Segundo pesquisa da Common Sense Media, organização americana dedicada a buscar informações sobre mídia e infância, em 2013, a quantidade de crianças com menos de 2 anos que já usou um tablet ou um smartphone para jogar, assistir a vídeos ou ver conteúdos de mídia nos Estados Unidos chegou a 38%, número quase quatro vezes maior do que em relação a 2011, quando atingia apenas 10%. No Brasil, as pesquisas sobre a área ainda são incipientes, mas não há dúvidas de que estamos no mesmo caminho. E nessa hora surge a dúvida: os pais devem atender ou não ao desejo da criançada e permitir sua entrada no mundo tecnológico, já que, fora do universo infantil, estão todos conectados?
Para a psicopedagoga Cristina Silveira, o caminho é o do equilíbrio. "A tecnologia já é uma realidade e estamos cada vez mais envolvidos por ela. É usada em escolas para intervenções pedagógicas, pesquisas, trabalhar a atenção e memória, entre outros objetivos. Mas o uso abusivo pode trazer prejuízo tanto motor como emocional, e tanto para crianças como para adultos.
Foi justamente um caso eventual de vício do filho que fez com que Isabela Soares, mais conhecida como Bebel, arquiteta e idealizadora da comunidade Padecendo no Paraíso, que reúne virtualmente quase 5 mil mães belo-horizontinas, entrasse para o time do "pouco ou nenhum contato". Apesar da relação próxima com o mundo virtual, a mãe de Felipe Lorentz, de 4 anos, diz-se radicalmente contra a introdução de artigos tecnológicos na rotina das crianças. "Eu já limitava o tempo do meu filho com meu tablet, mas, quando ele deu um chilique por conta de um bichinho de estimação virtual que tinha se tornado prioridade absoluta da vida dele em um dia, eu tomei birra. Nada que vicie uma criança tão rápido pode ser confiável", diz.
Hoje, Felipe tem permissão para mexer no gadget da mãe duas vezes a cada mês. Parece pouco, mas ele nem sente falta, já que Bebel faz questão de manter o filho ocupado. Sempre que pode, desce até o playground do prédio onde moram para que ele brinque na piscina com os vizinhos. Peças de montar e livros de colorir também estão sempre à disposição. "Reconheço que uma vez ou outra o tablet é útil para mostrar coisas para as crianças e há, claro, hora em que é preciso ficar em casa. Mas permitir que as crianças criem uma vida em torno da tecnologia é deixar de fora uma série de experiências que trazem aprendizado e geram memórias.
Apesar de "atrasada" em relação às amigas, Cleo diz entender bem a posição do pai, que sempre procura explicar a razão das negativas. "Sou nova e entendo que ele sabe mais das coisas que eu", diz, compreensiva.
Já na casa da contadora Carla Martins não há tantas regras. Por conta da rotina de trabalho puxada, fica difícil colocar limites no uso do tablet para os três filhos. Segundo ela, Daniel, de 10 anos, Izabella, de 8, e Matheus, de 6, alternam o uso do aparelho em casa em busca de "descobertas" que são repassadas à noite, quando os pais retornam. "Eu acho o máximo! Tenho certa dificuldade com essa tecnologia toda, ainda apanho muito, em meu trabalho, do computador, do celular. Já os meninos levam numa boa! Às vezes me cobram um aparelho melhor, mais rápido. Eles assimilam tudo tão rápido que fico impressionada", diz.
O supertecnológico Alexandre Bifano também acredita que o mundo digital possa trazer muitos ganhos para as crianças. "Eu acho que a tecnologia deixa a criança, em geral, muito mais esperta. O videogame força o cérebro a buscar soluções para os problemas, trabalha sua visão periférica e sua capacidade cognitiva. Exige atenção. O Haruki é muito focado e ouve direitinho quando vou ensinar algo para ele no computador", conta. Haruki tem apenas 3 anos, mas já pode ser considerado uma ferinha tecnológica: ele já mexe no computador sozinho, coloca vídeos no Youtube, diverte-se com joguinhos no tablet e acompanha o pai nas conquistas no videogame.
A mãe, Ana, conta que os joguinhos educativos também são boas opções de diversão, aliados da aprendizagem para o filho. "Somos superligados em tecnologia desde sempre, não fazemos nada sem. Não tinha como ser diferente com o Haruki", diz. Alexandre garante que não há motivo para preocupação, já que ele mesmo é uma dessas crianças que cresceram conectadas. "Interajo com isso desde os 4 anos de idade e nunca deixei de fazer as outras coisas de criança ou adolescente. O que é preciso ensinar é que a tecnologia anda com o resto da sua vida. Ensinar a lidar com isso é prepará-lo também para lidar com a vida", afirma.
Cristina Silveira, que também é arte-terapeuta e artista plástica, não descarta que existem, sim, benefícios na tecnologia, mas reforça que os estímulos devem ser os mais diversos possíveis e que é preciso acompanhar o desenvolvimento da criança. "Na minha opinião, esse hábito não deveria ser introduzido antes dos 4 ou 5 anos. A criança, nessa idade, precisa desenvolver sua coordenação motora, principalmente porque estará sendo alfabetizada. É a época em que a criança começa a desenhar, ler e escrever. Para isso, sua coordenação motora fina deve ser mais estimulada. O desenho, o manuseio de materiais diversificados como a massinha, a argila, a terra e as tintas são muito necessários. Introduzir a tecnologia antes disso pode privar a criança de usufruir de tudo isso.".