Dona Branca teve de assumir a Braúnas no susto, após a morte do marido e fundador do negócio, Francisco Cardoso Assumpção, para criar os sete filhos. Já sua neta escolheu entrar nessa empreitada por livre e espontânea vontade.
Quando Roberta assumir definitivamente a Braúnas, vai ajudar a diminuir desproporções que ainda são evidentes no mundo empresarial. Apenas 5% das presidências de grandes companhias mundo afora eram ocupadas por mulheres em 2015, segundo a Organização Internacional do Trabalho. Aliás, de acordo com o relatório, quanto maior a empresa, menor a chance de o comando ser feminino. No Brasil, esse número estava em 10% no mesmo ano. Em termos de cargos gerenciais, o número mais recente do IBGE, de 2018, é de que 37,8% deles são ocupados por mulheres, apesar de elas representarem pouco mais da metade dos trabalhadores (51,7%) brasileiros.
Ao falarmos de donos de negócios, os números não são mais animadores. No país, mulheres representam cerca de 30% dos empreendedores: em 2015, eram 8 milhões de mulheres e 17,5 milhões de homens. A boa notícia é que essa desigualdade está diminuindo. De 2005 para 2015, a expansão do número de donas de negócios foi de 15,4%, sendo que o número de homens donos de negócios cresceu 10,5%. Em relação a empresas de micro e pequeno porte - que são a maioria esmagadora dos negócios no Brasil -, elas já são maioria entre as empreendedoras em estágio inicial. "As mulheres vêm tomando essa frente. Que fique claro que elas sempre trabalharam muito, mas eram menos presentes no mercado formal", afirma Jaqueline Lima, analista da unidade de educação e empreendedorismo do Sebrae-MG. "Elas estão se empoderando e se articulando melhor.
Outro dado positivo é quanto ao senso de inovação que elas trazem para o mundo dos negócios. De acordo com a pesquisa GEM 2016-2017, que trata de empreendedorismo no mundo, mulheres empreendedoras têm 5% mais chance de serem inovadoras. "Esse dado contrapõe qualquer ideia de que inovação é um domínio masculino", afirmou a empreendedora e jornalista Susan Price, em artigo para a Forbes. A informação quer dizer que mulheres têm mais probabilidade do que os homens de introduzir produtos e serviços novos aos consumidores, ou seja, não aqueles já oferecidos pelos competidores.
Formada em farmácia e bioquímica, foi justamente pela inovação que a mineira de Três Pontas Vanessa Vilela fundou seu negócio, a empresa de cosméticos Kapeh. Após anos trabalhando na indústria farmacêutica, Vanessa, que sempre quis ter a própria marca, resolveu começar a pesquisar de que forma iria empreender. Oriunda de uma região cuja principal atividade econômica é a produção cafeeira e vinda de uma família que também era envolvida com o agronegócio, ela decidiu estudar a possibilidade de basear o empreendimento no grão. "Fiz parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e destrinchamos toda a composição química do café. Vimos que ele, em sua forma verde, antes da torra, é extremamente rico e benéfico para nossa pele, altamente antioxidante, com altíssimo teor de clorogênicos, cafeína, flavonoides", explica. Com essa oportunidade em mãos, passou a desenvolver os produtos - inicialmente, sete, atualmente, 130 - da Kapeh, palavra que quer dizer café no dialeto maia. "Foi um estudo bem pioneiro.
E não é apenas esta a geração a pensar à frente. A empresária Flávia Fulgêncio herdou da mãe o espírito inovador. Ana Maria Fulgêncio, que fundou a escola de inglês Green System em 1973, já inovara quando começou a oferecer novas formas de experiências com o inglês - levando as turmas para a Disney, promovendo intercâmbios e abrindo turma para crianças a partir de 4 anos de idade. Flávia levou a inovação além e abriu a EBI (Escolas Bilíngues Internacionais), empresa que implanta programas bilíngues em escolas tradicionais, dotando-as da capacidade de oferecer conteúdos em inglês. É a única do Brasil que trabalha com conteúdo escolar específico (e não temas genéricos) e tem a chancela da National Geographic Learning. "Minha mãe fez uma parte extremamente difícil, que foi começar do zero, tirar o negócio do nada", afirma Flávia, que, além de ter fundado a EBI, é diretora acadêmica do grupo Green. "Eu não tive dificuldades, como mulher, de empreender ou chefiar, mas minha mãe, sim, naquela época."
A inovação também falou mais alto como oportunidade de negócios no caso da empresária Miriam Penna Diniz. Ela, que havia assumido a empresa de montagens metálico-mecânicas fundada pelo pai, Aníbal Paulo Diniz, não ficou satisfeita apenas com tocar o negócio familiar, ainda que a Emap estivesse crescendo mais de 100% ao ano. Enquanto participava da execução da obra de reforma do estádio Mineirão para a Copa do Mundo de 2014, teve a chance de montar a usina solar da arena para uma empresa estrangeira que havia ganho a concorrência da empreitada (não havia empresas brasileiras no páreo). Ao perceber que essa área e essa tecnologia eram ainda pouco exploradas no país, decidiu investir nisso. Abriu primeiramente um braço na empresa voltado para esse projeto e, com o tempo, voltou-se de maneira exclusiva para o empreendimento na área fotovoltaica, junto a dois sócios. "Entramos no mercado em um momento muito inicial do negócio no Brasil", afirma. "O Mineirão é praticamente o primeiro projeto de grande visibilidade no nosso país." Atualmente, estão entre seus clientes MRV, Bioextratus e Piracanjuba.
Quem também decidiu seguir a própria vocação em vez de entrar no negócio do pai, a rede de materiais para construção CNR, foi a publicitária Roberta Vasconcellos. Quando estava se formando, surgiu a oportunidade de estagiar na área comercial de uma startup. Foi tiro e queda: apaixonou-se pelo ramo da tecnologia. Atualmente, está à frente, ao lado de dois sócios, da BeerOrCoffee, maior plataforma de espaços de coworking no Brasil. A startup, que começou como uma rede para conectar pessoas que estivessem próximas geograficamente e tivessem interesses profissionais compatíveis, foi se desenvolvendo e se transformando até chegar ao atual modelo de negócio. "Pagando uma assinatura, o cliente consegue trabalhar em qualquer um dos coworkings credenciados, em qualquer lugar do Brasil", diz.
Apesar de ser vista como uma área moderna e antenada, a tecnologia ainda é majoritariamente masculina. Há alguns anos, rodou na internet um relatório da Google em que a empresa assumia que ainda precisava trabalhar na diversidade. Na ocasião, em 2014, apenas 30% dos funcionários eram mulheres. Em 2017, o número aumentou para 31%. "A isso damos o nome de teoria das portas de vidro: parece que este é um segmento aberto, mas na verdade não é", afirma Ciranda de Morais, fundadora da She’s Tech, movimento que visa fortalecer a presença das mulheres na tecnologia. "Quando falamos de empreendedores na área de tecnologia, apenas 10% são mulheres."
Ciranda explica que as barreiras são muitas e que começam ainda na infância, quando as mulheres são afastadas de brinquedos considerados "de meninos" e não são estimuladas a desenvolver habilidades nas áreas ciências tecnológicas, engenharia e matemática. "Os brinquedos de menina são vassourinha, fogãozinho, bonecas. Os de menino, blocos montáveis, videogame", diz. Isso persiste na juventude, segundo Ciranda, quando eles são mais incentivados a empreender e sofrem mais pressão para serem bem-sucedidos na carreira do que elas. "Mulheres ainda estão aprendendo com as situações, aprendendo a se posicionar, e os homens ainda estão aprendendo a ouvir. Precisamos chamá-los para estar conosco nesse caminho", afirma Ciranda.
Saber se posicionar foi essencial na trajetória das irmãs Marina e Daniela Medioli, filhas de Vittorio Medioli, presidente do grupo Sada (que atua nas áreas de transporte e logística, indústria e comércio, concessionária, combustível renovável, serviços e imprensa) e atual prefeito de Betim. Desde a entrada de cada uma no negócio - Marina, em 2007, Daniela, em 2011 -, enxergavam pontos que poderiam ser melhorados, em termos de redução de custos e otimização e padronização de processos, e não tiveram medo de propor mudanças que mexeriam profundamente com sua estrutura.
A primeira barreira para implementar algumas delas foi o próprio pai, para quem as propostas pareciam desnecessárias à primeira vista, já que os negócios estavam funcionando - e bem - da mesma forma há muito tempo. Com a chegada da crise, depois de serem bem-sucedidas em projetos de menor porte (por exemplo, na unificação dos 27 planos de saúde de todas as empresas) e com o espaço deixado pelo pai, que se afastou mais efetivamente para assumir o cargo de prefeito, passaram a pensar mais alto em relação a governança, eficiência e unidade do grupo. Na primeira dessas grandes transformações - criar um centro de serviço para compartilhar todas as atividades administrativas transacionais das empresas do grupo -, lideraram sozinhas uma reunião com mais de 20 executivos para explicar a proposta. Fizeram as contas: eles tinham, em média, 24 anos de empresa, e Daniela, a filha mais nova, tinha 25 anos de idade na ocasião. "Fomos conversando, fazendo reuniões, demonstrando a importância das mudanças e, com o tempo, convencemos todos disso", diz Daniela.
A diretora do Shopping Cidade, Anna Gaetani, também teve de dobrar o pai antes de assumir o mall. Durante a discussão do processo sucessório dos negócios familiares, ela, que trabalhou por anos como advogada, chegou à conclusão de que gostaria de atuar nesse empreendimento, que acreditava ter mais potencial para crescer e se qualificar. "Eu queria que ele fosse visto como um negócio de varejo, mais do que imobiliário", diz. Ítalo Gaetani, sócio-fundador da construtora Castor, titubeou. "Ele dizia que o Cidade andava sozinho", afirma. Anna ficou de junho a setembro de 2010 desempregada, depois de pedir demissão do escritório onde trabalhava, enquanto tentava convencer o pai. Assim que começou no batente, provou que ter alguém no shopping com uma função estratégica, com autonomia para bater o martelo e rapidez nas decisões, era necessário. Suas medidas, como planejar de maneira mais tática o mix de lojas, fizeram toda a diferença na crise. "Fomos o shopping com menor vacância do Brasil em 2016 e 2017."
Anna faz parte de um grupo importante para o aumento da representatividade feminina nos negócios: o de mulheres herdeiras assumindo empresas fundadas pelo pai. Segundo Teresa Roscoe, especialista da Fundação Dom Cabral em empresas familiares, ainda é mais comum vermos mulheres sucessoras quando é a mãe a dona do negócio, e não o pai. "Mulheres são tão herdeiras quanto homens. A grande questão está em terem ou não oportunidade de assumirem a liderança dos negócios e de se prepararem para tal desde cedo", diz.
Antes de assumir a diretoria comercial e de marketing da rede de hotéis Tauá, Lizete Ribeiro passou por diversas funções na empresa. Atendia telefones no escritório central e batia à porta de possíveis clientes empresariais. Ela não apenas é a única mulher dos três filhos de João Ribeiro, fundador do negócio, mas a mais nova. Tem, contudo, tanta voz ativa quanto o irmão Daniel Ribeiro, que é diretor financeiro e de obras. É ela, aliás, quem tem comandado o projeto de expandir a marca por meio da administração de hotéis já existentes - e não apenas da construção de empreendimentos próprios. "Devemos fechar três novos neste ano com a nossa bandeira, e assim dobrar de tamanho em número de quartos", explica ela.
Essa visão ampliada e capacidade de agir em várias direções são um traço feminino de gestão, segundo Fernanda Schröder Gonçalves, gerente nacional de carreiras do Ibmec. "Isso traz vantagem no momento de tomar decisões e enfrentar uma crise, pois é essencial, nesses momentos, conseguir enxergar de vários ângulos", afirma. De acordo com ela, outras características femininas são: ser mais predisposta à mudança e mais flexível, além de mais inclinada a uma gestão colaborativa. Alice Mello, gerente do programa Smith Women’s Global Leaders, da FDC, ressalta que existem homens com perfil considerado mais feminino de gestão e vice-versa. E que o importante é a diversidade. "Existem pesquisas de grandes consultorias que mostram, em números, que empresas com mais mulheres em posições estratégicas têm resultados melhores. Contam com olhares diferentes quanto a uma mesma questão", afirma.
Foi com uma visão 360 graus, habilidade de escutar e um toque de coragem que as irmãs Ana Carolina e Juliana Martins, presidentes da construtora Eficiência, sobreviveram à crise econômica dos últimos anos, que afetou fortemente empresas do setor de construção civil. Em 2014, elas tinham 23 obras simultâneas e 480 funcionários, mas, como ainda atuavam quase exclusivamente no setor público, decidiram parar as obras que não estavam pagando em dia. "Outros empresários mais experientes comparavam essa crise com outras, achavam que passariam bem por ela e que os governos eventualmente pagariam", diz Ana Carolina. Por não terem essa certeza, ficaram com apenas seis obras e decidiram não focar tanto no setor público. Hoje, esse setor responde por 30% das empreitadas. Assim, o faturamento cresceu 33% de 2016 para 2017.
Em ambiente tão masculino quanto o da construção, a advogada Adriana Valle Bechelany teve de lutar para conquistar o respeito dos sócios na rede de concessionárias Fiat Automax. Ela, que era sócia de um escritório de direito tributário e empresarial, decidiu entrar para o negócio familiar, e a aceitação de suas ideias e propostas não foi imediata. "Como vim da área jurídica, achavam que eu só dominaria bem esse setor", conta. "Tive de trabalhar por isso, inclusive com meu pai." Sua estratégia para ter mais segurança e se impor foi enveredar para o financeiro, com o qual tinha afinidade. Funcionou. Hoje, domina todos os setores do negócio, inclusive peças e pós-venda - dos quais diz que não entendia nada antes de entrar - e a resistência inicial já se dissipou faz tempo. Foi ela quem começou o processo de profissionalização da empresa e é quem está à frente da expansão do negócio. "Estamos pensando em investir na área imobiliária e em novas concessões no setor de veículos automotores."
Também a goiana Mariana Normanha, que comanda o grupo de concessionária de veículos Tecar Minas, que vende veículos Fiat, Volkswagen e Jeep, tem desbravado o mundo masculino dos negócios automotivos. Ela, que se descreve como uma pessoa de perfil enérgico e impositivo, diz que uma das dificuldades do início de sua administração foi o fato de muitos homens não aceitarem seu comando. "Se meu marido, que trabalha comigo, dá um comando mais sério, a pessoa acata e repensa sua atitude. Se eu faço o mesmo e essa pessoa não está preparada para me ter como chefe, é um pandemônio. O cara se ofende", afirma. A tática de Mariana foi criar uma equipe menor, coordenada por ela - "pessoas que me conhecem e aceitam minha postura" -, que repassa os comandos para frente. A mudança de sua postura, diz, foi essencial. "Passei a exigir que os homens me tratassem bem, em vez de apenas esperar isso deles", conta. Dona Branca, que assumiu a fábrica de tijolos da família em meados do século passado, quando mulheres como as descritas nesta reportagem eram ainda mais raras, ficaria orgulhosa desta geração.
Roberta Assumpção, 34, diretora comercial e de inovação da Braúnas
Roberta Vasconcellos, 29, co-founder da Beer Or CoffeE
Vanessa Vilela, 40, diretora da Kapeh
Lizete Ribeiro, 39, diretora comercial e de marketing da rede Tauá
Flávia Fulgêncio, 48, diretora acadêmica do grupo Green
Miriam Penna Diniz, 36, diretora de novos negócios da Emap Solar
Ana Carolina Martins, 40, e Juliana Martins, 41, CEOs da Eficiência Construtora
Anna Gaetani, 35, diretora do Shopping Cidade
Mariana Normanha, 33, diretora da Tecar Minas
Marina Medioli, 29, vice-presidente da Sempre Editora e Daniela Medioli, 28, diretora executiva do grupo Sada
Adriana Valle Bechelany, 43 anos, vice-presidente executiva da Automax