Quem é: Juca Ferreira, 68 anos
Origem: Salvador (BA)
Formação: Sociólogo pela Universidade de Sorbonne, Paris
Carreira: Presidente da Fundação Municipal de Cultura e futuro secretário municipal de Cultura de BH. Foi vereador e secretário do Meio Ambiente de Salvador. Trabalhou como secretário executivo durante a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura. Em 2008, assumiu o mesma pasta. Em 2013 e 2014, ocupou o cargo de secretário de Cultura da cidade de São Paulo. Entre janeiro de 2015 e maio de 2016, ocupou novamente a função de ministro da Cultura
ENCONTRO - O senhor aceitou logo de cara o convite do prefeito Alexandre Kalil?
JUCA FERREIRA - Há um mês estava em um fórum internacional sobre gestão cultural em BH. E no último dia do evento recebi o recado do prefeito Alexandre Kalil e já era o convite para eu fazer parte do governo. Ele disse que a secretaria estava em construção, mas que poderia me nomear para a Fundação Municipal de Cultura enquanto isso. Disse que era bom para eu ir me ambientando com tudo. Pedi 10 dias, pois tinha de conversar com a minha família antes, que mora em Brasília. Ela não tem condições de vir agora. Depois dos 10 dias retornei, acertamos e o prefeito anunciou no Twitter.
O que o senhor fazia antes de aceitar o cargo?
Estava me estruturando para fazer consultorias.
O antigo presidente da FMC, Leônidas Oliveira, dizia que o perfil de trabalho dele era pela descentralização da cultura. Qual será o seu?
Não penso muito nisso. O perfil vai aparecer à medida que eu for trabalhando. Mas, pelo que já fiz no ministério, na Bahia e na cultura de São Paulo, certamente retomarei essa ideia de descentralizar. Criar acesso à cultura em todos os segmentos sociais, dar atenção especial aos mais pobres, que são os que mais necessitam das políticas culturais.
Já tem em mente quais seriam as primeiras ações?
Desde que cheguei, tenho uma ideia de fortalecer os processos de formação na área da cultura e das artes. Pouco antes de vir para cá, estava em Fortaleza. Lá, eles têm um dos melhores projetos nesse assunto. O diálogo vai nos ajudar muito. Há coisas boas no Brasil inteiro e se conseguirmos um diálogo generoso podemos desfrutar das melhores condições para desenvolver o trabalho. É preciso estar atento também com o interior e os processos culturais que chegaram à capital a partir da migração das últimas cinco décadas. Acredito também que BH está pronta para ter presença maior no Brasil por meio de sua cultura e das suas linguagens artísticas.
É desafiador estar à frente de uma pasta como essa, numa época em que a cena cultural tem se mostrado ainda mais plural e diversa?
Não acho um desafio, pelo contrário. Gosto de trabalhar com pessoas empoderadas. Com áreas que tenham protagonistas fortes e processos conscientes de produção. Trabalho sempre com a ideia de gestão compartilhada. Não acredito em gestão cultural produzida dentro de repartição pública. Implantei isso no ministério e estava sendo executado em São Paulo.
O Brasil vive um momento difícil, e nem é só do ponto de vista econômico, mas na instalação de certa boçalidade. Está acontecendo uma desconstrução do Estado, das políticas culturais, de programas que estavam dando certo. O Ministério da Cultura está sendo corroído por dentro. BH se destaca pelo esforço que o prefeito fez de recriar a Secretaria de Cultura. Esse é o desafio, pois nos coloca uma responsabilidade a mais. Os olhos do Brasil inteiro vão se voltar para BH. Por isso, temos de produzir algo aglutinador e que possa servir de alento para outras cidades e estados. E essa não é uma responsabilidade só minha como secretário, mas de todos os gestores culturais.
Muitos artistas e gestores locais aplaudiram a escolha de seu nome. Essa alta expectativa influencia seu trabalho?
Influencia e me agrada. Eu não gosto é da indiferença, da subestimação, da agressividade, da falta de acolhimento. E se a cidade me acolheu - e eu sinto isso - me estimula a trabalhar. Eu estou muito otimista. Existe a dificuldade econômica, mas espero que eu tenha um mínimo para trabalhar. O resto é diálogo e muita escuta. Não chegaria aqui com a ideia de acabar com tudo e começar do zero. A criação da Secretaria de Cultura gerou até certa preocupação. Para começar bem, a secretaria tem de partir do que está feito, corrigir o que estiver equivocado e ampliar o que deve ser ampliado.
A crise econômica provocou cortes no orçamento da FMC neste ano e a classe artística ficou temerosa quanto à realização de eventos já consagrados, como o Festival Internacional de Quadrinhos e a Virada Cultural, que geralmente acontecem no segundo semestre. Eles serão mantidos?
Sim. O que estamos analisando é a necessidade de passar alguns desses eventos para o primeiro semestre de 2018, pois não haveria tempo suficiente para prepará-los. Acho que seria uma perda gerar descontinuidade de eventos que têm público e que já fazem parte da dinâmica da cidade. Esse é o primeiro tema que estou trabalhando com os auxiliares para termos uma resposta o quanto antes.
O carnaval tem ganhado força a cada edição. Neste ano, movimentou mais de 500 milhões de reais e quase 3 milhões de foliões participaram. A festa vai continuar sendo realizada pela Belotur ou existe a ideia de puxá-la para a secretaria?
Ideia tem, pois já vieram me soprar no ouvido. Mas não sei se temos é estrutura. Parece um bom movimento, mas devemos ter cuidado para não perder a expertise. Mesmo sem sermos o responsável pela festa, podemos ajudar muito. Eu cheguei para somar. E este é um assunto no qual a soma cai bem.
E o carnaval renasceu em BH por causa de movimentos sociais que passaram a ocupar a cidade espontaneamente. O gatilho foi em 2010, quando a gestão passada restringiu eventos culturais na praça da Estação, dando origem à Praia da Estação. O que o senhor pensa sobre esses fenômenos?
Acho ótimo. É o lado saudável da urbanidade. Os cidadãos e cidadãs ocupando a sua cidade. Legalizei o carnaval de rua de São Paulo. Logo quando cheguei, houve uma manifestação na porta do meu gabinete. Eram carnavalescos que queriam a descriminalização da festa. Achei estranho. Como o carnaval seria criminalizado? Fiquei sabendo que o evento só era permitido no sambódromo. Foi aí que preparamos um decreto para o prefeito. Escrevi à mão a seguinte parte: "não poderá ser privatizado nenhum espaço público nem é permitido o uso de cordas que legitime esse tipo de privatização". Isso foi a partir da experiência da Bahia, que está passando por uma crise. A Bahia é um dos espaços onde avançou mais a privatização do espaço público.
No ano passado, o Conjunto Moderno da Pampulha se transformou em Patrimônio Cultural da Humanidade. O senhor tem planos para a região?
Acabando esta entrevista vou visitar a Pampulha. Sei que tem problemas. Agora, temos é que transformá-la em um ativo cultural e turístico da cidade. Vai exigir certo investimento, mas é um patrimônio reconhecido pela Unesco. Tem importância também pela expressão modernista de Niemeyer. É um patrimônio de grande relevância para BH e para o estado.
Efetivada a Secretaria Municipal de Cultura, o que caberá à FMC?
Já havia declarado que não via contradição alguma de as duas trabalharem juntas. Boa parte das secretarias municipais, estaduais e dos ministérios precisa ter estruturas descentralizadas em seu sistema de gestão. Elas são mais ágeis até por força de lei. Podem avançar na captação de recursos e na organização de eventos. O que temos de pensar é como articular o sistema. Como a parte centralizada (secretaria) trabalhará com a descentralizada (fundação). E já começamos a pensar nisso.
Há muitas semelhanças e diferenças. São Paulo é a maior cidade brasileira. Com as cidades próximas, são mais de 20 milhões de pessoas. Todo processo cultural é muito grande. Aqui é menor, não tem aquela escala e o nível de internacionalização das pessoas. Minas Gerais tem de conquistar um caráter forte nacional. E pode conquistar. Minas tem relação com o Nordeste, o litoral e o Sudeste. Aqui, vou trabalhar em cima da singularidade de BH.
E quais são as nossas singularidades?
Em São Paulo, toda vez que ouvia alguém dizer que a cidade tinha os melhores grupos de dança do Brasil, eu dizia "Calma, gente. Vocês já foram a Minas?". Tenho três filhos e um deles, o de 16 anos, acompanha muito a cena do hip hop. Ele sempre diz que o gênero é mais forte aqui do que em São Paulo. O patrimônio também é muito forte. Há muitas coisas aqui para serem valorizadas e que podem ganhar visibilidade em escala nacional.
O senhor não esconde a sua visão ideológica e política. Há uma polarização ainda forte no país e, por causa disso, o senhor pensa que pode enfrentar algum tipo de resistência?
Não escondo. Sou fratura exposta (risos). Mas não acredito que possa haver alguma resistência. Acho que a cultura não é questão de esquerda ou de direita, a cultura é uma questão de civilização ou barbárie. Se queremos desenvolver o país e torná-lo bem-sucedido no século XXI, temos de pensar em duas políticas: educação de qualidade para todos e desenvolvimento cultural com acesso de todos. Essa lógica não é propriedade de nenhum campo ideológico ou político. Faz parte de qualquer projeto de desenvolvimento que tenha o mínimo de lucidez. Qualquer ponte verdadeiramente para o futuro tem de considerar a cultura como ativo importante de desenvolvimento do país e de sua democracia. Por muitos anos não me dedicava à política, mas depois do afastamento da Dilma, que considero um golpe de Estado, passei a usar o meu Facebook para me manifestar pela retomada da democracia. Enquanto não restabelecermos a democracia, o que passa pelas eleições diretas, vamos viver essa crise e essa instabilidade. Todo o país está se estranhando e com dificuldades de aceitar o outro que pensa diferente, mas eu já estou na escala pós-golpe. Morei na Suécia e vi que é possível os diferentes se respeitarem.
E onde vai morar aqui?
Pretendo morar perto do trabalho - no centro -, para facilitar a vida, mas em algum lugar que seja residencial, pois algumas vezes meus filhos virão me visitar. Por ser uma cidade planejada, o centro de BH é vivo, tem muitas pessoas que moram aqui.
Nas vindas à capital mineira algo já lhe chamava a atenção?
É uma das capitais mais afáveis do país. O mineiro tem uma maneira mansa de se relacionar, diferente de outras cidades, que são mais estressadas. A gastronomia daqui é maravilhosa. E olha que é um baiano dizendo. Minas, Bahia, Pará e talvez mais outras duas gastronomias são as mais fortes do Brasil. O problema é que engorda, estou tomando cuidado. Vocês comem muito torresmo (risos).
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