Passam-se os tempos e vão-se os cadernos de caligrafia, junto com o orgulho de tê-la formosa. Em contraste, até hoje os chineses não concebem um intelectual que seja deselegante na aparência dos seus escritos. Mas, desde o século XIX, a máquina de escrever rondava, bem como a invenção de um método para usar todos os dedos e não olhar o teclado. No Brasil, milhares de pessoas – incluindo este autor – batucaram nas máquinas das Escolas Remington, em busca de mais velocidade e menos erros (estes últimos, de correção penosa).
Mas eis que somos tomados de assalto pelos computadores e seus teclados. O que era assunto de secretárias entra na agenda do presidente da República e, também, do favelado que comprou um computador à prestação. Aflora o dilema: “catar milho” ou aprender metodicamente a usar os 10 dedos?
Havia preconceitos. Na década de 1980, vi um alto funcionário público argelino recusar-se a sentar-se à mesa do computador, durante um curso em que se simulavam custos de escolas profissionais.
Quando minha filha tinha 11 anos, ofereci a ela um generoso prêmio financeiro, com a condição de usar os 10 dedos para digitar os arquivos de um livro. Após essa tarefa, tornou-se rapidíssima no teclado. Hoje, o aprendizado é facilitado por centenas de softwares de digitação, alguns gratuitos. Treinei por algumas horas com um deles e observei progressos bem consideráveis.
Inicialmente, passar da “catação de milho” para os 10 dedos sem olhar o teclado traz perda de velocidade. Difícil precisar, mas, após 10 a 30 horas, a velocidade aumenta, sem que façamos qualquer esforço deliberado. Cresce no piloto automático. Em contraste, quem “cata milho” avança bem mais lentamente, se é que avança. Já foi medido, o melhor “catador de milho” não atinge a velocidade de um medíocre datilógrafo de 10 dedos.
Para quem gosta de teorias, falemos de uma memória muscular.
Há vantagens óbvias em dominar o método certo. Em primeiro lugar, escrevemos mais rápido (mais de 30 palavras por minuto, em contraste com 20, para os “catadores” usuais). Se o teclado dispensa a visão, olhamos a tela, vendo os resultados e corrigindo rapidamente os erros. Sobretudo, pensamos mais no que redigimos. Segundo a revista digital MIT Technological Review (15/8/11), “nosso cérebro fica livre para pensar nas ideias, sem ter de desperdiçar recursos mentais... Podemos escrever na velocidade do nosso pensamento”.
Valem o esforço e a frustração inicial de ver a velocidade cair para a metade ou um terço da que se conseguia “catando milho”? Impossível quantificar a perda de produtividade dos “catadores de milho”, mas deve ser escandalosamente alta. Quem escreve muito terá grandes vantagens no investimento.