Revista Encontro

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Plateia sem acento

João Paulo Martins
None - Foto: Sérgio F. Martins, Leo Araújo

“Que eu saiba, em Portugal, os putos continuam fazendo a bicha, e por aqui não. Eu queria entender em quê os países falantes da língua portuguesa saíram ganhando com esse acordo. Pois o que perderam, dá para avaliar”, diz Breno Lerner, superintendente da Editora Melhoramentos, que usa um exemplo da diferença de vocabulário existente entre falantes da língua portuguesa – “puto”, para os portugueses, significa “moleque”; e “bicha” quer dizer “fila” – para mostrar sua indignação com o novo acordo ortográfico que entraria em vigor em janeiro deste ano.

 

Se não fosse o decreto de última hora baixado pela presidente Dilma Rousseff em 28 de dezembro de 2012, o acordo ortográfico, assinado em 1990 pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, passaria a ser regra, exigindo mudanças como o fim do trema e do acento agudo em ditongos abertos “ei” e “oi” de palavras paroxítonas, como “assembleia” e “jiboia”. “Todo nosso catálogo já está 100% convertido às novas regras. O problema foi em nossa linha de dicionários, pois a alteração se deu à base de suor, sangue e lágrima”, conta Lerner. Para se ter uma ideia de como as mudanças foram mais problemáticas para as editoras, ele diz que só a conversão do banco de dados do dicionário Michaelis custou R$ 1 milhão. Outro ponto negativo, em sua opinião, foi a grande quantidade de publicações que se tornaram obsoletas. “A gente vinha doando os livros que tinham sido substituídos por novas edições, mas a partir de 2012 não pudemos mais.”

 

O adiamento do acordo para janeiro de 2016 se deu graças a um pedido do senador goiano Cyro Miranda (PSDB): “Chegamos à conclusão de que deveríamos seguir o prazo dos portugueses, em 2016, para dar tempo de nos adaptar”.

Essa adaptação é tão necessária que se reflete nas mais de 20 mil assinaturas de professores contrários à vigência do acordo, recebidas pelo senador, e que diziam não saber o que iam ensinar em 2013 para os alunos.

 

O professor Eduardo Tristão destaca pontos positivos do acordo: “Ele envolve não apenas uma postura
acadêmica ou científica, mas também uma postura de cidadania, cujo interesse é nacional”
 
 

Mesmo com todas as críticas que as novas regras vêm sofrendo, a Academia Brasileira de Letras as vê com bons olhos. A incorporação das letras “k”, “w” e “y” ao alfabeto, por exemplo, seria uma evolução, além das demais mudanças, que foram pensadas para unificar a língua portuguesa. “Preparamo-nos para celebrar o fim do trema. Tiramos um peso dos ombros de quem escreve. Longe de ser um prejuízo, é um lucro. Também se vão o acento agudo de ‘ideia’ e o circunflexo de ‘voo’ e ‘enjoo’. O que nós propusemos foi a unificação da grafia”, explica Evanildo Bechara, professor e membro da ABL.

 

O professor de literatura do Colégio Loyola de Belo Horizonte Roberto Mauro de Souza Tristão não vê problema com as mudanças, pois a adaptação vem sendo feita desde 2008. “O acordo não constitui nenhuma novidade e foi recebido com naturalidade, porque envolve não apenas uma postura acadêmica ou científica, mas também uma postura de cidadania, cujo interesse é nacional. Todos do Colégio Loyola têm contato com textos produzidos a partir da nova ortografia, por meio de produções literárias, oficiais e jornalísticas, por exemplo”, diz. Além disso, a escola criou um projeto específico na área da ortografia, em 2011, para que os alunos dos ensinos básico e médio tivessem maior facilidade no entendimento das mudanças da língua.

 

Essa visão pacífica não é compartilhada pelo gramático, escritor e ex-professor do curso de Letras da UFMG, Mário Perini. Conhecido nacionalmente por seu livro Para uma Nova Gramática do Português, em que aponta falhas de grande parte das regras de nossa língua, consideradas impositivas por não trazerem explicações sobre seu uso, ele é um opositor do acordo. “A reforma não foi bem feita. Ela foi elaborada de maneira irresponsável e incompetente, por pessoas que não entendem bem do assunto”, diz.

Um exemplo das incoerências das novas regras é o fim do trema na palavra “linguiça”, que, segundo o gramático, torna mais difícil a leitura, pois os termos “guerra” e “aguenta”, que são pronunciados de forma diferente, continuarão escritos do mesmo jeito. Mas existe um ponto positivo apontado por Perini, que é o fim do acento agudo diferenciador de palavras.

 

Confusões à parte, o certo é que “plateia” continuará sem acento e “voo” sem circunflexo; e, em 2016, quem escrever essas palavras da forma antiga estará cometendo um erro – a acentuação pode se tornar até “pegadinha” em vestibulares e concursos.

 

Para não errar

 

Atenção às principais mudanças do acordo ortográfico

 

Acento circunflexo
Os hiatos “oo” e “ee” não recebem mais acento: abençoo, perdoo, magoo, enjoo, leem, veem, deem e creem.
Atenção: continuam acentuados (ele) vê, (eles) vêm , (eles) têm, etc.

 

Acento agudo sobre o “u”
Não se acentua mais o “u” tônico das formas verbais argui, apazigue, averigue. Não se acentuam mais o “u” e o “i” tônicos precedidos de ditongo em palavras paroxítonas: feiura, bocaiuva, baiuca e Sauipe.
Atenção: feiíssimo e cheiíssimo continuam acentuados porque são proparoxítonos; bem como Piauí e teiú, que são oxítonos.

 

Ditongos abertos
Os ditongos “éi”, “ói” e “éu” perdem o acento, como boia, paranoico, heroico, plateia, ideia e tipoia. Mas continuam a ser acentuados no final da palavra, como céu, dói, chapéu, anéis e lençóis.
 Atenção: o acento será mantido em destróier e Méier, conforme a regra que manda acentuar os paroxítonos terminados em “r”.

 

Hífen
Se o segundo elemento começa por “h”: anti-herói, macro-história, mini-hotel, super-homem,
geo-história, giga-hertz, bio-histórico e super-herói. Para separar vogais ou consoantes iguais: anti-imperialista, anti-inflamatório, contra-atacar, entre-eixos, hiper-real, infra-axilar, inter-racial, micro-ondas, mega-apagão e sub-bibliotecário.
Atenção: Esta regra não se aplica às palavras em que se unem um prefixo terminado em vogal e uma palavra começada por “r” ou “s”. Quando isso acontece, dobra-se o “r” ou “s”: microssonda (micro+sonda), contrarregra, motosserra, ultrassom, infrassom, suprarregional. O hífen se mantém em prefixos “pan” ou “circum”, seguidos de palavras que começam por vogal, “h”, “m” ou “n” pan-negritude: pan-americano, pan-helenismo, circum-navegação, pan-negritude e circum- urados. E com “pós”, “pré” e “pró”: pós-graduado, pré-operatório e pró-reitor.

 

Acento diferencial de tonicidade    

Não se acentuam mais certos substantivos e formas verbais para distingui-los graficamente de outras palavras: para (preposição) e para (verbo); pelo (contração de preposição+artigo) e pelo (substantivo).
Atenção: Esta regra aplica-se também às palavras compostas: para-brisa, para-raios. Para evitar confusões, foram mantidos os acentos do verbo pôr e da forma do pretérito perfeito pôde. O acento de fôrma (distinto de forma) é facultativo.

 

Trema
Deixou de ser usado, mas nada muda na pronúncia: bilíngue, pinguim, cinquenta, linguístico, delinquente, sequestro, consequência e linguiça.
Atenção: exceção para nomes próprios estrangeiros (como Müller e Bündchen).

 

Fonte: Portal UOL Educação

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