Revista Encontro

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De volta aos trilhos

Pedro Rocha Franco
None - Foto: Geraldo Goulart, Predo Nicoli, Samuel GĂȘ

Cruzar de Divinópolis até o Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, em duas horas; seguir do Belvedere até o mesmo terminal em aproximadamente uma hora ou pousar em Confins e, em pouco mais de 90 minutos, estar pronto para visitar as igrejas históricas de Ouro Preto. Diante das condições caóticas do trânsito da Grande BH, percorrer esses trajetos de carro demora pelo menos o dobro do tempo. Mas a retomada de um sistema de mobilidade criado no século XIX pode tornar realidade o que mais parece um sonho.

 

Desativados há mais de três décadas, os trens de passageiros estão prestes a voltar a operar em Minas. Projeto de Secretaria de Gestão Metropolitana (Segem) prevê a reativação de três linhas inoperantes, que juntas somam mais de 500 km. A ideia é interligar cidades-polo do estado à capital, com ramais levando os passageiros a Confins e ao Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico Inhotim, em Brumadinho, e ainda propiciar um transporte auxiliar ao metrô.

 

A Linha 1 conecta Divinópolis a Sete Lagoas, passando por Betim, Belo Horizonte e outras 12 cidades, com população superior a 1,5 milhão de pessoas (fora os moradores de BH). Com 245,4 km de extensão, sob administração da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) para transporte de carga, seria necessário duplicá-la para o transporte de passageiros. No trecho, será criado um ramal de 4 km quilômetros ligando Pedro Leopoldo ao aeroporto.

 

Já a Linha 2 ligaria Brumadinho e a estação do metrô da Gameleira, passando por Ibirité, Sarzedo, Mário Campos e Inhotim. Dois ramais permitirão seguir de Ibirité ao Belvedere e até o Eldorado, em Contagem.

A Linha 3, com forte apelo turístico, sairá de Sabará com ponto final em Conselheiro Lafaiete, e ramal no distrito de Miguel Burnier que segue até a sede de Ouro Preto.

 

Adrián Batista revela o alcance do projeto: “Ele atenderá o trabalhador, o executivo e o turista”
 
 

Até fevereiro, as empresas devem entregar os projetos de engenharia, apontando as adaptações que deverão ser feitas no sistema, como a localização das paradas e o custo das tarifas. O governo prevê publicar o edital da parceria público-privada (PPP) para modernização das linhas férreas até o segundo semestre do ano que vem. Ou seja, paralelamente à construção das novas linhas do metrô. E a ideia é exatamente conectar os meios de transporte, criando uma rede intermodal, em que seja possível fazer uma baldeação do trem que saiu de Divinópolis e pegar o metrô seguindo até a Pampulha. Ou então sair da praça Diogo de Vasconcelos, na Savassi, de metrô, parar no meio do caminho e seguir de trem até Ouro Preto.

 

Abandonados no Brasil em favor da expansão de rodovias, os modais sob trilhos são vistos por especialistas como importante solução para desafogar estradas e vias de centros urbanos e, obviamente, garantir maior agilidade no deslocamento. O diretor de Planejamento Metropolitano, Articulação e Intersetorialidade da Secretaria de Gestão Metropolitana, Adrián Machado Batista, explica que o projeto contempla dois tipos de serviço: urbano e metropolitano. O primeiro atende ao passageiro que deseja se deslocar entre distâncias mais curtas dentro de BH e cidades vizinhas, como Lagoa Santa e Pedro Leopoldo. Nesse caso, o intervalo entre estações é menor, a passagem é mais barata e há a opção de a pessoa ir em pé – modelo similar ao do metrô.

 

No caso do sistema metropolitano, que fará ligações com Divinópolis, Sete Lagoas, Ouro Preto e Conselheiro Lafaiete, entre outros, ocorre exatamente o contrário: paga-se por um serviço mais diferenciado, o que deve atrair também um público empresarial e turistas. “É um sistema que permite o transporte tanto para o trabalhador no dia a dia quanto para o executivo e o turista. A linha até Brumadinho tem demanda aos fins de semana para Inhotim, por exemplo. E o ramal do aeroporto atende a todos os passageiros”, afirma Adrián.

 

O sistema ferroviário brasileiro foi implantado em meados do século XIX, tendo sido a primeira linha a rodar a Estrada de Ferro Petrópolis. Mas, no Brasil, com o avanço da indústria automotiva e a priorização do carro, os trens se tornaram vaga lembrança na vida dos hoje pais e avós.

 

Afonso Carneiro, da Companhia Brasileira de Trens Urbanos: luta para pôr o trem de volta aos trilhos
 
 

O que se pretende ter em Minas e em outros estados é um trem com tecnologia do século XXI e velocidade muitas vezes superior a 500 km/h. No estado, a expectativa é que as primeiras três linhas mantenham velocidade de 60 km/h, justificado pelo aproveitamento inicial dos trilhos.

Mas a intenção é de que a empresa selecionada para gerir o sistema modernize a estrutura ao longo do período de concessão. A expectativa é que, com a correção de curvas e do traçado, a velocidade possa atingir 150 km/h.

 

Entre os principais responsáveis pela retomada do projeto de trens no país está o fluminense radicado em Minas, Afonso Carneiro. Ex-diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e atualmente na unidade de BH da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), o engenheiro ferroviário esteve à frente dos trabalhos feitos pelo governo federal para que os trens de passageiros voltassem a operar. Ele se lembra de, antes de o modelo parar de circular, ter viajado em quase 10 linhas por todo o país, como o trem Vera Cruz, que ligava as capitais de Minas e do Rio de Janeiro. À época do “apagão” dos aeroportos, lembra-se de ter recebido dezenas de cartas no ministério cobrando o  porquê de os trens permanecerem parados. “Não tínhamos outro meio de transporte: só rodoviário.”

 

Se no Brasil constata-se um retrocesso no modal, em outros países é impensável planejar o trânsito de pessoas excluindo o “sistema segregado”, modelo que não enfrenta o tráfego de semáforos, cruzamentos e outros obstáculos comuns aos carros, ônibus e motos. O engenheiro se lembra de uma situação que viveu em Berlim, quando pediu a uma assessora de uma comitiva para adquirir passagens de ônibus rumo à França. Mas, desconcertada, ela veio lhe informar que o trajeto só poderia ser feito por trem ou avião. “No Brasil, é o contrário. Vivemos uma situação contra a ordem mundial.

Dizem que o trem não é lucrativo”, diz.

 

Mas, de prontidão, rebate que o sistema pode sim dar retorno para o governo. “A lucratividade da ferrovia não se mede com receita e despesa. É preciso considerar que o custo para o transporte é menor devido à maior eficiência energética, além de se emitir menos poluentes e economizar com a manutenção de rodovias e gastos hospitalares. Isso é claro, pois se retira boa parte do transporte de carga das estradas e se reduz o desgaste do asfalto e o número de acidentes.”

 

Sob essa ótica, o Ministério dos Transportes também prepara uma série de investimentos no setor. Mesmo antes de as três linhas serem licitadas, já são feitos estudos para a implantação de outros dois modelos de transporte sobre trilhos em Minas: a criação de novas linhas de trens turísticos, como a ligação entre São João del-Rei e Tiradentes, e também a implantação do trem-bala, conectando BH a São Paulo.

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