Revista Encontro

None

Mineiros sem fronteiras

Daniela Costa
None - Foto: Arquivo pessoal

A história é sempre a mesma: quem chega ao consultório da médica coloproctologista Eliane Sander Mansur, 50 anos, não deixa de observar uma foto que fica no alto de uma estante. Ela mostra uma criança, de aproximadamente 3 anos, que esbanja um belo sorriso. A foto foi feita em 2009, no Congo, onde a belo-horizontina esteve em uma das várias missões humanitárias que participou. O velotrol acabou sendo improvisado para que César pudesse recuperar o movimento das pernas e de um dos braços. A imagem do garoto serve ainda para lembrar que, apesar do sentimento de impotência que muitas vezes surge diante de tanta dificuldade, é importante trabalhar para ajudar os mais necessitados.

 

Como a médica Eliane Sander, os muitos voluntários que se envolvem em causas humanitárias podem até ser confundidos com pessoas comuns.  Mas não são. Apesar de terem pela frente uma série de possibilidades, eles optaram por fazer a diferença. Ao aprender a lidar com limitações, adversidades, frustrações e, principalmente, com a morte, este grupo de profissionais abre mão de suas próprias vidas para se embrenhar nos mais remotos lugares do planeta. Todos com um só propósito: ajudar o semelhante.

 

Bernardo Pinheiro Moreira Lage, 35 anos, faz parte deste grupo e tem muitas histórias para contar.

Nascido em Belo Horizonte, ele iniciou em 2007 uma jornada que, na época, ninguém podia prever onde iria parar. A trajetória teve início logo após deixar o emprego de coordenador de eventos em BH e ir para os Estados Unidos, onde desenvolveu junto à associação Humana People to People um programa de agricultura familiar visando a minimizar a miséria em comunidades carentes. Foi neste período que outra reviravolta aconteceu em sua vida. No mesmo projeto estava a argentina Valeria Gómez Lage, 32 anos, por quem se apaixonou e com quem tem dois filhos. A pequena Lupe Maria, hoje com 3 anos, nasceu na Argentina. O caçula, Caetano, nasceu há apenas um mês na capital mineira. “Estou certo de que cumpri parte da minha missão”, diz Bernardo.

 

O destino é o que menos importa para eles. Seja no Sudão, Serra Leoa, Afeganistão, Colômbia, Camboja ou no Brasil, homens e mulheres se unem em uma luta muitas vezes inglória, mas que se torna compensadora  quando se tem a convicção de que os principais vencedores são milhões de seres humanos que vivem muito abaixo do nível de pobreza. Segundo o Banco Mundial, em todo o mundo são 1,29 bilhões de pessoas sobrevivendo com menos de U$ 1,25/dia. No Brasil, há 16 milhões de miseráveis, a maioria vivendo sem água potável, energia elétrica, atendimento médico e alimentação adequada. 

 

Solteiro e pai de uma filha, o pediatra nascido em Bom Despacho, Sérgio Cabral, 44 anos, diz que o trabalho humanitário é apaixonante, apesar de ser marcado pelo sofrimento e conflitos internos. “É a oportunidade de praticar o que eu acredito e de dar a minha contribuição. Mesmo que isso signifique trocar a cama por barracas de dormir, transportar a água em baldes ou mesmo improvisar enfermarias sob as árvores”. Para Sérgio, reduzir o sofrimento de seres humanos tão desprovidos de tudo (e, ao mesmo tempo, tão cheios de esperança) é a razão de todos os seus esforços.

“O que mais me emociona é ver que em meio a tanta desgraça, eles ainda conseguem sorrir”.

 

Para os super-heróis da vida real, enfrentar mato, barro, o sol queimando a pele e ter de superar o medo e a insegurança em áreas de risco não assusta mais do que ver crianças desnutridas e deformadas pelos conflitos armados – ou pais e mães morrendo por causa da malária e do cólera. O que realmente importa é viver um dia de cada vez, tendo sempre em mente quantas pessoas já foram salvas, mesmo que o número seja inferior ao de pessoas que não tiverem a mesma sorte. “Nestas regiões é fácil computar a diferença que fazemos para uma ou duas vidas”, diz a anestesista e imunologista Lúcia Aleixo, 50 anos.

 

O sonho de ir para a África era antigo, mas foi ficando para trás diante da necessidade de se especializar em imunologia e biologia molecular para testes de HIV e tuberculose. Somente em 2006, após ter feito pós-doutorado nos Estados Unidos e de trabalhar na ONU em Viena (Áustria), foi que a mineira de Belo Horizonte decidiu que aquela era a hora certa. Na mesma época, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) abriu seu primeiro escritório no Brasil. Sem pensar duas vezes, ela se inscreveu como voluntária e já em 2007 fez sua primeira missão no Quênia, na África Oriental, onde  esteve por dois anos e meio. Simultaneamente desenvolveu um projeto como imunologista em um laboratório de Kibera, localizada em Nairobi, no Quênia, apontada como uma das maiores favelas da África.

 

O desânimo definitivamente não faz parte do vocabulário de pediatras, cirurgiões, anestesistas, comunicadores sociais e religiosos, dentre tantos outros profissionais que abraçam as causas humanitárias. Casado, pais de três filhos, o cirurgião geral Bruno de Lima Rodrigues, 34 anos, natural de Belo Horizonte, recebeu há dois anos uma ligação que mudou a sua vida. Era um convite da Médicos Sem Fronteiras (MSF) para participar de uma missão no Níger, na África.
“Minha família ficou muito apreensiva, com medo dos riscos que eu poderia correr. Mas no final entenderam que eu estaria realizando um sonho”, conta.

A proposta era realmente arriscada.

 

Trabalhar por 30 dias consecutivos como cirurgião-obstetra em uma região onde a malária, sífilis e a desnutrição são responsáveis por um grande número de mortes. “As dificuldades eram infinitas. Como eu não dominava o dialeto local, falava em francês com as enfermeiras para que elas fizessem a tradução. Com o tempo, a mímica resolvia bem”, relembra.

 

O clínico geral Eduardo Lucas da Silva Ferreira, 45 anos, também não pensou duas vezes. Em 2010, quando recebeu um convite da comunidade cristã da qual é pastor para ir em missão para Lubango, no sul de Angola, e levar toda a família, sabia que convencê-los não seria nada fácil. Casado há 22 anos e pai de três adolescentes, já se sentia pronto para vencer os desafios de uma nova cultura e enfrentar a difícil realidade da região, especialmente no hospital onde trabalharia como cirurgião. Foi esta determinação que o fez sair de Belo Horizonte e ficar quase dois anos em outro país.

 

“No início, minha família estranhou a falta constante de energia elétrica, a precariedade da internet e, é claro, a saudade dos amigos que ficaram no Brasil. Mas depois descobriram que tudo aquilo era importante”. 

 

 
 
 
 
.