Essa reconquista do espaço e das relações é o que deve ser priorizado no processo de retorno, segundo a psicanalista e mestre em psicologia Alice Oliveira Rezende. "É importante que esse primeiro momento seja de interação, de troca de experiências da pandemia, para depois se preocuparem com conteúdos, com ementa escolar", afirma. "Deve ser um momento de reencontro, de restabelecer laços, e também deve haver espaço para momentos de invenção, de maior liberdade, já que crianças e adolescentes passaram por tanta privação de liberdade nessa pandemia." Nesse sentido, as avaliações diagnósticas, que são unanimidade nas escolas em termos de planejamento, idealmente devem aguardar. Desde dinâmicas de grupo, atenção individual para quem estiver precisando, e muito treinamento de professores e demais funcionários para ajudarem a tentar fazer deste momento mais tranquilo, respeitando a seriedade dos protocolos que precisam ser seguidos, isso tudo está nos planos das instituições.
Em comum, as instituições ressaltam a importância de que o trabalho de escuta e de preparo para o retorno já tenha começado durante o período remoto. No Bernoulli Go, por exemplo, alunos e pais se encontram virtualmente com professores e psicólogos da escola, no intuito de promover esse espaço de compartilhamento de experiências e de abertura para os alunos se colocarem. "Percebemos o quanto os alunos estavam com necessidade dessa fala. A aula online não tem os espaços de lazer, recreio, o papo na porta da escola, em que eles elaboram convivência, relações. Esse espaço estava vago", diz Andreza Félix.
O ensino remoto emergencial foi a alternativa possível durante esses meses, porém, o retorno à educação presencial é recomendado assim que o cenário permitir. Segundo a psicanalista Alice Rezende, a escola tem uma função humanizante muito mais ampla do que transmitir conhecimentos. "Ela permite à criança e ao adolescente incluir-se no laço social, ter um lugar de sujeito separado do lugar que tem com os pais", explica. Para Alice, parte da angústia que se tem feito presente nos estudantes e nos pais vem do fato de que crianças e adolescentes ainda estejam com relacionamentos tão limitados à família. "Relações precisam ter intervalo, separar, reencontrar."
Segundo Sandra Beconha, diretora pedagógica da Rede Batista e diretora do Colégio Batista Mineiro, a escola é um ambiente de afetividade, então a manutenção de vínculos durante o período de ensino remoto é elemento-chave na volta presencial. "No caso de estudantes que estão frequentes, interagindo com colegas e professores, esses vínculos acabam sendo mantidos". Ela lembra que o afeto pode ser positivo, às vezes frustrante, desafiador, e que tudo isso faz parte, mesmo no período remoto. "Isso é importante para que o retorno se dê através dessa identificação entre os personagens do ambiente escolar", afirma. Para os alunos menorzinhos, as escolas têm investido em encontros em grupos menores ou até individuais com os educadores - além das atividades e brincadeiras com a turma toda. O objetivo é fortalecer o vínculo com os professores, dar atenção mais focada aos pequenos e conseguir acompanhar melhor as atividades, já que as rodas com muitos alunos ao mesmo tempo podem ser desafiadoras, dependendo da idade da criança.
Manter contato com os pais e canal aberto para dúvidas, apreensões e diálogo também é recomendação internacional no quesito "planejamento do retorno às aulas", já que os familiares e responsáveis - além de parceiros durante o período de ensino remoto - têm papel importante no processo do retorno presencial. "Alunos só estarão tranquilos em voltar para a escola se os pais estiverem seguros em deixá-los. Se há medo, alunos ficam com medo", diz Fernanda Soares, do Edna Roriz. Na Escola Americana, criou-se um programa chamado "escola para os pais", com objetivo de promover um ambiente no qual os familiares podem compartilhar suas experiências e serem assistidos pelas psicólogas educacionais.
O momento oportuno, aliás, é outro ponto a que as escolas têm estado atentas. Informação é imprescindível não só para permitir a execução dos protocolos de biossegurança como para dar tranquilidade às famílias e alunos. No entanto, é preciso avaliar a maneira de fazer a comunicação com os envolvidos no retorno e também os momentos corretos para abordar cada tema. Entre regras, cronogramas, etiquetas sociais, o volume de novidades é grande. "Não adianta precipitar as informações, porque isso gera outro tipo de ansiedade", diz Sandra Beconha, do Batista.
Além do timing para que as informações sejam bem compreendidas sem causar estresse adicional, é importante que avisos colados nos colégios e outras formas de comunicação sejam positivas, passem o recado de maneira clara, mas sem gerar tensão. E o ambiente também importa. "Esperamos que, ao entrar na escola, os alunos reconheçam uma atmosfera de leveza, sentida em um espaço preparado e pensado, em detalhes, para encantá-los, carinhosamente", diz Junia Rohlfs, diretora interina e gestora pedagógica do Santo Agostinho Nova Lima. "Algumas ações vão promover um ambiente acolhedor, como música na entrada e recepção afetuosa dos professores nos corredores e salas de aula."
Andreza Félix, do Bernoulli Go, explica que a escola pensa no retorno como um trabalho em processo, não uma ação que acabará em poucos dias. "Temos de apostar na consistência", diz. As simulações, o material informativo e as sinalizações serão parte de um compromisso diário da equipe e dos alunos com a nova forma de estar na escola. "A gente conta com uma equipe preparada e cuidadosa para tratar dessa integração de modo a equilibrar o desejo de estar com o outro sem ultrapassar os protocolos", explica. Segundo Sandra Beconha, do Batista, os educadores têm conversado muito sobre a possível polarização de comportamentos - tanto a euforia do retorno quanto o receio de retornar, e discutido estratégias para intervenções. "Esses dois comportamentos são comuns no contexto escolar, mas agora podem estar potencializados", afirma. "E é preciso cuidado para tratar os dois polos; não apenas a apreensão, mas também o momento de euforia, que deve ser direcionado de forma positiva para não cortar a expressão do estudante, mas de forma a respeitar o novo padrão social."
A formação das turmas também é um desafio para as instituições. São muitas as variáveis a serem levadas em conta, desde o número de alunos, passando pela organização do cronograma - se a aula será em dias ou semanas alternadas -, considerando ainda o fato de que algumas famílias terão irmãos em séries diferentes no mesmo colégio. Mas algumas escolas, nesse quebra-cabeça, também estão priorizando, na medida do possível, os relacionamentos estabelecidos pelas crianças e adolescentes anteriormente à pandemia. "Estamos dividindo as turmas pensando não apenas na segurança, mas também nas relações entre os alunos, que precisam ser retomadas", explica Catarina Chen, da Escola Americana. "Queremos honrar a oportunidade de conexão social, de matar saudades dos amigos."
O trabalho emocional e de acolhimento com os funcionários não pode ser esquecido e é preconizado, nos documentos da Unesco voltados para gestores e responsáveis por políticas públicas escolares, como imprescindível para um retorno de sucesso - inclusive para que a equipe escolar possa receber os alunos com segurança e tranquilidade. No Santa Maria, a comissão de inteligência socioemocional tem desenvolvido trabalho preventivo de apoio e fortalecimento da saúde emocional também dos funcionários do administrativo, zeladoria e professores. "Compreendemos que para uma pessoa acolher e lidar bem com o outro, ela precisa estar bem consigo mesma", diz Ismael Cândido Filho. No Santo Agostinho, foi realizada a oficina "cuidando de quem cuida", destinada a alguns professores e colaboradores. "Alguns também estão com medo, apreensivos e preocupados; eles também vão ser preparados para o retorno e monitorados durante a retomada", afirma Júnia Rohlfs.
Conheça algumas das recomendações da Unesco para o retorno das aulas presenciais, para além dos protocolos sanitários*:
- Planejamento cuidadoso
- Treinamento de educadores para que possam monitorar e identificar estudantes que apresentem mais dificuldades no retorno
- Oferta de apoio aos professores, para que, por sua vez, eles possam dar suporte aos alunos mais angustiados
- Retomar atividades educacionais estruturadas assim que seja seguro, no intuito de mitigar o impacto psicossocial da crise nas crianças e jovens
- Investir em comunicação ampla, transparente e regular com a comunidade escolar em relação a planos, cronogramas e condições da reabertura
- Corrigir informações incorretas e trabalhar para tirar dúvidas e acalmar possíveis inquietações por parte da comunidade escolar
- Organização de grupos de estudo para que os alunos possam se recuperar no aprendizado de temas e matérias-chave
*Fonte: Documento "Preparação para reabertura das escolas", parte da série "Cinco Etapas para apoiar a educação para todos em tempos de Covid-19", da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)