Revista Encontro

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R$ 800 milhões para evitar tragédias

Nayara Menezes
None - Foto: Paulo Márcio

O período chuvoso chegou, e com ele a repetição de cenas já registradas em Belo Horizonte nesta época do ano: ruas e avenidas alagadas, carros boiando, morte, pessoas desesperadas tentando se salvar em meio às inundações e prejuízos para moradores e comerciantes da cidade. Os belo-horizontinos se perguntam até quando a cidade vai conviver com essa situação. “Pelo menos nos próximos três anos.” A resposta, não muito animadora, é do secretário executivo do Conselho Municipal de Saneamento e coordenador do Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte, da Secretaria de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), Ricardo Aroeira. O projeto, mais conhecido como Drenurbs, tem o objetivo de elaborar um plano para que BH enfrente os problemas decorrentes das chuvas. A estratégia do poder público é planejar e executar obras que melhorem a drenagem das águas pluviais e manter a população alerta em caso de situações de emergência. Mas Aroeira admite que, “assim como os problemas decorrentes das chuvas, as soluções são de grande porte. Por isso, exigem recursos volumosos e longo prazo”. Ele, que já foi diretor do Departamento de Desenvolvimento Ambiental da Secretaria Municipal de Meio ambiente, está à frente do projeto da Sudecap há 12 anos e fala sobre as ações que já foram realizadas e as que estão em andamento para reduzir os riscos causados pelas chuvas intensas na capital.

Segundo ele, já há um pacote de recursos federais, garantido para obras que prometem sanar os problemas das avenidas Cristiano Machado, Bernardo Vasconcelos, Tereza Cristina e Francisco Sá, que soma R$ 800 milhões.

 

ENCONTRO ­– Bastou a primeira chuva forte na capital, em meados de novembro, para que a cidade apresentasse mais de 70 pontos de alagamento. Quais são as razões para as enchentes que acontecem todos os anos em Belo Horizonte?
RICARDO AROEIRA –
Como a maioria das cidades do mundo, Belo Horizonte foi construída às margens de córregos e rios, locais onde ocorrem inundações naturalmente. Assim como as chuvas, as inundações são fenômenos naturais. O que podemos fazer? Reduzir o risco e a frequência dessas enchentes. Como? Fazendo obras estruturantes, mas que, por si só, não garantem a segurança de quem mora nessas regiões. Alguém imagina hoje que seja possível desocupar a planície do córrego Leitão e tornar a região da avenida Prudente de Morais uma área desabitada, por exemplo? Impraticável, não é mesmo? Por isso, fizemos a bacia de contenção na barragem Santa Lúcia e continuamos mexendo nas galerias da avenida Prudente de Morais. Também implementamos estações de monitoramento do nível de água. Ainda assim, não podemos garantir que nunca mais ocorrerão inundações naquela região. É claro que reduzimos os riscos e a frequência, mas não os extinguimos, já que margem de rio e de córrego é local propício para inundação.

 

Quais são as ações da prefeitura para melhorar o sistema de drenagem da cidade?
A Sudecap realiza diversas obras com objetivo de ampliar a capacidade de recebimento e armazenamento das águas. São feitos canais de drenagem  paralelos aos já existentes. A partir do momento em que se amplia o recebimento, tem de se aumentar a capacidade de armazenamento dessas águas, o que é feito com a construção de bacias de contenção, que são as barragens ou as escavações. Dessa forma, você evita o transbordamento dos córregos e rios e a inundação das áreas ocupadas que se encontram às margens desses rios. Temos uma dezena de obras recém-concluídas que demandaram investimento de R$ 452 milhões.

 

O senhor poderia citar ações que já foram realizadas na cidade nesse sentido?
A bacia do córrego Engenho Nogueira, a bacia do córrego Bonsucesso, córrego Ressaca, a drenagem da avenida Silviano Brandão, a retirada de área de risco e reassentamento de 2.200 famílias da vila São José, a recuperação do fundo do Arrudas, entre outras.

 

O Drenurbs recomenda reduzir o índice de impermeabilização do solo da cidade.

Mas o que notamos é que BH se tornou um canteiro de obras, com grandes construções públicas e privadas. Como lidar com esse paradoxo?
Quando temos uma cidade mais impermeável, as inundações são mais frequentes. Se a água não tem para onde ir, ela vai transbordar em algum lugar. Por isso, a legislação tem procurado inibir a impermeabilização total da cidade. Mas realmente não é uma tarefa fácil. No entanto, o Plano Diretor de Belo Horizonte e a Lei de Uso e Ocupação do Solo estão cobrando que os empreendedores mantenham áreas permeáveis. Para grandes empreendimentos também se impõem medidas compensatórias, como a construção de reservatórios de água de chuva para liberação das águas de forma gradual e a implantação de jardins extensos, que possam absorver parte da chuva. Belo Horizonte é um município com área territorial relativamente pequena, 330 km², com quase 2,5 milhões de habitantes. O que nos dá uma dimensão do nível de impermeabilidade que a cidade já alcançou. Em contrapartida, temos uma rede hidrográfica extensa, com cerca de 700 quilômetros de córregos.
Destes, temos 200 km canalizados, 200 km em leito aberto inseridos em área urbana e 300 km em área de preservação permanente. O grande desafio é fazer com que os 200 km de córregos abertos em área urbana assim permaneçam.

 

Para a população que mora próximo a esses córregos, o fato de não serem canalizados não aumenta o risco de transbordamento?
Pelo contrário. Córregos em leito aberto permitem a observação. Já os canalizados transbordam sem que a população perceba. O Drenurbs trouxe um novo conceito de que a canalização de córregos não é a solução. O ideal é a inserção dos córregos na paisagem urbana. As soluções via implantação de parques lineares mostram-se as mais interessantes. Fizemos isso, por exemplo, no córrego Engenho Nogueira e no córrego da avenida Nossa Senhora da Piedade, da avenida Baleares, em Venda Nova.

 

Somente no último ano foram retiradas quase 5 mil toneladas de lixo das bocas de lobo da cidade. Os rios e córregos também são alvos fáceis para lançamento de resíduos. Como isso interfere nas enchentes?
As pessoas têm de se conscientizar: os resíduos podem provocar o enchimento mais rápido desses córregos, alagando as áreas adjacentes. Outro ponto importante é não colocar o lixo na rua fora do horário de coleta, pois, no caso de chuva, ele pode ser levado pelas águas e causar entupimento de bocas de lobo. Se a água não consegue passar devido ao entupimento causado pelo lixo, ela vai transbordar.

 

 
 

O que o senhor tem a dizer sobre a chuva que assolou BH em novembro e provocou diversos pontos de alagamento na cidade, mesmo em locais que já receberam investimentos, além de ter causado a primeira morte na capital?
Primeiramente, gostaria de esclarecer que a morte nada teve a ver com as inundações. O motorista que morreu estava em alta velocidade e caiu dentro do córrego Ressaca, que nem estava cheio no momento. Foi um acidente de trânsito. Em relação aos pontos de alagamento, não teve nenhuma surpresa para nós. São pontos já conhecidos e mapeados por nós como regiões críticas em nossa Carta de Inundações, disponibilizada ao público. Para muitos desses locais, já existem projetos e recurso assegurado para obras. Mas, assim como os problemas são grandes, as soluções também são de grande porte e necessitam de recurso e obras de médio e longo prazos.

 

O senhor poderia citar algum projeto que já exista para solucionar os problemas em alguns desses pontos mais críticos?  
Sim. O primeiro é a intervenção nos córregos Cachoeirinha, Pampulha e Onça, que busca reduzir o risco de inundação nas avenidas Cristiano Machado e Bernardo Vasconcelos. Vamos aumentar a calha do ribeirão Pampulha e implantar um canal paralelo ao já existente na avenida Bernardo Vasconcelos, dobrando a capacidade de transporte das águas. Ao mesmo tempo, na área do Ribeiro de Abreu, que recebe toda essa água e já sofre com o transbordo dos córregos, vamos reassentar 1.300 famílias e implantar um parque linear. Já em relação à avenida Tereza Cristina, temos um projeto de implantação de duas grandes bacias de detenção. Em vez de a água extravasar para a pista, ela será carreada para essas duas grandes bacias, com capacidade para armazenar 720 milhões de litros d’água. No córrego dos Pintos, na avenida Francisco Sá, também será implantado um canal paralelo ao existente. Vamos também implementar uma rede de microdrenagem na região do Prado.

 

E qual o investimento para todos esses projetos e a previsão de implantação?
O recurso, de cerca de R$ 800 milhões, já foi disponibilizado pelo governo federal. Em 2013, vamos aprovar junto ao Ministério das Cidades e Caixa Econômica Federal os projetos executivos. E até o primeiro semestre de 2014 esperamos iniciar essas obras.

 

Até lá, a população pode se preparar para continuar convivendo com as enchentes nessas áreas mapeadas durante o período chuvoso?
Infelizmente, algumas inundações podem, sim, acontecer. Mas está sendo feito um trabalho preventivo durante todo o ano, que consiste na limpeza e manutenção das calhas dos córregos, galerias de esgoto, bocas de lobo e todas as redes de drenagem, para melhorar o escoamento das águas. Além disso, implantamos 42 estações que medem em tempo real quantidade de chuva e nível de água nos córregos e rios da cidade. Em 2009, criamos 40 Núcleos de Alertas de Chuvas, que é uma rede de moradores treinada para episódios de emergência. Temos uma Carta de Inundações, publicada no site da prefeitura, que mostra quais são as áreas mais críticas. Para essas regiões foram traçadas rotas de fuga adequadas, para que as pessoas saibam o que fazer, para onde fugir no caso de uma emergência. Quando detectamos uma situação de risco, logo entramos em contato pelo telefone com esses moradores.

 

O que a população que vive nessas áreas críticas deve fazer em caso de receber um alerta?
Nesse momento, as pessoas devem ter a consciência de que é preciso abandonar carro, carteira, dinheiro, documento. O mais importante é se manter em segurança. Após fazer isso, as pessoas devem procurar avisar os vizinhos e verificar se não há alguém, como idoso, cadeirante, que precise de ajuda para remoção do local. Ninguém deve continuar em um local depois de detectado o risco.

 

O prefeito Marcio Lacerda anunciou recentemente que, em caso de chuvas com risco de alagamento, serão fechadas ruas e avenidas da capital. Pontos de inundação também poderão ter avisos sonoros como prevenção. O que o senhor pensa sobre tais medidas?
É um plano de contingência que acontece em qualquer parte do mundo para preservar a vida de pedestres e motoristas. Se uma rua for fechada, é porque ela se encontrará sem condições de transitar devido às inundações. É uma medida necessária em casos extremos, de emergência, para evitar tragédias.

 

Há um canal da Sudecap com o serviço de meteorologia?
Sim, temos um canal direto com a previsão do tempo do estado. Acompanhamos diariamente o serviço. Além disso, tanto na Sudecap quanto na Defesa Civil há uma sala de controle em que ficamos sabendo em tempo real as regiões onde chove e qual o nível pluviométrico em cada uma delas. Também acompanhamos o nível de água de bacias, córregos e rios no período chuvoso. Dessa forma, se for diagnosticada alguma situação preocupante, temos como monitorar e agir. É importante destacar que o município tem um grupo executivo de áreas de risco que se reúne, durante todo o período chuvoso, de outubro a março. São representantes de vários órgãos que se encontram toda segunda-feira pela manhã, para trocar de informações, fazer uma avaliação do que está sendo feito, daquilo que precisa ser melhorado. Ou seja, não temos apenas um órgão, mas sim todo um sistema de defesa civil, comandado pela Defesa Civil, mas que inclui outros órgãos como a Sudecap, a Urbel e o Corpo de Bombeiros. Enfim, há um plantão permanente neste período para evitar que as tragédias que já aconteceram no passado se repitam.

 

E como é feita a prevenção na região de moradias localizadas em áreas de risco, como morros e encostas?
Durante todo o ano, a Defesa Civil faz a avaliação dessas áreas chamadas potenciais de risco. As equipes visitam essas moradias regularmente. Caso identifiquem uma situação de risco, é feito um trabalho de convencimento da família para que ela deixe aquele local. Durante o período chuvoso, obviamente, as vistorias se intensificam e novas situações podem surgir. O importante é manter-se alerta, sempre. É fundamental contar com a compreensão das famílias que moram nesses locais para que, caso seja detectado o risco, elas abandonem suas casas.

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