Revista Encontro

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O mapa da traição em BH

Luciane Evans
None - Foto: Stockphotos; Emmanuel Pinheiro; Nereu Jr; Divulgação

Considerados tranquilos, tímidos e conservadores, alguns mineiros estão colocando suas asinhas de fora. Sem levantar suspeitas, homens e mulheres da cidade aderem a uma tendência nacional cada vez mais em alta e arriscada: a infidelidade. Pelo menos é o que mostra pesquisa inédita do maior site de relacionamentos extraconjugais do mundo, o AshleyMadison.com.  Presente em 24 países, com cerca de 15 milhões de pessoas cadastradas, a página, uma espécie de meca digital do adultério, ganhou, em menos de um ano, a simpatia dos brasileiros e de muitos mineiros. Criado em 2002, no Canadá, o site chegou ao Brasil em agosto do ano passado, com slogan que não deixa dúvidas quanto às intenções:  “A vida é curta. Tenha um caso”.  Hoje, ele tem 700 mil cadastrados no país e 30 mil em BH, que já é a terceira cidade com maior número de usuários, só perdendo para São Paulo e Rio.

 

Os responsáveis sequer imaginavam que convenceriam o público brasileiro tão rápido. “Não esperávamos todo esse sucesso. O Brasil passou a ser o segundo no mundo em número de usuários, perdendo apenas para os EUA, onde são 8 milhões de cadastros. A diferença é que, por lá, o portal tem 10 anos de existência”, comenta Eduardo Borges, representante da AshleyMadison.com no Brasil.

A surpresa maior, segundo ele, foi Belo Horizonte. Quando chegou à capital mineira, o portal mal conseguiu fazer propagandas. “Por ser um lugar mais conservador, não conseguimos investir tanto em publicidade, como fizemos em São Paulo. Mas, incrivelmente, isso não inviabilizou a procura”, diz Borges.

 

 
 

E não prejudicou mesmo. A procura é maior por parte da classe média alta da cidade.  Somente na Savassi, com 1.531 pessoas cadastradas, 45% são mulheres. A região passou a ser considerada pelos representantes do site o palco da infidelidade feminina. “As moradoras dali têm procurado os nossos serviços”, ressalta Borges. Em contrapartida, o Belvedere é o campeão da infidelidade masculina. Dos 1.414 cadastrados, 84% são homens. “A forma que muitos homens encontram para relaxar e fugir do estresse é procurando uma amante”, diz Borges.

 

Para o cadastro no site,  é exigido o CEP do usuário. Assim, com base nesses registros, o AshleyMadison.com rastreou os bairros onde está concentrado o maior número de cadastrados na cidade, e a zona sul  foi a área de maior concentração (veja o mapa). São criados perfis personalizados, com preferências sexuais, conversas online e troca de mensagens, sem deixar pistas eletrônicas para mulheres e maridos desconfiados.  Para os homens, são cobrados US$ 49 pelo cadastro; já para as mulheres, o serviço é gratuito.

 

A psicóloga Walkiria Fernandes considera que a sociedade está perdendo os valores: “As pessoas não sabem o que querem 
e vão na onda do que está na moda”
 
 

Mesmo assim, 70% dos mineiros que aderiram ao portal são do sexo masculino. Bruno (nome fictício) é um deles.

Morador do Belvedere, ele  é casado há cinco anos e diz que namorou durante nove anos com a mulher, desde a faculdade, e, recentemente, sentiu vontade de trair. “Não significa que não goste dela, mas o relacionamento foi ficando frio e a relação sexual se perdeu por completo. Cadastrei-me no site e tive dois casos, que para mim foram fantásticos. Não  houve envolvimento sentimental e não há como minha esposa descobrir, porque é  tudo muito sigiloso. Mas é aquela coisa: trair e coçar, é só começar”, revela Bruno, que é engenheiro, tem 37 anos e criou um perfil anônimo na rede de relacionamentos Facebook só para conceder esta entrevista.

 

Ele exemplifica bem o perfil masculino do site. De acordo com Eduardo Borges, os homens infiéis preferem se aventurar em relações fugazes, de uma noite só, a se divorciar. Já as mulheres, geralmente, são casadas por pelo menos 10 anos, têm filhos e, segundo dados da AshleyMadison.com, já traem por período mais longo. Geralmente, elas procuram o serviço por achar que a relação conjugal caiu na rotina, sentem a indiferença do parceiro e querem novas aventuras.

 

 
 

“A primeira vez que traí foi com um antigo namorado. Foi bom, porque com o passar dos anos a relação foi perdendo o fôlego. Trair ajuda a superar a insatisfação diária, a falta de companheirismo e afeto”, diz Mônica (nome fictício), que é casada há 12 anos e mora no bairro de Lourdes, área com maior número de cadastrados no site.

Apesar das justificativas para a traição, especialistas alertam para o risco de considerar a atitude algo corriqueiro e banal. Trata-se de um comportamento que pode ser perigoso, na avaliação do sexólogo Gerson Lopes, chefe do setor de medicina sexual do Hospital Mater Dei. Ele diz que a possibilidade de perdas em uma relação extraconjugal é maior que a de ganhos. “É possível que, a partir dessa experiência, o matrimônio até fique melhor, mas não vale a pena arriscar para ver. O risco de danos é maior”, diz.

 

De acordo com ele, a motivação para a traição é multifatorial. “O dinheiro é uma variável, pela facilidade dos encontros, acesso a motéis, a viagens e outros. Mas não há uma causa única”, afirma, acrescentando que as pessoas de maior poder aquisitivo geralmente são as que dissimulam mais, por medo da exposição. “Mas foi-se o tempo em que se acreditava que os homens conseguiam separar sexo do amor e, assim, viviam a traição mais facilmente. Hoje, vejo nos consultórios homens que não conseguem lidar com a infidelidade e, por outro lado, muitas mulheres lidando superbem com isso”, diz Gerson Lopes.

 

A psicóloga e sexóloga Walkiria Fernandes avalia a situação como reflexo de uma sociedade perdida, em que ninguém mais está satisfeito com o outro. “As pessoas estão perdendo o senso de escolha e pegando o que vem pela frente. E, por não saber o que querem, vão na onda do que está na moda. Estamos perdendo o senso dos valores”, diz. O pior é que a situação tende a se deteriorar ainda mais, de acordo com estudos sobre o assunto. Segundo Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do programa de estudos em sexualidade da USP, são raros os homens que não traem. Autora do Estudo da Vida Sexual do Brasileiro, maior pesquisa feita no país, com cerca de 7 mil pessoas de todas as regiões brasileiras, Carmita diz que primeiro é preciso entender que o conceito de traição é variável.

 

A antropóloga Mírian Goldenberg e o sexólogo Gerson Lopes
 
 

“Para eles, geralmente, trair tem a ver com a continuidade do envolvimento. Se foi uma só vez, eles não consideram infidelidade”, explica Carmita. No estudo, ela avaliou a traição em várias faixas etárias e chegou ao seguinte resultado: 48% das mulheres entre 18 a 25 anos declaram ter traído; e 21% daquelas acima dos 60 anos confessaram o adultério. Já os homens infiéis variam de 65% a 70% em qualquer idade. A especialista avalia que a sociedade foi educada e criada para os relacionamentos monogâmicos e duradouros, para que filhos vivam em um ambiente em equilíbrio. “Mas, hoje em dia, a sociedade está mais aberta e com menos receios”, diz. O risco da traição, de acordo com a pesquisadora, é colocar tudo a perder. “A terceira pessoa pode querer algo mais definitivo. Para a infidelidade, o indivíduo precisa ter muito claros os seus limites, senão vai se atrapalhar com uma relação dupla”, diz. Na sua pesquisa, Carmita descobriu que há homens que nunca pensaram em trair. “São minoria, entre 10% a 15%. Eles dizem que não fazem isso por convicção pessoal e uma relação sexual estimulante. Mas é raro.”

 

Para colocar mais pimenta nessa discussão, a antropóloga e professora do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mírian Goldenberg, lançou recentemente o livro Tudo o que você não queria saber sobre sexo, da editora Record. Bem-humorada, a obra reúne pesquisas feitas pela especialista nos últimos 20 anos. Em uma delas, o tema foi a infidelidade. “A traição existe a partir do momento em que o outro se sentir traído. Em alguns momentos históricos e outras culturas, isso não ocorre. No Brasil, muitas pessoas se sentem traídas se o outro tem qualquer interesse por outra pessoa. Pode-se pensar que a traição é relativa, subjetiva, depende de cada relação. Não é algo absoluto”, avalia. Dos 1.279 entrevistados do estudo, 60% dos homens e 47% das mulheres já foram infiéis. “Para elas, ser infiel está associado a faltas do parceiro ou vingança. Os homens apontam uma natureza masculina e também crises pessoais ou do relacionamento como desculpas”, diz.

 

 

No livro, Mírian mostra que os homens continuam traindo mais vezes durante os relacionamentos, e com mulheres diferentes. “As mulheres sofrem muito mais, não por culpa, mas por se dividirem. Elas querem um único parceiro para tudo, não querem dividir o amor, o sexo, o companheirismo. O sofrimento é por se dividirem e não conseguirem administrar a divisão tão facilmente como eles. E a tendência é colocarem a culpa nos maridos por traírem”, afirma a antropóloga. Já eles sentem, segundo ela, muito medo de destruir o casamento, a segurança, a família, a convivência cotidiana e tranquila com os filhos. “Eles gostariam de poder se dividir sem correr riscos, o que é quase impossível.”

 

Quanto aos sinais das traições, Mírian enumera a insegurança, intolerância para pequenas coisas e irritação com o parceiro, que é visto como aquele que impede a possibilidade de ser livre totalmente. “Os sinais são diferentes em cada relação, mas é impossível fingir completamente que tudo está como sempre”, diz.

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