Revista Encontro

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A Disney encontra sua heroína

José João Ribeiro
None - Foto: Divulgação

Os estúdios Disney e Pixar se acostumaram a colher os louros, e tão somente os louros, do público e da crítica, ao longo de sua bem-sucedida parceria. Tanto êxito parece agora despertar em parte dos resenhistas especializados uma declarada implicância ou má vontade. Nas minúcias, há uma procura obsessiva, beirando o ridículo, por defeitos e furos que desqualifiquem, mesmo que em parte, as últimas animações que chegaram às salas de cinema. A vítima mais recente dessa rabugice é o magnífico Valente (Brave), que põe por terra esse complô de marcá-lo como “tropeço”, arrecadando uma extraordinária bilheteria e satisfazendo plenamente a seu público-alvo. Na realidade, o filme é mais um grande acerto entre os incontáveis do estúdio. E, de certa forma, Valente ultrapassa muitos limites e parâmetros sobre os quais a própria Disney sonhava já ter amplo domínio, com tantos clássicos consagrados nas últimas décadas.

 

O trabalho de quase cinco anos com dois drásticos tratamentos de roteiro gerou a personagem Merida, uma princesinha das terras altas, mais precisamente na região da Escócia. Trata-se, portanto, de uma versão menininha de Coração Valente. A protagonista não se encaixa no padrão “princesa da Disney”, a que assistimos em tantas produções.

Muito pelo contrário. Merida é uma garota ágil e destemida, que luta bastante e tem máximo controle de suas habilidades e de sua força. Tanta vivacidade constrange e preocupa sua mãe, a generosa rainha Elinor, que se esforça em preparar sua primogênita para seguir os seus passos – casar-se com um nobre, ser mãe e conduzir seu reino com seu soberano papel matriarcal. E é a partir desse conflito entre mãe e filha que todo o longa-metragem se sustenta. Vale dizer, esse é um inédito achado, uma vez que não assistimos, até aqui, a histórias em que os interesses de dois polos de uma família se revelassem em caráter tão direto, franco e empolgante.

 

Essa não foi a primeira tentativa da Disney. Certamente, muitos se lembrarão, há exatos 14 anos, do lançamento de Mulan, a guerreira chinesinha que pegava em armas nos exércitos imperiais. Mas, definitivamente, é com Valente que o objetivo de colocar uma princesa destemida e cheia de bravura na vasta galeria de mocinhas é alcançado. Merida tem carisma de sobra. Desnecessário que muitos personagens lhe sirvam de escada para injetar algum tipo de fôlego, como em muitas outras animações. Basta pensar em um desenho qualquer da Disney que logo vem à cabeça um tipo engraçadinho colado no personagem principal. Se bem que a trinca de irmãozinhos peraltas de Valente é capaz de fazer qualquer pai mais sério perder a compostura na sala de exibição.

 

Impossível descrever a produção sem elogiar o capricho na elaboração dos cenários e do perfil das personagens. A rebelde cabeleira vermelho-fogo de Merida é uma atração à parte. E, dificilmente, em qualquer outro desenho, um urso foi traçado com tamanha precisão, dos movimentos às expressões.

Basta citar, sem mais palavras, para evitar spoilers, que este é o animal que norteia toda a trama.

 

Valente demoliu a perseguição programada à Pixar e, com evidente merecimento, provou ser a melhor animação do ano até aqui. A hegemonia do estúdio é um fato indiscutível.

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