Passar o dedo sobre a coleção enfileirada na prateleira, retirar o disco, admirar a capa, escolher o lado do álbum e posicionar o vinil na vitrola, tomando cuidado para encostar a agulha suavemente, sem trancos. Esse ritual, tão praticado entre as décadas de 1950 e 1990, está voltando ao Brasil. Após ser substituído pelos CDs no final dos anos 90 — quando os LPs e as vitrolas sumiram do mercado, a ponto de só serem conseguidos de segunda mão —, o vinil começou a voltar de forma tímida há alguns anos e, agora, está em alta novamente. Músicos nacionais de sucesso atual, como Los Hermanos, Pitty, Criolo, Tulipa Ruiz, Karina Buhr, Exaltasamba e Cachorro Grande, já lançaram álbuns com versões em LP, e a única fábrica de vinis da América Latina, a Polysom (localizada no Rio de Janeiro), reabriu suas portas em 2009. Além disso, novas vitrolas já podem ser vistas em algumas lojas físicas e online, sendo algumas delas equipadas para receber entradas USB e de cartão de memória, para aqueles que não abrem mão da modernidade.
Mas, no mundo em que os CDs concorrem com as músicas baixadas em celulares, tablets e computadores, qual é o lugar dos bolachões? Para o colecionador Edu Pampani, quem compra vinil é quem gosta do ritual. “É aquele que gosta do fato de o vinil ter lado A e lado B, da estética da capa, das informações disponíveis no encarte. É fetiche, saudosismo mesmo”, diz o paulista, que disponibiliza sua coleção de 13 mil vinis, todos de música brasileira, na Discoteca Pública, um espaço no bairro Floresta, em BH, onde qualquer interessado pode ouvir e pesquisar os álbuns do acervo.
O DJ Fael é fã do som denso do vinil: “Não é a maneira mais fácil de tocar, mas é a mais legal” |
Para Edu, que já teve loja de discos e sentiu na pele a queda da procura pelos bolachões, o vinil está mesmo em alta no Brasil. “Nos Estados Unidos e na Europa não houve essa queda tão grande do vinil.
Nas lojas de BH, a procura pelo vinil tem crescido. Na Point Rock, localizada no centro há 32 anos, as vendas aumentaram 60% de três anos para cá, segundo o proprietário Marcelo Romeiro. Na Fnac, onde toca-discos começaram a ser vendidos no ano passado, os aparelhos já representam cerca de 5% da venda de eletrônicos. Na Hi Fi Club, que vende diferentes aparelhos de áudio e vídeo, a procura por toca-dicos, há seis anos, era zero. “Hoje, vendemos três ou quatro por mês”, conta o proprietário Carlos Ho.
Para o colecionador Edu Pampani, quem compra vinil é quem gosta do ritual: “É fetiche mesmo!” |
Um dos que começaram a investir no hobby recentemente é o representante de vendas Pedro Castro, de 24 anos. Há dois meses ele comprou um toca-discos para ouvir os LPs que herdou de seu pai. Atualmente, já tem outros álbuns, que comprou em lojas do centro de BH e pela internet. “Acho que o vinil tem algo a mais que não vemos na música digital. Traz uma forma diferente de ouvir música”, diz Castro. A coleção dele inclui LPs do Pink Floyd, Beatles, Lô Borges e Los Hermanos, entre outros. Para Pedro, a volta do vinil nos últimos anos tem a ver com a retomada do antigo em várias áreas, não só na música.
Também nova no mundo dos bolachões, Bruna von Dollinger, estudante, começou a ouvir vinis por causa do namorado, que é violinista. “Ele me deu um toca-discos de presente e me emprestou alguns LPs. Agora, tenho gostado cada vez mais e essa é a única forma de ouvir música lá em casa, fora o computador”, conta. Ela visita lojas e feiras de vinil e endossa o coro: “Gosto do LP não tanto pela diferenciação do som, mas pelo ritual de ouvir música dessa forma”, diz.
A estudante de turismo Bruna von Dollinger ganhou um toca-discos de presente do namorado: “Agora, é a única forma de ouvir música lá em casa” |
A qualidade do som é um dos argumentos mais citados pelos amantes dos vinis. O empresário Amauri Almeida, que tem cerca de 400 discos em casa, acha o som do vinil mais puro e original. Ele conta que até se rendeu aos CDs, mas nunca deixou de lado os LPs e tem resgatado cada vez mais o hábito de ouvi-los. “É diferente ouvir música assim. Chamamos as pessoas para escutar vinil em casa, é um evento”, comenta.
O DJ Ras Fael também é fã do som denso e natural do vinil.
Já na avaliação do professor do Departamento de Engenharia Eletrônica da UFMG, Cássio Gonçalves do Rego, a qualidade não é o forte do bolachão. “O vinil funciona com base no atrito da agulha com o disco. Por mais que se usem recursos para o contato da agulha ser suave, se há atrito, há chiado. No caso do CD e do MP3, não há contato para a leitura da informação, então o som fica limpo,“ explica ele.“Entendo a questão de saudosismo, do ritual que envolve essa prática. Mas, tecnicamente, se compararmos com MP3 e CDs gravados e compactados com qualidade, é um retrocesso voltar para o vinil”, diz.
De uma forma ou de outra, a indústria fonográfica tem se movimentado para atender aos novos – e antigos – amantes dos vinis. A artista mineira Fernanda Takai, que lançou em LP o álbum Onde Brilhem os Seus Olhos, há dois anos, diz que foi pensando nesse nicho existente hoje que a gravadora (a Deckdisc, dona da Polysom) decidiu fazer a versão em LP. “Foi uma escolha mais conceitual do que econômica. É bom ter esse disco em catálogo e também para atender àqueles que acham que o som do vinil é melhor e querem ter uma discoteca ainda atualizada”, diz. E você? Está pronto para a volta do bolachão?
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