O mercado financeiro ainda é um bicho de sete cabeças para muita gente. Expressões como renda fixa, renda variável, fundos de investimento, ações e debêntures costumam afastar parte do público leigo que até gostaria de investir nesse universo misterioso, mas acaba desistindo ao se deparar com a complexidade do assunto. Não é o caso dos jovens. Ousada e sem medo de arriscar, parte da garotada de 20 e poucos anos (ou até mais nova) tem se aventurado na arte de investir, mesmo sem experiência. Assim como ocorre com profissionais tarimbados, não acertam todas – mas conseguem transformar erros em lições. É sempre bom lembrar que, nesse mercado – e mesmo para os jovens –, um pouco de cautela não faz mal para ninguém.
Exemplo da ousadia típica da juventude foi a primeira incursão do economista Daniel Prado, 22 anos, na bolsa de valores. Sem ter experiência, decidiu começar a aplicar aos 17. Na época, a Bovespa vinha de anos subindo, e tanto a mídia quanto os amigos comentavam que o setor estava valendo a pena.
O engenheiro Gabriel Ferreira, 24 anos, estabeleceu objetivos claros: “Quero ter independência financeira e viver em um padrão de vida estabelecido por mim” |
Em 2008, a crise mundial veio com força e Daniel, que tinha acabado de entrar na faculdade de economia, justamente pelo interesse nesse mercado, perdeu parte do dinheiro que investiu. “Nesse sentido, a crise foi importante: mostrou que não era tão fácil assim”. Agora graduado, explica que, de 2008 a 2011, ganhou mais conhecimento do que dinheiro e, hoje, tem uma mentalidade menos imediatista: evita o antigo hábito de acompanhar e fazer movimentações diariamente, além de diversificar as aplicações para títulos do governo e fundos multimercado. Ainda assim, em seu portfólio, investimentos em ações (os de risco mais alto) representam cerca de 40%, o que não é tão convencional. “Sempre gostei de ter uma parcela alta em ações. Mesmo que os preços caiam, tenho possibilidade de esperar que voltem a subir.”
Como a idade é um fator de peso nas escolhas dos jovens, produtos de rentabilidade alta, porém mais arriscados, tornam-se atraentes para pessoas de até 30 ou 35 anos. E a bolsa de valores pode se tornar uma armadilha para os interessados em dinheiro rápido. O gestor de investimentos da HH Picchioni, Paulo Henrique Amantéa, explica que há muitos jovens afoitos, que se acham autossuficientes e arriscam em excesso, inclusive comprando papéis de “micos” — empresas com menor liquidez, cujas ações costumam ter preços baixos, em torno de R$ 1. “Para se ter uma ideia, 90% dos jovens que entram na bolsa saem em um ano”, diz. O gestor alerta que até mesmo esse público deve ter paciência e estratégias para operar, além de acompanhar o noticiário nacional e internacional. “Muitos jovens só descobrem isso depois que já entraram no mercado ou que já perderam dinheiro”, diz Amantéa, ressaltando que pessoas de até 35 anos representam 25% dos clientes da corretora, número que vem crescendo de 10% a 15% desde a crise.
O engenheiro químico Gabriel Ferreira, 24 anos, fez o caminho contrário da maioria e começou a investir na bolsa assim que ela atingiu os 29 mil pontos – o fundo do poço.
Daniel Prado, 22 anos, investe 40% de seu dinheiro na bolsa: “Gosto de ter uma parcela alta em ações, porque ainda sou novo e posso correr mais riscos” |
Para Marlene Kraus, professora da pós-graduação em administração de empresas da FGV/Ibs, ousadia não é tudo entre os jovens. Muitos se preocupam com o futuro cada vez mais cedo, buscando informações sobre como fazer o dinheiro render em longo prazo. “Os jovens sabem que vai chegar o momento em que precisarão da renda. Se estão acostumados a viver com mais dinheiro do que a que aposentaria proporciona, será uma grande perda de nível de vida, caso não tenham investimentos com retorno”, explica, ressaltando que já vê alguns investindo, inclusive, em imóveis.
No caso da arquiteta Ana Carolina Matos, 30 anos, a consciência da necessidade de poupar veio cedo: ela abriu a primeira poupança aos 10 anos, com o dinheiro que economizava quando os pais lhe davam algum trocado para o lanche, cinema e outras atividades. Assim, juntou o valor mínimo necessário na época, R$ 50, e fez o investimento com o CPF da mãe. “A poupança foi a origem das outras aplicações que tenho hoje. Foi muito bom poupar, pois eu não precisava do dinheiro quando era adolescente e creio que, quanto mais jovens iniciarmos nossos investimentos, melhor”. Com o dinheiro da poupança montou seu escritório e o apartamento. E não só na poupança ela foi precoce. Aos 19, decidiu abrir a previdência privada. “Acredito que meu ganho maior será com o tempo: aos 65 anos, já serão 46 de aplicação”, diz a arquiteta, que tem aplicações em CDB, fundos multimercado e de ações. Ana também está apostando nos imóveis.
Para quem já tem um negócio, considerar o futuro da empresa é importante na hora de se montar a carteira de investimentos. A empresária Mariana Silva, 25 anos, lida de formas diferentes com as aplicações pessoais e aquelas destinadas à empresa, uma confecção de roupas. Para uso pessoal, o dinheiro se divide em previdência privada, poupança e um consórcio entre amigos. Já para a empresa, ela aplica em fundo de renda fixa e no consórcio de um carro. “É algo mais formal do que o consórcio entre amigos, pois é para poupar dinheiro para a empresa, que não pode ter problemas”, explica. Mariana se descreve como conservadora, perfil que justifica por ter tomado a frente da confecção em um momento difícil. “Em vez de fechar o negócio que meu pai começou, decidi assumi-lo. Acho que, por ter vivido essa crise e assumido uma empresa no vermelho, tenho mais prudência”, diz ela, que prefere ter algum dinheiro na poupança para resgate rápido, pois fica de olho em oportunidades de novos negócios.
A internet é uma forte aliada das gerações mais novas, que têm familiaridade com tecnologias e com a web e podem buscar conhecimento em portais especializados, sites de notícias, corretoras, Bovespa, etc. Outra facilidade do mundo digital, para os investidores, é o home broker, sistema que permite a negociação de ações via internet, o que economiza dinheiro e o contato direto com a corretora para cada movimentação. “A meninada opera com o home broker, em que se paga menos por cada operação e que pode ser usado de casa”, afirma Paulo Henrique Amantéa. Ele alerta que, apesar da facilidade, é importante saber onde há informações sólidas sobre o mercado na rede. “Fóruns de internet, por exemplo, têm muita especulação e dicas erradas. É interessante visitar portais de entidades com credibilidade”, diz.
A empresária Mariana Silva, 25 anos, se descreve como conservadora. Por ter assumido a confecção de roupas fundada pelo pai, tem muita prudência nos investimentos |
Com tantas possibilidades de aprendizado e experiência, os jovens têm, muitas vezes, superado os próprios pais em termos de educação financeira. O estudante de economia Paulo Mesquita, 21 anos, fez cursos de investimento, frequentou palestras e já aplica seu dinheiro por conta própria há dois anos, quando tirou toda a renda que tinha em uma poupança criada pela avó e começou a reinvestir, por achar que não valia mais a pena. Hoje, além de cuidar de sua renda — investe em previdência privada, CDB e ações —, dá dicas para os pais. “Eles não eram muito ligados a isso e passaram a diversificar e ter novos produtos depois que eu me interessei pelo tema”, conta o estudante, que lhes sugeriu investir em fundos imobiliários.
O estudante Paulo Mesquita, 21 anos, não só cuida de seu dinheiro, como dá dicas para os pais, Luiz Henrique e Margarida: “Eles passaram a diversificar depois que eu me interessei pelo tema” |
Em que eles investem
Fundo multimercado
Combina investimentos em diferentes mercados, como renda fixa, câmbio e ações, para procurar as maiores rentabilidades por meio de diversificação. O valor mínimo para investir depende de cada fundo. É uma aplicação de risco médio (e o grau depende dos mercados envolvidos)
Fundo imobiliário
Constituído por empresa ou instituição financeira que vira dona de um imóvel
e o divide em cotas, adquiridas pelos investidores. Rendimentos vêm do aluguel pago pelos locatários e da valorização das cotas na bolsa de valores. Considerado de risco médio a baixo
CDB (Certificado
de Depósito Bancário)
Um exemplo de fundo de renda fixa,
é um título tradicional de captação
de recursos emitido pelos bancos.
As taxas de rentabilidade podem
ser préfixadas, pós-fixadas ou flutuantes. O risco é considerado baixo
Tesouro Direto
Títulos emitidos pelo governo para captar recursos para financiar a dívida pública
e garantir investimentos. O governo devolve a aplicação com um adicional
que pode variar de acordo com taxas
de juros, índices de inflação, câmbio
ou uma taxa fixa. O risco é baixo
Previdência Privada
Objetivo é garantir renda extra ao trabalhador que não contribui com o INSS ou julga insuficiente o valor a ser recebido futuramente. Há dois tipos de previdência complementar aberta: Plano Gerador
de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). O grau de risco está relacionado ao perfil do plano,
que pode ser conservador, moderado
ou agressivo
Ações
Ao comprar uma ação (pequena fração
do capital de uma empresa), o investidor se torna sócio e recebe benefícios,
como dividendos. Uma das vantagens
é a liquidez, pois não há carência para o resgate. Há taxa de corretagem (que pode ser um percentual do valor movimentado ou um preço fixo por movimentação)
e taxas cobradas pela bolsa,
além de incidência de IR. O risco é alto
Poupança
Investimento mais simples entre
os disponíveis, tem isenção de IR para pessoas físicas e liquidez imediata.
O cálculo do rendimento mensal é 70%
da Selic, quando esta taxa básica de juros estiver igual ou abaixo de 8,5%. Caso esteja acima desse patamar, e para
os depósitos feitos antes de 4 de maio, vale o rendimento referente à TR, divulgada pelo Banco Central, acrescida de 0,5% ao mês. Baixo risco