A falta de vagas para estacionar o carro no hipercentro e em outras regiões de Belo Horizonte mudou a rotina de trabalho de duas representantes comerciais ligadas ao setor de joias. Christina Thomaz, de 44 anos, e Regina Lemos, de 59, passaram a trabalhar juntas, dividindo funções: a primeira dirige, e a outra faz o atendimento a clientes e fornecedores. Christina chega a rodar 120 km por dia, levando e buscando Regina.
As duas, claro, torceram pela construção dos estacionamentos subterrâneos propostos pela prefeitura e ficaram decepcionadas quando a licitação para a obra não recebeu nenhuma proposta. Agora a PBH vai readequar o edital, na expectativa de atrair empresas para investir no projeto. Christina diz que não perdeu a esperança. Ela ainda sonha com o empreendimento, cuja construção não deu certo porque a projeção de ganhos não atendeu à expectativa dos interessados. “A verdade é que não encontro vagas e acabo multada. BH não suporta mais carros na superfície.”
A dentista Renata Santiago paga caro por uma vaga: “O aluguel no prédio onde trabalho chega a R$ 450 por mês” |
O engenheiro civil e mestre na área de transportes Silvestre Andrade Puty Filho prestou consultoria às empresas que poderiam se candidatar para construir os estacionamentos subterrâneos.
O edital prevê a construção de vagas subterrâneas na avenida Álvares Cabral, na rua Ouro Preto (próximo ao Fórum), na avenida Pasteur (área hospitalar), Praça 7 (sob as ruas Tupinambás e Espírito Santo) e na Savassi (ruas Paraíba, Fernandes Tourinho e Tomé de Souza), além de um ponto opcional (Assembleia Legislativa). Seriam ao todo 3.895 vagas, somadas às 20.906 do Rotativo, que pode receber até 91.537 carros se for respeitado o tempo estabelecido. A frota na capital, em setembro, era de 1.496.604 veículos – dos quais 1.040.471 automóveis.
Na corrida pela vaga, a analista de sistemas Ayecha Tristan, de 38 anos, paga R$ 20 por semana a um “guardador de vaga” a cinco quarteirões da Assembleia, onde trabalha. A caminhada exige a troca do salto alto pelo sapato baixo e fica mais complicada na chuva. “Quando ele não vem, chego a rodar 50 minutos. Já fui obrigada a parar no Gutierrez e pagar R$ 30 em um estacionamento particular. Estou grávida e não sei como vou fazer quando a barriga pesar”, diz.
O engenheiro Silvestre Andrade Puty Filho alerta: “Abertura de mais vagas vai incentivar o uso do carro. Por isso, o valor cobrado precisa ser alto” |
Silvestre lembra que obras desse porte exigem remanejamento de redes subterrâneas, como esgoto, telefonia e energia, o que causa impacto no entorno. “Quando a prefeitura faz, ela fala pela sociedade. No setor privado, a população olha torto.” Ele ainda destaca que o mercado de serviços é que regula os preços e que, no caso dos estacionamentos, a própria prefeitura concorre com o Rotativo.
“Essa é uma alternativa interessante para o trânsito, mas a execução precisa ser repensada. Um projeto como esse gera um nível de incerteza grande quanto à receita.
Não fosse a vaga no prédio do consultório na Savassi, a dentista Renata Santiago, de 35 anos, optaria pelo transporte público. O aluguel é caro: R$ 450 por mês. Enquanto isso, pacientes se atrasam e reclamam do preço que pagam na região. “Quando procurei o consultório, a vaga era condicionante. Meu marido era mensalista no Pátio Savassi e, quando saiu, soube que a lista de espera tinha 300 pessoas. Todos aguardam uma solução”, destaca.
O secretário municipal de Desenvolvimento, Marcello Faulhaber, admite que o risco de demanda e o valor-teto da tarifa podem ter desestimulado os interessados na concessão de 30 anos. Ele diz que o impacto das obras foi bem controlado no edital e que os estacionamentos não seriam feitos simultaneamente.
Para que a construção se torne viável, Silvestre sugere que a PBH participe, numa parceria público-privada, minorando o custo. Ele acha que a cobrança não deve ter valor definido. E faz um alerta: a construção de mais vagas vai incentivar o uso do carro e, por isso, o valor cobrado precisa ser alto. Segundo o especialista, os estacionamentos subterrâneos deveriam prever a ampliação do uso da via, com a supressão das vagas do Rotativo, o que não consta no edital. “Nossa circulação tem problemas sérios e hoje a prioridade é liberar as pistas em razão do trânsito saturado. As vagas subterrâneas são uma solução fora da via, se garantirem a reurbanização das áreas de cima para o transporte público e pedestres.”