Revista Encontro

None

Flertando com o passado

José João Ribeiro
None - Foto: Divulgação

Um premiado cineasta-realizador pode se dar ao luxo de cometer algum deslize em determinado período de sua carreira. Nada mais comum e natural. Várias vezes um projeto promissor simplesmente não alcança seu objetivo e, fatalmente, desanda. Porém, uma temida luz amarela se acende quando dois longas-metragens seguidos não caem nas graças da crítica e do público. O nosso talentoso Fernando Meirelles, percorrendo a merecida trajetória internacional, acaba de provar, pela segunda vez, a sensação ruim de não agradar e emplacar um filme, que parecia ser forte candidato a despontar na futura temporada de prêmios.

 

O ambicioso 360 condensa episódios íntimos de vários personagens, em ambientes na maioria públicos. Uma fórmula conhecida e fartamente praticada, que Meirelles não soube explorar com profundidade. Antes, na adaptação do livro de John Le Carré, Fernando conseguiu um exitoso início em seu trabalho e parceria com os grandes estúdios. Mesmo com seu perfil independente e complexo, O Jardineiro Fiel (The Constant Gardener) fez boa impressão, principalmente pela forma original de retratar o continente africano, além da feliz e sábia aposta no casal Ralph Fiennes e Rachel Weisz, ganhadora do Oscar, que deve ser creditado, sem dúvida, na conta do diretor brasileiro.

 

Já com Ensaio sobre a Cegueira (Blindness), inspirado na obra do português José Saramago, a situação não se repetiu.

Fernando escolheu a ingrata pedreira de adaptar um livro avesso à prática de “roteirizar”. Mesmo com excelente escalação de elenco, o que sobrou do projeto foram a explícita coragem e razoáveis boas intenções. E o ganho na experiência, claro.

 

Com esse habitual controle em escolher os atores, Fernando Meirelles dava sinais de que 360 colheria uma enormidade de acaloradas críticas.

 

Mas a obra megainternacional não evoluiu nesse sentido. As histórias são frouxamente costuradas. A deglutição não é das melhores. Se houve inspiração no mestre Robert Altman, por exemplo, ela ficou no meio do caminho. Nitidamente sofre de insuficiência. Os desperdícios de astros do quilate de Jude Law e do visceral intérprete francês Jamel Debbouze espantam uma esperançosa plateia. A teoria dos seis graus de separação em 360 não resulta no charme valoroso de outras tantas ocasiões.

 

Das tramas contadas, a partir do roteiro de Peter Morgan, apoiado em peça teatral, a melhor certamente acontece em um caótico aeroporto na cidade americana de Denver. E, de novo, obrigatório frisar, graças à força de interpretação dos atores. O jovem titã Ben Foster domina os desvios necessários das facilidades caricatas de seu personagem – de longe, o melhor ator do filme –, em sintonia com o mestre Sir Anthony Hopkins, este exalando atualidade e correto sentimentalismo como um pai devastado pela culpa, mas preparado para o recomeço. Os dois muito bem acompanhados das parceiras de cena, Maria Flor e Marianne Jean-Baptiste.

 

A subversão e a ousadia a que 360 se propunha ficaram à margem de sua incômoda pretensão. Meirelles poderia fazer agora o mesmo exercício que Paul Thomas Anderson, um de seus cineastas favoritos, sempre faz: dar um tempo, esquecer a pressa e se debruçar com extremo zelo e cuidado em seu próximo “bom devaneio”.

Sem querer puxar a brasa, óbvio que irá, ainda e plenamente, satisfazer a crítica e os espectadores incontáveis vezes.

.