Revista Encontro

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Gostoso, farto e barato

Vicente Cardoso Jr.
None - Foto: Samuel Gê; Léo Araújo; Eugênio Gurgel; João Carlos Martins; Maíra Vieira; Emmanuel Pinheiro

Quem dispensa um prato caseiro de arroz com feijão, carne e salada? Essa combinação básica que compõe o tradicional prato feito – ou simplesmente PF – quase sempre é elevada à categoria de “comida de verdade”. Mesmo com os concorrentes importados, com o self-service e o fast food tendo conquistado uma importante fatia do mercado, a refeição tipicamente brasileira se reafirma pela tradição e pelo tempero caseiro, que fazem o PF lembrar a comida da casa da avó.

 

A verdade é que os sabores que compõem o prato feito atravessam gerações. Anita de Souza, a Dona Anita, serve PFs em Nova Lima há 70 anos, 59 deles na pensão que leva seu nome. Para manter e renovar a clientela por todo esse tempo, nem foi preciso reinventar sua culinária. O que todos procuram na cozinha de Dona Anita é a mesma comida que ela faz desde sempre. E sem segredo. “É só fazer comida simples e boa”, diz ela.

 

 
 

Assim como Dona Anita, existem muitos outros redutos tradicionais do PF em BH. O empresário Luiz Eduardo Corrêa, que frequenta o Mercado Central desde os 6 anos, almoça ali pelo menos uma vez por semana há mais de 20 anos.

É no restaurante Casa Cheia que ele bate ponto quando busca a saborosa e tradicional refeição. “O bom PF é aquele aprovado pelo tempo. O prato não precisa ter invenção, basta ser benfeito”, avalia o empresário.

 

Para o crítico de gastronomia Rusty Marcellini, avaliar a qualidade de um PF não é tarefa para especialistas, qualquer brasileiro sabe fazer isso muito bem. “Por sermos tão íntimos do arroz com feijão e passarmos a vida inteira comendo a combinação, fica muito mais fácil saber o que é bom e o que é ruim”, diz Rusty. “É diferente de quando a gente vai comer aquele foie gras ou outro prato estrangeiro e não temos nenhuma referência.”

 

 
 

Quando o paladar encontra seu PF favorito, fica difícil separá-los. Os amigos Alberto Batista, Henderson Palhares, Antônio Carlos Ferreira e Paulo Otávio Pinto trabalham na prefeitura e, pelo menos duas vezes por semana, sobem a Afonso Pena para almoçar no Imperium Restaurante e Bar, no Mercado do Cruzeiro. A carne preparada diariamente pelo Seu Antônio, proprietário do estabelecimento desde 1998, é um dos principais atrativos para os clientes fiéis, que sentem confiança no produto. “Feijoada você não come em qualquer lugar, a daqui a gente sabe que o preparo é bem cuidadoso”, afirma Alberto Batista. O grupo é tão fiel ao local que sabe até a melhor hora para almoçar. “Se passa de 12h15 fica lotado, então sempre tentamos chegar antes”, conta Paulo Otávio Pinto.

 

A variação diária do cardápio é outra estratégia para manter a fidelidade da clientela. Quase todo estabelecimento oferece de dois a três pratos no dia: pode ser tropeiro e frango com quiabo na segunda, rabada e costelinha na terça, dobradinha e carne cozida na quarta, e assim por diante, fechando a semana quase sempre com feijoada. Para Rusty Marcellini, a valorização da culinária regional é um dos principais diferenciais do PF, que o faz resistir às modas que vez ou outra despontam na gastronomia. “Em Belo Horizonte, veio o temaki, a empada e agora as parrilhas.

Sempre tem a comida da estação, mas depois a onda passa. O PF está aí há décadas e resiste justamente porque está enraizado na cultura”, fala Rusty.

 

 
 

Mais do que as comidas da moda, a maior concorrência para o prato feito veio com a popularização do self-service no Brasil, a partir dos anos 1990. Para se manter vivo, o PF passou a se apresentar em vários estabelecimentos como “prato executivo” (em geral, uma versão mais enxuta) e já incorporou há muito tempo um elemento que, mesmo não sendo originário do Brasil, tornou-se unânime por aqui: a batata frita. Tais adaptações, no entanto, não superam o verdadeiro segredo do PF – se é que isto realmente chega a ser segredo para o brasileiro: a comida servida quentinha e a carne passada na hora, conforme o gosto do cliente.

 

 
 

Em Belo Horizonte, falar no Kaol (um dos mais antigos PFs da cidade, servido no Café Palhares) já foi praticamente sinônimo de falar em PF. Surgido nos anos 1950 como refeição noturna para operários, estudantes e boêmios, o nome vem da abreviatura dos ingredientes de sua composição original: cachaça, arroz, ovo e linguiça (o C de cachaça virou K para dar um charme). Com o tempo, a cachaça deu lugar à couve e outros ingredientes foram agregados ao prato, que hoje é servido das 10h às 23h. “Desde sua criação, o Kaol atrai gente de todas as classes: políticos, artistas e operários”, diz Luiz Fernando Ferreira, proprietário do Café Palhares e filho do Seu Neném, criador do prato. Não é para menos! Se os ingredientes mudaram um pouco com o tempo, as principais características do típico PF permanecem: gostoso, farto e barato.

 

 
 

Refeição balanceada

 

Que ele é saboroso e bem servido, não há dúvidas. Mas o PF é adequado para uma alimentação balanceada? Segundo Gilberto Simeone, professor do curso de Nutrição da UFMG, o prato feito assume um papel importante ao reforçar o hábito de “parar para almoçar”, em um momento em que o fast food e outras opções tomam cada vez mais o lugar das refeições tradicionais. Além disso, o PF é considerado uma boa alternativa em termos nutricionais, por ser composto por porções de diferentes nutrientes essenciais.

“A ideia da porção é interessante, pois preserva a refeição completa, com a proteína da carne, o carboidrato do arroz e a fibra do feijão, um alimento importante que o brasileiro tem consumido cada vez menos”, ressalta.

 

Por outro lado, Gilberto Simeone alerta para as limitações do prato feito. “Por ter um preço mais acessível, muitas vezes é composto por carne de segunda ou terceira, que pode ser mais gordurosa”, destaca o nutricionista, que aconselha observar esse fator antes de escolher onde comer. Outro ponto fraco é a porção modesta de legumes e verduras, o que pode ser compensado optando-se por uma fruta na sobremesa. Também é importante moderar a quantidade de arroz e sua combinação com farofa, macarrão e batatas, para não exagerar nos carboidratos.

 
 
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