A ficha de crimes e atitudes irresponsáveis sendo investigados nesse caso é enorme. A começar pela própria postura do médico em seus perfis na internet. Fazer propaganda de serviços de saúde, garantindo resultados e desconsiderando as possíveis consequências negativas, é atitude condenada pelo Conselho Federal de Medicina, o que inclui fotos de pré e pós-operatório.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional Minas Gerais, Alexandre Meira, não dá para falar em fatalidade. "Considero uma fatalidade quando você fez tudo corretamente e há uma complicação. Se, por exemplo, uma paciente que sempre toma dipirona tem um choque anafilático ao tomar o medicamento em uma lipoaspiração, cirurgia de apendicite ou parto. A prescrição foi correta, a paciente estava em um bloco cirúrgico, com um anestesista capacitado, que fez de tudo para reanimá-la, mas não conseguiu reverter o processo, apesar de todo o tratamento adequado. Isso é uma fatalidade", explica.
Alexandre Meira diz que a responsabilidade do médico em casos como o do Dr. Bumbum é inegável, mas pondera que o paciente também tem um papel importante ao escolher o profissional com o qual vai fazer um procedimento estético ou cirurgia plástica. "Temos visto pessoas creditando sucesso e capacidade a médicos que têm muitos seguidores nas redes sociais, mas isso não representa a formação, capacidade ou responsabilidade desse profissional, e o paciente tem de saber disso", afirma. "O Dr. Bumbum tinha mais de 650 mil seguidores e era um tremendo picareta."
Esse caso tem tido grande repercussão, mas não é único. Ao contrário: ilustra um comportamento que não é novo - o de charlatões que tentam se dar bem em cima de seus clientes -, mas que ganhou novos contornos depois das redes sociais.
Nas redes sociais, fuja de profissionais que:
- Postam fotos de pré e pós-operatório
- Passam preços de procedimentos
- Fazem diagnósticos via redes sociais
- Fazem promessas de sucesso, dizem que o procedimento que realiza não tem riscos
- Transformam as redes em ferramenta de venda de serviços
- Não usam o perfil no intuito de informar (inclusive sobre possíveis consequências negativas de procedimentos ou cirurgias)
Como achar um profissional de qualidade
- Não associe sucesso nas redes sociais com qualidade do serviço médico
- Procure as credenciais do profissional: se ele tem registro do Conselho Regional de Medicina do estado onde trabalha e se é especialista na área em que atua (se tem Registro de Qualificação e Especialidade - RQE)
- Pesquise o procedimento proposto e veja se está de acordo com o que é descrito em sites sérios, de organizações formais, como as sociedades médicas (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, de Dermatologia, etc.)
- Desconfie de quem cobra preços muito abaixo do mercado
- Peça indicação de outros médicos dos quais você ateste a qualidade e seriedade
5 perguntas para Alexandre Meira - presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica em Minas Gerais
O Conselho Regional de Medicina não considera o polimetilmetacrilato (PMMA) seguro quando usado com a finalidade estética, da maneira como foi feita no caso do Dr. Bumbum, ou seja, em grandes volumes e em tecidos moles, como é a região glútea. Vários pacientes me procuraram por terem feito procedimentos com esse produto de forma segura, mas que 15, 20 anos depois, desenvolveram reações inflamatórias. E o fato de ter sido feito em casa, e não em um hospital ou clínica especializada, em que há condições apropriadas, isso nem se discute.
É preciso ser especialista para realizar algum procedimento médico?
Do ponto de vista legal, quando se forma em medicina, a pessoa pode fazer qualquer tipo de cirurgia: de coração, abdominal, plástica. Mas existe a residência médica justamente para treiná-la para determinados procedimentos. Os órgãos que reconhecem as especialidades no Brasil são o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira. É prudente que o paciente, quando for fazer determinado procedimento, faça-o com um profissional que esteja adequadamente treinado para isso. Outro ponto é que um médico não pode dizer que é especialista sem ter essa formação.
Como se dá a fiscalização disso?
Normalmente tem de haver a denúncia. Em termos de fiscalização do ambiente, isso é feito pela Vigilância Sanitária.
Como vê a presença de profissionais da saúde nas redes sociais?
As redes sociais são extremamente positivas, mas precisam ser usadas de maneira responsável, informativa. O médico não pode prometer resultados, iludindo o paciente e passando uma expectativa irreal. Do outro lado, o paciente também deve ter atenção. Às vezes ele vai a cinco médicos que não concordam com o que ele quer fazer, e então ele vai para as redes, acha um Dr. Bumbum, que faz aquilo a um preço mais tranquilo, ou até alguém que não é médico e que usa silicone industrial. Procure o nome do médico, veja se ele é mesmo especialista, se o que está falando é coerente com informações de outros profissionais éticos, com as informações sobre procedimentos presentes nos sites das sociedades médicas. E desconfie de quem demonstra um otimismo exagerado. Pode haver complicações, ainda que seja raro. Nas redes sociais, tem de ser dito que o paciente deve ser avaliado pelo profissional adequado e que há prós e contras.
Cabe ao médico dizer ao paciente que ele está exagerando em suas demandas por intervenções estéticas, se for o caso?
A cirurgia plástica e o procedimento estético envolvem o seu bem-estar, e por isso podem e devem ser feitos. Mas é preciso ver se o resultado possível atende à expectativa daquela pessoa. E é responsabilidade do médico bem formado falar com o paciente que o que ele quer não pode ser oferecido, se esse for o caso. Isso passa pela formação do médico, inclusive moral e ética. Cabe a ele, sim, dizer ao paciente que não deve fazer um procedimento se aquilo não estiver de acordo com seu biotipo, se ele não estiver preparado emocionalmente, ou se não tiver entendido e aceitado a possibilidade de complicações..