Revista Encontro

None

"Não há motivo para pânico"

Marina Dias
None - Foto: Eugênio Gurgel

Dois anos após o fim da pandemia da gripe suína, quando a doença matou mais de 18 mil pessoas em 214 países, o vírus H1N1 volta a preocupar a população brasileira. No primeiro semestre de 2012, foram confirmadas 211 mortes no Brasil e 15 em Minas Gerais, sendo que, em 2011, foram 27 óbitos no Brasil e cinco no estado. Com medo de uma nova epidemia, muita gente tem procurado postos e clínicas particulares para tomar a vacina, mas o infectologista Carlos Starling, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia e vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, diz que não há motivo para alarde. Os números de casos da doença este ano, apesar de altos, estão dentro da flutuação considerada esperada. Contudo, algumas precauções — que andavam esquecidas — são fundamentais para prevenir a doença, como lavar as mãos, evitar ambientes fechados e cobrir a boca para tossir, medidas que não podem ser esquecidas em nenhuma época do ano. “Falta um reforço nesse sentido.”

 


1 | ENCONTRO - Os números de casos e de óbitos pela gripe suína no país têm sido muito maiores do que os do ano passado. Nacionalmente, os óbitos aumentaram mais de 400% de 2011 para 2012. Estamos passando por uma nova epidemia?
Carlos Starling - Não.

Isso faz parte de uma flutuação que chamamos de flutuação endêmica positiva, esperada para esta época do ano. No outono e inverno, há sempre aumento do número de casos de infecções respiratórias. É quando o clima está mais frio, mais seco, e as pessoas se aglomeram mais em lugares fechados, o que favorece a transmissão do vírus.

 

2 | ENCONTRO -  Então, o que explica o aumento em relação aos casos do ano passado?
Carlos Starling -
Esse número, mesmo maior, não é estatisticamente significativo para ser chamado de epidemia. Faz parte de uma flutuação esperada. Além disso, os casos de óbito que ocorreram este ano são relacionados a pacientes de alto risco, que já tinham doenças de base que as debilitavam de forma considerável, como idosos, cardiopatas graves, diabéticos. Outra questão que deve ser levada em conta é o fato de termos, hoje, um sistema de vigilância epidemiológica mais bem direcionado e um sistema de detecção viral muito sensível — muito mais do que há dois ou três anos, e inclusive mais do que no ano passado. Isso também faz com que detectemos mais casos, pois são feitos diagnósticos virais muito mais facilmente.

 

3 | ENCONTRO - Na sua opinião, não houve descuido ou descaso das autoridades?
Carlos Starling -
Não acredito que esse seja o caso. O Ministério da Saúde fez uma projeção de vacinar 80% da população sob risco. Ou seja, o público-alvo foi atingido na maior parte do país, com exceção das grávidas, que ficaram em 76% — quatro pontos abaixo da meta esperada. Mas foi feita uma cobertura vacinal bastante ampla e temos também disponibilidade de medicamento. É um contexto completamente diferente da situação de 2009, quando o vírus era novo, não havia medicamento e ninguém tinha sido vacinado. O problema é que as pessoas começaram a se esquecer dos cuidados. Parece que o problema não é com elas.

É preciso se lembrar de que as medidas preventivas não mudam: evitar lugares fechados, lavar as mãos ou friccioná-las com álcool à medida que cumprimentar as pessoas, cobrir a boca com o braço ou um lenço para tossir, etc. E são medidas que devem ser praticadas o ano todo.

 

4 | ENCONTRO - O Ministério da Saúde retirou o Tamiflu da lista de substâncias sujeitas a controle especial. Agora, ele pode ser comercializado nas farmácias com receita médica simples. Isso reflete maior preocupação do governo com a gripe suína este ano?
Carlos Starling -
Isso demonstra que o ministério está reconhecendo a importância do tratamento precoce. O Tamiflu é uma droga que funciona muito bem quando administrada nas primeiras 48 horas de sintomas. Se atrasarmos, a eficácia do remédio diminui muito. Então, a ideia é tratar rápido e, para tal, a medicação deve estar disponível em todos os lugares, seja no sistema público seja no privado. A detecção do vírus acontece em no máximo cinco dias, mas a orientação é tratar antes mesmo desse prazo: no caso de suspeita, o médico já prescreve a medicação, conforme o padrão indicado.

 

5 | ENCONTRO - E há vacinas e medicamentos suficientes no estado?
Carlos Starling -
Sim. Na rede pública, há vacina e medicamento suficientes para o grupo de risco e para os diagnosticados. Se o médico prescreveu a droga, vá a um posto de saúde ou a farmácias populares.

Em outras farmácias, é preciso verificar a disponibilidade.

 

6 | ENCONTRO - O que se pode fazer, nesse estágio, para evitar o contágio? Quem ainda não se vacinou ainda deve fazê-lo?
Carlos Starling -
Ainda vale a pena se vacinar para este ciclo sim, principalmente se a pessoa pertencer a algum dos grupos de risco – crianças de 6 meses a 2 anos, idosos acima de 60, grávidas, profissionais de saúde e pessoas que apresentam condições que justifiquem a utilização dos imunobiológicos especiais (população indígena e carcerária). Mas, mesmo quem não for público-alvo, se houver vacina disponível e se a pessoa tiver condição de pagar, deve tomá-la, pois a vacina reduz em 75% a incidência de complicações e em mais de 50% as internações.

 

7 | ENCONTRO -  É preciso tomar a vacina todo ano, mesmo quem já foi infectado pelo H1N1?
Carlos Starling -
Sim, porque a vacina cobre vários outros vírus além do H1N1, e as cepas virais podem mudar de ano para ano. Hoje, existe um programa da Organização Mundial da Saúde que mapeia quais vírus estão circulando no mundo, e são as partículas desses vírus que compõem a vacina de cada ano. No caso de quem já teve gripe suína, também é necessário se vacinar de novo, principalmente pela imunização contra outras cepas virais, já que, pelo menos neste momento, não é provável que a pessoa pegue essa gripe de novo, já que o H1N1, apesar de ter sofrido algumas mutações, não se modificou tanto assim.

 

8 | ENCONTRO - E o  que explica a pandemia que houve em 2009?
Carlos Starling -
Um dos fatores mais importantes é o processo de locomoção das pessoas no planeta. Temos um fluxo impressionante de gente circulando. Em 24 horas elas cruzam o mundo e, com elas, os vírus. Esse movimento migratório favorece a transmissão. Os primeiros casos foram no México, em março de 2009. Na sequência, já havia casos na Califórnia — o que não foi por acaso. Outra questão é que não tínhamos o nível de conhecimento sobre o H1N1 que temos de outros vírus, e isso exigiu um esforço muito grande. Mas com menos de um mês já se conheciam todos os marcadores antigênicos dele, o que propiciou a produção de vacina em tempo recorde. No Brasil, já tínhamos a vacina específica para H1N1 no final de 2009.

 

9 | ENCONTRO -  Por que essa gripe ficou conhecida como suína?
Carlos Starling -
O DNA ou RNA do vírus se adapta ao ser humano pela passagem por seres que têm características semelhantes às nossas, sob o ponto de vista imunológico. No caso do H1N1, sabemos que esse vírus veio da ave e passou pelo porco, e que ele tem uma concentração de DNA suíno muito grande. Além disso, ele infectou porcos e é muito provável que, no começo, as pessoas tenham contraído essa gripe pelo contato com suínos. Mas, atenção, não foi pela ingestão da carne; foi uma doença ocupacional, de tratadores que manuseiam suínos, e que, a partir daí, infectaram outros seres humanos.

 

10 | ENCONTRO - Algumas pessoas dizem que não querem tomar a vacina porque ficam gripadas logo depois. Isso pode mesmo acontecer?
Carlos Starling -
Não existe a menor possibilidade, pois a vacina não é feita de vírus vivo, mas sim de partículas virais que não têm capacidade de autorreplicação. O que acontece é que a vacina protege contra certos tipos virais, não todos. Então, às vezes, o indivíduo se vacina e tem outras infecções de vias áreas. Eventualmente, a pessoa pode sentir mal-estar, dor no local de aplicação ou febrícula, mas não se gripa. O efeito colateral, que são as síndromes neurológicas que causam paralisia, é raríssimo, acontece em 1 a cada 5 milhões de pessoas.

.