Kenji não está sozinho. A mobilidade permitida por aparelhos como tablets e smartphones faz com que seja fácil ficar conectado até altas horas, inclusive quando já se está deitado na cama.
A principal hipótese é de que essa influência se dê pela inibição da liberação de melatonina, hormônio considerado responsável por avisar ao corpo quando está na hora de dormir. Segundo a pesquisadora belo-horizontina Mariana Figueiro, do Centro de Pesquisa da Luz do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos, a luz azul de ondas curtas, característica dos novos aparelhos com autoiluminação, é especialmente influente nessa inibição. Isso porque fotorreceptores dos nossos olhos (de onde são emitidos sinais ao cérebro quanto à secreção da melatonina) são muito sensíveis a esse tipo de luminosidade. Assim, se a pessoa usar até muito tarde esses aparelhos, terá uma alteração na liberação de melatonina, o que, segundo se acredita, atrasa o sinal do sono em nosso corpo.
Dessa forma, os usuários dos gadgets podem demorar mais a dormir e, como o horário de acordar costuma se manter - para que se cumpram compromissos como trabalhar, estudar, resolver problemas no horário comercial -, as horas de sono são comprometidas. Segundo o psiquiatra Maurício Viotti, médico do sono, é preciso ter a consciência de que dormir é importante para o corpo e pode haver consequências sérias, no longo prazo, para quem dorme pouco. Se o hábito continuar por meses, diz ele, isso pode gerar desgaste, tensão e afetar a memória, além de problemas físicos, como ganho de peso. "Há estudos mostrando que pessoas que trabalham em turnos - e portanto dormem menos -, têm insônia.
Ainda de acordo com o especialista, não há tantas informações sobre as consequências específicas em crianças, pois os estudos são feitos, normalmente, em adultos. Contudo, ele afirma que algumas das reações comuns desse grupo quando privados de sono são irritação e dificuldade de concentração, o que pode gerar baixa no rendimento escolar. Foi o que aconteceu com o estudante Vitor Loureiro, de 13 anos. Segundo sua mãe, a publicitária Andrea Loureiro, ele não conseguia se concentrar nos estudos, o que comprometeu seu desempenho na escola, e tinha dificuldade para dormir depois que se deitava. "Os jovens têm consumo grande desse tipo de equipamento, e o hábito deles é ficar horas em chats no smartphone. Há grupos de WhatsApp nos quais as pessoas viram a noite conversando", diz Andrea.
E não adianta achar que isso se compensa dormindo durante as tardes. A recomendação médica quanto ao sono é não apenas dormir o tempo suficiente, mas também durante a noite. Segundo o neurologista Rogério Gomes Beato, médico do sono, há funções do corpo que são realizadas especificamente no período noturno, como a liberação de certos hormônios. Por isso, o ideal é sincronizar o relógio biológico (o seu "tempo") com o relógio social (horários de funcionamento convencionados pela sociedade) e o ambiental (dia e noite). Assim, dorme-se o suficiente, na hora adequada, sem atrapalhar a vida pessoal ou profissional. O especialista lembra que o problema de dormir pouco é um fenômeno mundial, fruto do modo como vive a sociedade de hoje. Mas não deixa de ressaltar: "É importante manter um ritmo e ter uma rotina relacionada ao sono." Para isso, mexer no celular ou no tablet à noite, nem pensar! .