Revista Encontro

Cuidado com os médicos famosos nas redes sociais

Episódios como do Dr. Bumbum revelam como a internet pode ser uma vitrine para maus profissionais e a importância de pacientes terem critério e postura ativa na busca por médicos sérios

Marina Dias
- Foto: Pixabay
Seiscentos e sessenta e dois mil seguidores, dezenas de imagens de "antes e depois" de preenchimentos de glúteos e posts com legendas que garantem resultados perfeitos. Respostas a quase todos os comentários de seguidoras com dúvidas sobre as técnicas e textos que divulgam um currículo impecável tanto em termos de experiência - "mais de 9 mil procedimentos realizados com sucesso" - quanto de títulos - "pós-graduado em medicina estética e dermatologia, além de outras áreas da medicina integrativa como ortomolecular, nutrologia e modulação hormonal". Considerando o tamanho do engajamento nas redes, a popularidade na internet e a demonstração de tantos casos de sucesso, pode parecer que esse perfil de Instagram é de um médico com credibilidade e que realize seus serviços de acordo com todos os trâmites legais. A palavra-chave é "parecer". Denis Furtado, o "Dr. Bumbum", dono das credenciais acima, está sendo investigado pela morte de uma paciente em julho passado após uma bioplastia feita por ele em um apartamento no Rio de Janeiro.

A ficha de crimes e atitudes irresponsáveis sendo investigados nesse caso é enorme. A começar pela própria postura do médico em seus perfis na internet. Fazer propaganda de serviços de saúde, garantindo resultados e desconsiderando as possíveis consequências negativas, é atitude condenada pelo Conselho Federal de Medicina, o que inclui fotos de pré e pós-operatório.
Também não se pode dizer ser especialista em áreas nas quais o profissional não tem formação ou por instituição de ensino não credenciada (caso do Dr. Bumbum e sua pós-graduação em dermatologia). Não ter registro de atuação no estado em que trabalha também é proibido. Sem falar na realização de procedimentos em ambientes não adequados às condições exigidas pela vigilância sanitária.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional Minas Gerais, Alexandre Meira, não dá para falar em fatalidade. "Considero uma fatalidade quando você fez tudo corretamente e há uma complicação. Se, por exemplo, uma paciente que sempre toma dipirona tem um choque anafilático ao tomar o medicamento em uma lipoaspiração, cirurgia de apendicite ou parto. A prescrição foi correta, a paciente estava em um bloco cirúrgico, com um anestesista capacitado, que fez de tudo para reanimá-la, mas não conseguiu reverter o processo, apesar de todo o tratamento adequado. Isso é uma fatalidade", explica.

Alexandre Meira diz que a responsabilidade do médico em casos como o do Dr. Bumbum é inegável, mas pondera que o paciente também tem um papel importante ao escolher o profissional com o qual vai fazer um procedimento estético ou cirurgia plástica. "Temos visto pessoas creditando sucesso e capacidade a médicos que têm muitos seguidores nas redes sociais, mas isso não representa a formação, capacidade ou responsabilidade desse profissional, e o paciente tem de saber disso", afirma. "O Dr. Bumbum tinha mais de 650 mil seguidores e era um tremendo picareta."

Esse caso tem tido grande repercussão, mas não é único. Ao contrário: ilustra um comportamento que não é novo - o de charlatões que tentam se dar bem em cima de seus clientes -, mas que ganhou novos contornos depois das redes sociais.
Veja alguns trechos da entrevista com Alexandre Meira sobre esse fenômeno e suas consequências.

Nas redes sociais, fuja de profissionais que:


Como achar um profissional de qualidade


5 perguntas para Alexandre Meira - presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica em Minas Gerais

- Foto: Uarlen Valério/EncontroVocê avalia que a atuação do Dr. Bumbum nas bioplastias era feita de maneira inadequada?
O Conselho Regional de Medicina não considera o polimetilmetacrilato (PMMA) seguro quando usado com a finalidade estética, da maneira como foi feita no caso do Dr. Bumbum, ou seja, em grandes volumes e em tecidos moles, como é a região glútea. Vários pacientes me procuraram por terem feito procedimentos com esse produto de forma segura, mas que 15, 20 anos depois, desenvolveram reações inflamatórias. E o fato de ter sido feito em casa, e não em um hospital ou clínica especializada, em que há condições apropriadas, isso nem se discute.

É preciso ser especialista para realizar algum procedimento médico?
Do ponto de vista legal, quando se forma em medicina, a pessoa pode fazer qualquer tipo de cirurgia: de coração, abdominal, plástica. Mas existe a residência médica justamente para treiná-la para determinados procedimentos. Os órgãos que reconhecem as especialidades no Brasil são o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira. É prudente que o paciente, quando for fazer determinado procedimento, faça-o com um profissional que esteja adequadamente treinado para isso. Outro ponto é que um médico não pode dizer que é especialista sem ter essa formação.

Como se dá a fiscalização disso?
Normalmente tem de haver a denúncia. Em termos de fiscalização do ambiente, isso é feito pela Vigilância Sanitária.
O que percebemos é que não há funcionários suficientes para fazer isso de forma rotineira e adequada. Em relação ao ato profissional, no caso da cirurgia plástica, cabe à Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e existe uma busca ativa ao profissional que não tem comportamento ético. A sociedade, contudo, pode vistoriar e punir o profissional apenas enquanto especialista, não enquanto médico. Aí a responsabilidade é dos Conselhos Federal e Regional de Medicina, que passam também por esse problema da eficiência. Há ainda a questão da morosidade da Justiça do país: o registro do Dr. Bumbum de Brasília já tinha sido cassado, mas o processo de se defender (que é direito de todo cidadão) é lento, somado ainda a um monte de furos em leis, além de opiniões incabíveis de nossos magistrados. Já tivemos caso de residente com comportamentos inadequados, antiéticos, cujo chefe do serviço decidiu suspendê-lo, mas o residente contratou um advogado, e o processo já tem três, quatro anos. Ele já se formou em medicina e está exercendo a profissão normalmente.

Como vê a presença de profissionais da saúde nas redes sociais?
As redes sociais são extremamente positivas, mas precisam ser usadas de maneira responsável, informativa. O médico não pode prometer resultados, iludindo o paciente e passando uma expectativa irreal. Do outro lado, o paciente também deve ter atenção. Às vezes ele vai a cinco médicos que não concordam com o que ele quer fazer, e então ele vai para as redes, acha um Dr. Bumbum, que faz aquilo a um preço mais tranquilo, ou até alguém que não é médico e que usa silicone industrial. Procure o nome do médico, veja se ele é mesmo especialista, se o que está falando é coerente com informações de outros profissionais éticos, com as informações sobre procedimentos presentes nos sites das sociedades médicas. E desconfie de quem demonstra um otimismo exagerado. Pode haver complicações, ainda que seja raro. Nas redes sociais, tem de ser dito que o paciente deve ser avaliado pelo profissional adequado e que há prós e contras.

Cabe ao médico dizer ao paciente que ele está exagerando em suas demandas por intervenções estéticas, se for o caso?
A cirurgia plástica e o procedimento estético envolvem o seu bem-estar, e por isso podem e devem ser feitos. Mas é preciso ver se o resultado possível atende à expectativa daquela pessoa. E é responsabilidade do médico bem formado falar com o paciente que o que ele quer não pode ser oferecido, se esse for o caso. Isso passa pela formação do médico, inclusive moral e ética. Cabe a ele, sim, dizer ao paciente que não deve fazer um procedimento se aquilo não estiver de acordo com seu biotipo, se ele não estiver preparado emocionalmente, ou se não tiver entendido e aceitado a possibilidade de complicações..