Revista Encontro

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O ursinho é um fenômeno

José João Ribeiro
None - Foto: Divulgação

Filme surpresa no verão norte-americano, Ted tem o mesmo apelo de um disputado álbum de figurinhas ou de um robusto e saudoso almanaque. Responsável pelo longa-metragem, Seth MacFarlane, criador da divertida série Uma Família da Pesada, não contava com uma bilheteria que já ultrapassou os US$ 450 milhões. Alguns críticos torcem o nariz, mas é quase impossível não se render à verborragia contida na relação de um bichinho de pelúcia que ganha vida (muita vida!) com seu “dono”, um cara boa-praça, síntese perfeita da síndrome de Peter Pan, interpretado pelo cada dia mais surpreendente Mark Wahlberg.

 

Na trama, notavelmente regular e bem elaborada, John Bennett, um garotinho de 8 anos, sofre bullying até de quem é saco de pancadas no bairro. Na ausência de um irmãozinho, John deposita toda a ternura de uma amizade entre meninos no ursinho que acabara de ganhar de presente de Natal. A magia e o ingênuo e simples desejo de uma criança fazem com que o “Teddy Bear” passe a falar, transformando-se no companheiro irrestrito de todas as horas. Assim, está lançada a premissa do que os americanos costumam denominar “romance-entre-amigos-homens”, ou melhor, o “bromance”, que tantas e tantas vezes o cinema soube mostrar com precisa competência.

 

Muitos anos se passaram e Ted (dublado pelo impagável diretor MacFarlane) conheceu a fama, mas vive em completa decadência. Isso sem jamais se descuidar na camaradagem com o amigo trintão John (Mark Wahlberg). Nesse plano-sequência, recebemos como uma avalanche a mais perfeita compilação de cultura pop que o cinema já foi capaz de proporcionar.

Referências e piadinhas sobre os anos 1970/80/90 são cirurgicamente bem trabalhadas, responsáveis por toda a picardia e o charme incessantes de Ted. A disposição e ousadia do elenco, que ainda conta com a linda Mila Kunis e o cerebral Giovanni Ribisi, completam a exata aritmética, não permitindo espaços para que o filme apresente qualquer tipo de barriga.

 

E por falar no elenco, que nos desculpe o personagem fofinho, mas Mark Wahlberg é a verdadeira alma e coração dessa grande e sacana comédia. O talento de Wahlberg, até aqui, não encontrou limites. E foram inúmeros os desafios. De surpresa em Os Infiltrados (The Departed), de Martin Scorsese, à cabeça na cinebiografia O Vencedor (The Fighter), ao lado do “oscarizado” Christian Bale. Na realidade, desde muito cedo o ator dava sinais de que teria uma respeitável carreira, ao protagonizar a obra-prima Boogie Nights, de Paul Thomas Anderson. Aliás, em Ted, na cena do show da cantora Norah Jones, relembramos um pouquinho o abobado e temperamental ator pornô Dirk Diggler.

 

Esperto, o diretor Seth MacFarlane soube calcular com exatidão o alcance de seu projeto, o imenso arrebatamento que provocou em uma geração que idolatra a cultura enlatada e fútil. E foi além, ao criar um ursinho sujo, malcriado, viciado em drogas, dando uma solene e corajosa banana às patrulhas de plantão. Para compreender o fenômeno Ted, basta vasculhar com gosto as antigas obsessões da infância e da adolescência. Tudo passa a fazer sentido. Tudo provoca uma incontida e nostálgica emoção.

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