Revista Encontro

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Rua da encrenca

None - Foto: Geraldo Goulart, Leo Araújo, Samuel Gê

Se existe uma rua onde a paciência deve ser a eterna companheira do motorista é a Patagônia, no bairro Sion, região Centro-Sul de Belo Horizonte. A via é uma das principais opções para quem vem pela BR-356 e tem como destino o Belvedere, o Mangabeiras, o Sion ou até mesmo o Centro; por isso, diariamente, cerca de 20 mil veículos passam por lá. O trecho mais complicado fica entre a rua Haiti e a avenida Nossa Senhora do Carmo, com trânsito nos dois sentidos e o estacionamento permitido em ambos os lados. Além disso, a rua faz parte do itinerário da linha 8106, e tudo somado ao intenso tráfego de caminhões por conta de obras na região. O resultado? A encrenca está armada.

 

Quem conhece bem os problemas da Patagônia é o dentista aposentado Tarcísio Marques Gontijo, de 77 anos, um dos primeiros moradores da rua. Há exatos 35 anos, quando se mudou para o endereço, ele se gabava de morar numa rua tranquila, exemplo de toda a região que, na última década, passou a ser alvo de inúmeros projetos imobiliários. Tanto que, além dos três edifícios que estão sendo erguidos bem perto de sua casa – entre eles, um loft de luxo –, outro deve começar a sair da planta no próximo ano. “A tendência é aumentar ainda mais o número de carros por causa destes empreendimentos”, reclama Gontijo.

Segundo o morador, ele e os vizinhos já tentaram, em vão, um contato com a BHTrans, empresa que gerencia o trânsito da cidade, para resolver a situação. “Esta rua deveria se transformar em mão única, só assim para o trânsito fluir”, aconselha o aposentado, que hoje tenta encontrar um pouco de sossego em meio ao barulho do trânsito para restaurar objetos, como peças sacras e de decoração.

 

Tarcísio Gontijo, um dos primeiros moradores da rua Patagônia: “A tendência é aumentar ainda mais o número de carros por causa dos novos empreendimentos”
 
 

O fisioterapeuta Paulo Brunelli Roberto, de 41 anos, que já foi morador da região, confere aos estacionamentos permitidos a culpa dos principais problemas de tráfego na via. “Toda semana, a trabalho, venho à Patagônia e sempre encontro problemas. Certa vez, um ônibus chegou a esbarrar no meu carro, já que, por causa dos estacionamentos, a via fica muito estreita”, reclama Brunelli, que hoje mora na Pampulha. Para a professora de Letras e desenhista industrial Maria Berenice Pimenta, de 61 anos, há 20 vivendo no endereço do Sion, os problemas são velhos conhecidos dos vizinhos e dos motoristas que passam por lá. “Sempre escutei reclamações, mas nada de encontrar uma solução”, diz.

 

O aposentado João Xavier de Siqueira, de 62 anos, passa diariamente pela rua para visitar parentes e já perdeu a conta das vezes que teve dor de cabeça: “É complicado, pois é difícil encontrar vagas e os motoristas acabam estacionando em lugares proibidos, estreitando ainda mais a rua”, diz. Este realmente é um dos fatores que intensificam os problemas. Muitos motoristas, com o conhecido jeitinho brasileiro, preferem estacionar de maneira irregular. Aí, a rua, que já é estreita por ser mão dupla, fica impraticável. Um bom exemplo são os ônibus que, na maioria das vezes, têm de engatar a marcha a ré para o outro descer, o que gera congestionamentos, dependendo do horário.

 

O aposentado João Xavier de Siqueira: “É difícil encontrar vagas e os motoristas acabam estacionando em lugares proibidos, estreitando ainda mais a rua” 
 
 

Para a professora Heloísa Maria Barbosa, do departamento de transporte da Escola de Engenharia da UFMG, ruas como a Patagônia não foram construídas para serem vias importantes de ligação. “Antes não havia a preocupação com o sistema viário e,  quando chegamos a um problema de mobilidade como este, fica complicado gerenciar”, afirma. Para a especialista, restringir as áreas permitidas para estacionar em bairros residenciais não seria a melhor opção, porque prejudicaria os moradores e os visitantes do bairro. “É, na verdade, um conjunto de causas, como o rápido crescimento da cidade, o grande número de veículos nas vias e a ineficiência do sistema público de transporte.”

 

Célio de Freitas Bouzada, gerente de planejamento da BHTrans, aponta que os entraves na região são reflexo do aumento da frota de BH e dos novos projetos imobiliários de Nova Lima.

“Não é apenas a rua Patagônia que está com problemas; outras importantes passagens também estão na mesma situação. As causas extrapolam os limites da cidade”, afirma. Contudo, algumas medidas estão sendo pensadas, como a restrição de vagas de estacionamento. “Vamos disciplinar os estacionamentos, mas isso não garante que o trânsito vai melhorar, pois os infratores sempre vão existir”, diz o gerente da empresa que coordena o trânsito da cidade. Sobre transformá-la em mão única, ele já adianta que não há outra opção de via para fazer a substituição do sentido. Para Célio, o alívio no tráfego só vai ocorrer quando outras intervenções mais significativas acontecerem, como o alargamento da rua Haiti, que leva e recebe grande fluxo de veículos da rua Patagônia. Projeto este à espera de recursos. “E tem outro problema, pois o terreno que seria afastado para aumentar a faixa da rua é de filito, rocha muito fina que apresenta alto grau de instabilidade”, diz. Outros planos estão também nas gavetas da BHTrans, mas também longe de saírem dela. Um deles é ligar a rua Correias, que começa na praça Deputado Eduardo Azeredo, conhecida como praça Alasca, à avenida Celso Porfírio Machado, que alcança o Belvedere.
Mas, atualmente, entre as duas vias, existe uma grande área de mineração, que precisaria ser extinta para iniciar as obras. Pelo visto, o seu Tarcísio, além de outros moradores e motoristas, não terá sossego tão cedo!

 

Complicações por toda parte

 

Bertha Maia 
e a rua Pouso Alegre: “Nunca encontrei esta rua tranquila”
 
 

Belo Horizonte é cheia de outras ruas complicadas, principalmente no horário de pico. Os motivos são inúmeros: vagas de estacionamento em excesso, desrespeito às leis de trânsito e, claro, o alto número de veículos. A rua Grão Mogol, no Sion, região Centro-Sul, é outra problemática. Quem tem de passar por lá por volta das 13h corre sérios riscos de ter um problema de digestão. A hora do almoço é um dos períodos mais críticos, principalmente entre as avenidas do Contorno e Uruguai. O taxista Wenderson Castro Monteiro, de 38 anos, conhece bem os entraves. “Tem ainda outros horários complicados, depois das 16h e no sábado à noite, quando os motoristas estacionam nos dois lados da rua por causa dos barzinhos”, diz. Uma das infrações mais recorrentes na Grão Mogol, segundo a BHTrans, é a de estacionar em vagas de carga e descarga, o que complica ainda mais o trânsito por onde trafegam algumas linhas de ônibus.

 

E a rua Estevão Pinto, na Serra, por onde passam apenas pela manhã cerca de 16 mil veículos? Um dos principais problemas da via são os estacionamentos, permitidos nos dois lados em pelo menos dois quarteirões, que estreitam a via. Sem falar dos que insistem em parar em lugares indevidos, situação flagrada pela reportagem durante blitz da Polícia Militar e BHTrans.

 

Saindo da região Centro-Sul, a rua Pouso Alegre, no bairro Floresta, região Leste, também apresenta problemas em qualquer hora do dia. “Sempre passo por aqui e nunca encontrei esta rua tranquila”, diz a motorista Bertha Maia. O motorista de ônibus da linha 62, Edimar Fonseca Torres, tem de esbanjar paciência para percorrer praticamente um quarteirão entre as ruas Salinas e Itajubá. “Não adianta, todos os dias fica tudo agarrado”, desabafa. As ruas da encrenca continuam por várias regiões da cidade, como Carangola, Jacuí e Bahia, entre outras.

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