambas de caráter social, e que sempre são apresentadas aqui”, diz. Na metade do espetáculo, uma banda − geralmente formada por jovens que querem divulgar o seu trabalho e não têm oportunidade nos meios convencionais − é convidada a se apresentar.
Em sua pickup, o DJ Juninho garante a diversão do público no Duelo de MCs, tocando raps politizados que falam de amor a problemas sociais: “O hip hop defende e toca a igualdade” |
Em ritmo acelerado, b-boys e b-girls dançam o street dance ao lado do palco. À frente, o coreógrafo Eduardo Sô, a referência: “O breaking é uma das mais fortes manifestações da cultura hip hop” |
Ao mesmo tempo, as colunas do viaduto Santa Tereza sofrem intervenções feitas por grafiteiros, como o professor de arte Michel Testa, 29 anos. “O grafite é uma manifestação artística que dá identidade a um lugar, a uma cidade, e reflete a mensagem que o artista quer transmitir”, afirma.
Tanto o break quanto o grafite, o rap (MCs) e os DJs fazem parte de um só contexto: a cultura hip hop. Iniciada na década de 1970 em Nova York por Afrika Bambaataa, ela tem como princípio fundamental a inclusão social. “A intenção é desconstruir o preconceito e diminuir a distância entre as classes, mudando também a maneira como as pessoas enxergam as ruas da cidade e entendem a ocupação do espaço público que, na verdade, é um direito nosso”, garante Pedro Valentim.
O Duelo de MCs surpreende pela diversidade de estilos e classes sociais de seus frequentadores. |
Vencer o preconceito é um dos desafios enfrentados diariamente pelos integrantes do Duelo de MCs. “Não só existe preconceito das pessoas em ir ao duelo, como com o hip hop em geral. O fato de ser uma manifestação popular, de estar na rua, debaixo de um viaduto, assusta muita gente”, desabafa Cezário.
Com cerca de mil participantes em cada sexta-feira, outro desafio é conscientizar os frequentadores sobre a necessidade de se manter o respeito e a ordem no espaço utilizado. Como é um evento de rua, há pessoas que vão ao local com outras e perigosas intenções, como o uso e até tráfico de drogas. “Por isso, começamos a articular parcerias com o poder público e a sociedade civil para coibir e, ao mesmo tempo, instruir estas pessoas”, explica Pedro. O objetivo é apontar novos caminhos e possibilidades aos frequentadores, e, ao mesmo tempo, garantir a segurança dos presentes, a limpeza do espaço e a revitalização do viaduto.
A iniciativa tem dado certo, pois há gente das mais diferentes classes, profissões e idades participando do duelo. Um exemplo é o casal Carolina Fernandes Lima, 25 anos, enfermeira, e César Augusto Santos, 30 anos, artista plástico, que sempre que pode leva o filho, Eduardo, de 6, para curtir os embates. “Aqui tem gente de todas as tribos, é uma reunião de estilos e conceitos variados. Por isso, é muito legal participar”, diz Carolina.
O Duelo de MCs da capital mineira tornou-se referência nacional, sendo respeitado por grandes nomes do movimento, como o rapper Emicida, que citou o evento em duas de suas músicas e recentemente enfatizou a importância do movimento em entrevista dada à TV. Outro nome de peso que apoia o movimento é o pernambucano Nelson Triunfo, conhecido como o pai do hip hop no Brasil.
De BH saem fortes representantes que se destacam em duelos como o promovido pelo próprio Emicida em março deste ano, em seu programa de TV, Sangue B. Na grande final estava o mineiro MC Douglas Din, 21 anos, que enfrentou o carioca MC Nissin. “Desta vez não fui campeão, mas quase”, brinca Douglas, que é um dos favoritos em BH. Outro MC de destaque na cidade é Vinição, 19 anos, que conta o segredo para participar de um duelo: “Tem que sentir o momento, conter a emoção, saber conduzir o tema e ter sensibilidade”, diz.
Apesar de estar em número bem menor, já que poucas meninas encaram o freestyle (as temidas batalhas de rimas), as mulheres também seguem carreira no hip hop. Uma delas é Brisa Flow, MC que, aos 24 anos, já participou de duelos e agora se dedica à divulgação do primeiro disco (Muito Longe para Ir. Muito Perto para Celebrar), lançado este ano em parceria com o rapper Fritz. “Estou muito feliz porque, além de fazer o que eu gosto, estou ganhando dinheiro com o rap”, diz Brisa.
Na estrada desde 1990, o grupo musical Julgamento também é referência em Minas e foi destaque no evento Palco Hip Hop 2012, que aconteceu em março, em BH, e segue com uma gama de programações em várias regiões da capital. Em seu álbum Muito Além, lançado em 2011, o som da guitarra, baixo e bateria se mescla à linguagem sonora do rock e do funk, embalado pelas batidas dos DJs. “O hip hop é comportamento, estilo de vida e, por isso, em nossas músicas, transmitimos o respeito à individualidade e à multiplicidade cultural e étnica”, diz o rapper Roger Deff, fundador da banda.
O viaduto Santa Tereza segue como palco certo das atrações do hip hop na cidade. E o coletivo Família de Rua prossegue com projetos como o Game of Skate − evento de skate tradicional na capital − e o Duelo de MCs Nacional, que pretende levar a disputa a sete capitais para escolher o melhor do Brasil, em uma eliminatória que terá Belo Horizonte como palco. O projeto já foi aprovado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura e agora só resta aguardar as boas novas. Como dizem os MCs, tudo "na tranquilidade".
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