Revista Encontro

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Contraste de sabores

Eduardo Tristão Girão
None - Foto: Eugênio Gurgel

 O queijo de minas artesanal elaborado com leite cru entra em nova fase na cena belo-horizontina de restaurantes. Nos últimos anos, esse produto de excelência gastronômica do estado virou notícia diversas vezes, não apenas por seu sabor especial e aroma intenso, mas também pelo embate entre seus pequenos produtores (que não querem ser enxergados como indústrias) e o governo (que ainda não sabe bem como lidar com a regularização do comércio dessa antiga tradição). Sua circulação ainda é complicada, o fornecimento nem sempre é constante e há grandes diferenças de qualidade entre os exemplares disponíveis no mercado. Mesmo assim, nunca se usou tanto esse queijo nas cozinhas da cidade como hoje.

 

A diferença fundamental entre o queijo de minas artesanal e os demais é que a produção do primeiro se dá a partir do leite cru. Como o leite não é pasteurizado, são preservadas bactérias que lhe conferem características bastante peculiares  ao queijo – e os chefs da capital já perceberam isso. Tanto que, mais do que apresentar o queijo de leite cru simplesmente fatiado no couvert ou numa sala-
da, eles estão chegando a resultados muito interessantes com o ingrediente em receitas.

 

Um dos trabalhos de destaque está no Hermengarda, onde o chef Guilherme Melo criou dois pratos tendo como ingrediente um dos queijos minas de leite cru de maior prestígio atualmente, o canastra produzido por Zé Mário, em São Roque de Minas. “Uso uns três por semana. Ele tem acidez um pouco mais marcante que os demais e dá cremosidade interessante”, diz o chef, que disputa com a freguesia da Loja do Itamar, no Mercado Central, as poucas unidades que o produtor envia semanalmente para a capital mineira.

 

No seu restaurante, o ingrediente substituiu o parmesão na finalização do risoto de palmito pupunha com aspargo fresco, conferindo-lhe acidez e untuosidade, e desbancou o previsível petit gâteau numa receita de bolinho quente e úmido com figo fresco e calda de vinho do porto.

“Um cliente uma vez disse que o risoto estava ácido. Achei interessante ir à mesa dele, falar sobre o queijo e vê-lo entender e redescobrir o ingrediente que já conhece”, conta Guilherme.

 

Além do toque ácido, Rafael Cardoso, chef do Atlantico, aprecia as texturas que o queijo de minas artesanal pode ter. Por esse motivo, só usa canastra “de geladeira”. “Compro os que são mantidos refrigerados, pois eles curam e ficam com massa cremosa. Assim, fundem bem no meu molho de tomate. É um grande produto e único a imprimir características de terroir da região onde é feito”, explica ele. O molho a que ele se refere envolve camarões e é servido com fettuccine.

 

Enquanto não coloca no cardápio sua degustação de 10 queijos mineiros (incluindo também exemplares de cabra, requeijões e frescal), Frederico Trindade, chef do restaurante que leva seu sobrenome, segue servindo tortellini de gruyère com lascas de queijo da região do Cerrado (que compra sem dificuldade na cidade). “É um bom ingrediente para a cozinha, mas complicado de trabalhar, pois, se a gente usa pouco, ele não aparece; e, se usa muito, toma conta do prato”, avalia.

 

Outros dois chefs da cidade, Américo Piacenza e Samyra Lyrio, dos restaurantes Cantina Piacenza e Flores, respectivamente, querem chamar a atenção da freguesia para o queijo de minas artesanal por meio do contraste de sabores, cada um à sua maneira. Enquanto ele prepara minirrondelli de queijos encimado por ovas de peixe capelin (apresentado como se fosse sushi), ela combina o ingrediente com compota de jabuticaba e castanha de caju, assado num “embrulho” de massa filo.

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