Revista Encontro

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Um senhor bar à venda

Celina Aquino
O garçom Wagner Luiz Teodoro, um dos mais elogiados pelos clientes, não teme o futuro - Foto: Samuel Gê

Triste, mas certa de que cumpriu sua missão, Teresa Recoder Gonçalves segue a busca por um comprador para o Tip Top. Há 25 anos no comando do bar mais antigo de Belo Horizonte, famoso pelo chope gelado, salada de batata e bom atendimento, ela quer agora curtir a família e viajar. “A paciência vai se esgotando e as pernas começam a doer. Está na hora de entrar uma pessoa com ideias novas”, diz a empresária, que não pretende deixar de frequentar o tradicional bar e restaurante. Assim que fechar negócio, ela planeja investir em outra atividade, provavelmente voltada para a área social. A expectativa é de que até março o novo dono, ainda indefinido, assuma a direção da casa.

 

Seis investidores demonstraram interesse em pagar R$ 500 mil pelo Tip Top desde janeiro do ano passado. Quatro foram descartados, pois tinham a intenção de mudar a cara do bar, aberto em 1929 pela tcheca Paula Huven. “Não tenho urgência de vender porque mantenho a esperança de encontrar a pessoa certa”, explica a empresária.

“Gostaria que o comprador mantivesse vivas a tradição, as receitas da Dona Paula e a qualidade do atendimento.” A negociação está avançada com dois sócios que, de acordo com Teresa, são jovens com espírito de tradição, mas uma mulher também está na disputa. Além do espaço, o escolhido vai herdar parte da história da capital mineira.

 

O engenheiro Omar do Amaral, de 73 anos, já pensou em comprar o bar. A mulher foi quem o convenceu do contrário. Cliente desde a década de 1960, ele conta que o Tip Top era parada obrigatória dos alunos da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) quando funcionava na rua Espírito Santo, e depois da mudança passou a ser seu refúgio todas as tardes. O destino fez com que o antigo frequentador comprasse um apartamento no atual endereço, na rua Rio de Janeiro, onde é sagrado tomar duas doses de uísque entre 17h e 18h. “O bar sempre prezou o tradicionalismo, mas precisa modernizar para atrair jovens”, opina. O que Omar não quer ver mudar é a gentileza dos garçons.

 

Teresa Recoder Gonçalves (à dir.), com a irmã Mercedes, só fecha o negócio com uma condição: “O comprador deve manter vivas a tradição e a qualidade do Tip Top”
 
 

Os elogios ao atendimento parecem ser unanimidade entre os clientes. “Garçom igual ao do Tip Top não existe. Eles são bem-humorados, atenciosos e até adivinham o que vamos querer, nem precisamos pedir”, comenta a empresária Mercedes Recoder, de 67 anos, irmã de Teresa. Da turma que vai quase todo dia ao tradicional reduto da boemia, ela também destaca a qualidade do que é servido. Mercedes gosta de comer massa, torresmo, linguiça e, de vez em quando, tomar uma pinguinha.

 

Para que o Tip Top não perca a boa fama, Teresa pretende convencer o comprador a contratar toda sua equipe, considerada parte da família. “As coisas começaram a ficar muito difíceis. Impostos e encargos sociais altíssimos, mão de obra indo para a construção civil, e a prefeitura não ajuda”, lamenta a empresária, que critica a retirada da placa iluminada e as regras de uso do toldo, que deve proteger o pedestre, e não os frequentadores do bar.

Além disso, o acerto de contas com 21 funcionários vai custar R$ 253 mil.

 

Apesar de temer o que virá, a equipe do Tip Top sabe que não terá dificuldade de conseguir outro emprego. “Pelo trabalho que desenvolvo aqui, sei que as portas estarão sempre abertas para mim”, diz Wagner Luiz Teodoro, de 35 anos, que começou como copeiro há 15 e se tornou um dos melhores garçons da casa. Juiz de futebol nas horas livres, ele revela que conquistou a confiança da freguesia porque nunca deixou alguém sem chope gelado. Entre os clientes famosos, estão a atriz Débora Falabella, o jogador Gilberto Silva, a dançarina Rita Cadillac e o atual técnico do Cruzeiro, Marcelo Oliveira, que sempre pede frango à páprica para viagem.

 

A história de um bar

 

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