Embora os números não mintam nem digam a verdade, finórios usam a estatística para iludir.
Se quero ter meu peso, subo na balança. Para saber se sou mais pesado que meu amigo, ele sobe e comparamos. Até aqui, não há mistérios ou embromações. Mas, para descobrir se a população da nossa cidade está obesa, a coisa se complica. Pesar todos é o de menos. Mas o que fazer, olhando para a montanha de números colecionados?
Precisamos da estatística quando há números demais. Ao longo dos anos, inventaram-se formas de substituir a pletora de números por valores únicos, resumindo o que poderiam estar dizendo.
Muito do conhecimento que ilumina decisões críticas vem de dados estatísticos. Crescimento, inflação, saúde, educação e nutrição são conceitos abstratos, traduzidos em fórmulas estatísticas aplicadas aos números. Algumas são complicadas e, infelizmente, muito vulneráveis a interpretações inadequadas. Há mentiras e engodos. Nos jornais, são mais frequentes os erros resultantes da ignorância – e não são poucos. Vejamos exemplos tirados de jornais de boa reputação.
“Metade dos alunos tem notas abaixo da média”, proclama manchete de um dos melhores jornais do país. Ora, a média é justamente uma medida definida para estar próxima do meio da distribuição. Portanto, não é notícia de jornal se a metade dos alunos estiver abaixo.
Outra tolice de primeira página: “ Brasil cresceu muito... com um crescimento de 1,6% (sic) em relação ao Censo de 2010...”. Na verdade, desde que há dados demográficos, a população nunca cresceu tão pouco!
Diz a manchete na mesma página: “Brasil tem 3,7 milhões de jovens sem escola”. Dá a impressão de que o problema é de construção civil. No entanto, lá na página 10, ficamos sabendo que são “3,7 milhões fora da sala de aula”. Ou seja, o problema não é falta de prédios.
“Minas registrou o maior avanço percentual na mortalidade por acidentes de trânsito (...).
Vamos agora a dois exemplos de um problema mais técnico, entortando um sem-número de interpretações.
“A renda continua desigual em relação à de um branco.” É quase uma denúncia de discriminação no mercado de trabalho, sugerindo a necessidade de eliminá-la. Mas imaginemos o caso de uma empresa de dois funcionários que contrata sem considerar raça e pagando mais a quem é mais capacitado. Ao se contratar um negro menos capacitado e um branco mais capacitado, desavisados poderiam pensar que o negro foi discriminado, pois ganha menos.
Para saber se há discriminação no mercado, precisaríamos comparar brancos e negros com o mesmo nível de educação e outros indicadores de status. Muitos pesquisadores brasileiros já fizeram isso, com métodos complicados e cuidadosos. Os resultados mostram que, para os mesmos níveis educativos, há pouquíssima diferença de rendimento que pudesse ser atribuída à raça. Ou seja, se os negros têm piores resultados, é por terem menos escolaridade – fruto de um sistema educativo historicamente capenga. Se é assim, o enguiço está nas escolas dos pobres – de qualquer raça.
“ passam muito mais tempo na escola que eles, mas ganham menos...” O argumento é frágil, por depender de etapas não mapeadas. Por razões culturais e reprodutivas, as mulheres parecem entrar e sair mais da força de trabalho, enquanto os homens raramente interrompem suas carreiras.
Concluindo, lidar inteligentemente com estatística tornou-se uma condição de plena cidadania.
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