Siga a Encontro no Twitter @encontrobh
A enfermeira Tássia Lopardi Pereira deixa a filha Laura na creche do Hospital Eduardo de Menezes: "Ela vai comigo para o trabalho e sai na mesma hora que eu. Ficamos das 7h às 19h" - Foto: Paulo Márcio/Encontro "Fique em casa para que minha mãe e os outros profissionais da Saúde possam voltar para casa." Esse foi o recado escrito à mão por Sophia, de 9 anos, filha da psicóloga Meire Rose Cassini, de 47 anos, supervisora responsável pela equipe hospitalar e ambulatorial de psicologia do Hospital Felicio Rocho. Para cumprir as oito horas diárias de trabalho e auxiliar os pacientes internados com Covid-19, Meire e o marido, que atua como gerente de farmácia, precisaram tomar uma decisão difícil: se isolar da filha durante a pandemia. A menina passou a morar com os avós e se encontra com os pais a cada 15 dias. "Cheguei a ficar 2 meses sem vê-la pessoalmente. É muito difícil, mas foi a medida de proteção que encontramos", diz Meire.
Na pandemia, as histórias difíceis vividas por Meire ao lado dos pacientes no ambulatório e no CTI do hospital se unem aos desafios da vida pessoal e da maternidade. Durante o dia, a psicóloga atua realizando visitas virtuais para que as famílias mantenham contato com os pacientes isolados, acompanha os médicos para dar notícias de falecimento e ajuda crianças que estão com os pais internados a compreender esse momento difícil. Nos intervalos, ela faz videochamadas com a filha e auxilia a menina com as tarefas escolares. "Para nós, é um ritmo de trabalho muito intenso no sentido de acolher, ver que cada família que chega ao hospital tem uma história, um sofrimento", afirma. "Sabemos que cada paciente é o amor de alguém. Mas a gente também é o amor de alguém, e não podemos nos esquecer disso." No início da pandemia, Sophia sentava no chão e chorava quando os pais a repreendiam na hora de abraçar, sem entender que a distância era necessária para preservar a saúde de todos. "Esse contato fazia parte do nosso afeto e precisou ser interrompido", diz Meire. "Até hoje, ela me questiona por que os colegas da escola podem ficar com os pais e ela não. É muito difícil."
Sophia não é a única criança que precisou mudar a rotina para que a mãe pudesse ajudar a salvar vidas nos hospitais de Belo Horizonte. Na casa de Tássia Lopardi Pereira, de 38 anos, enfermeira do Hospital Eduardo de Menezes (HEM), o desafio é a longa jornada de trabalho. Durante o plantão de 12 horas, realizado dia sim, dia não, a filha Laura, de 4 anos, também cumpre expediente na creche do HEM, localizada em um prédio anexo do hospital. "Eu tinha uma ajudante que ficava com a Laura, mas ela precisou sair e eu não consegui encontrar outra pessoa. Por eu trabalhar no HEM, ninguém queria vir por medo da doença", conta. Como é divorciada e vive somente com a pequena, a solução para que Tássia pudesse trabalhar foi levar Laura junto. "Ela vai comigo para o trabalho e sai na mesma hora que eu. Ficamos das 7h às 19h", conta. "Ela tem pânico disso, pede para sair antes. Mas eu penso nas mães que não puderam ter o Dia das Mães com os filhos, levados pela doença, e isso me dá força para continuar, porque eu sei que essa é a minha missão."
Diante de tantos desafios, Tássia desenvolveu transtorno de ansiedade e compulsão alimentar, e precisou mudar o estilo de vida para manter a própria saúde. "Engordei tanto que cheguei a pesar o mesmo tanto de quando eu estava grávida de 9 meses." Perder várias pacientes na mesma idade que ela, com a obesidade como o único fator de risco, foi o que fez com que ela começasse a se exercitar. Perdeu 12 quilos. "Mudei minha vida porque não queria morrer. Quero ver a minha filha crescendo. Nunca fomos tão gratos de poder estar com nossos filhos."
O sentimento é o mesmo de Daniela Beatriz Dória Carvalho, de 43 anos, enfermeira no Hospital Municipal 25 de Maio, em Esmeraldas. Para ela, o apoio da filha Gabriela, de 12 anos, e do marido, Denilson, é o que dá força para acordar às 4h da manhã e trabalhar 12 horas por dia, com apenas uma folga semanal. "Quando comecei a trabalhar na linha de frente veio a pergunta básica: o que eu vou fazer com a minha família?", afirma. "Dá medo. A rotina muda, gera insegurança de levar a doença para casa. Mas eu fui segura porque descobri que essa é minha missão. É a minha família que me dá suporte para que eu possa ajudar os meus pacientes, eles me ajudam a me manter firme." No hospital, ela se empenha para realizar o trabalho como enfermeira, mas também para ouvir os pacientes e oferecer apoio. "Às vezes, eles só precisam conversar", diz. "São pessoas que estão isoladas, não podem ver a família. E eu faço questão de ouvir. Essa é a minha recompensa, é o que me faz sentir gratidão. Saber que estou ajudando, como profissional e como ser humano. É uma troca. A gente dá até mais valor à vida", acredita. Além do sentimento de dever cumprido, Daniela se apoia na esperança de um futuro que (todos torcem) em breve chegará. "É desgastante, mas é por um período. Vai ser fácil recuperar esse tempo? Não. Vai ser um longo processo. Mas vamos conseguir e a primeira coisa que faremos quando tudo isso passar é viajar em família."
Dentro do CTI, a maior dificuldade é ver o quadro de alguns pacientes se agravando e, algumas vezes, não conseguir salvá-los. "Você vê a pessoa entrar conversando, consciente. No outro dia, já se depara com ela entubada. Até que chega no bloco e não encontra mais o paciente lá. Isso acaba com a gente" afirma. "Estamos ali lutando e engolindo o choro diariamente para salvar o amor de alguém, uma mãe, um pai. E, às vezes, a gente perde essa batalha, mas continuamos firmes e fortes." Rosilaine afirma que, quando alguém se recupera, ela chora junto com a família. "Abrimos mão da nossa própria vida, deixamos a nossa família em casa. Não é uma vitória só para eles, é para nós também." Para a técnica de enfermagem - e para todas as mães que precisam ficar longe dos filhos ao atuar na linha de frente do combate à Covid-19 -, a recompensa pela luta diária é garantir que mais famílias possam passar o Dia das Mães, e tantas outras datas, juntas, no ano que vem.
.