Revista Encontro

ESPECIAL GALO CAMPEÃO

Como é a rotina de Sérgio Coelho, presidente do Galo

Ele começa a trabalhar às 5 da manhã, caminha quase todos os dias e é respeitado nos bastidores do clube e nas arquibancadas pela franqueza e exigência

Alessandro Duarte
- Foto: Bruno Sousa/Atlético
É noite de festa e o anfitrião não arreda pé da entrada do Clube Chalezinho, no Estoril. Com um sorriso permanente no rosto, ele recepciona centenas de convidados, um a um. Presidente do Clube Atlético Mineiro desde o início de 2021, o empresário Sérgio Coelho não está totalmente à vontade com a situação. Primeiro, porque gosta de dividir os louros da excepcional temporada do Galo com seu vice-presidente, o advogado José Murilo Procópio, a diretoria do clube e os empresários apoiadores, chamados de 4 Rs (Rubens e Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador). Segundo, porque, em dias menos cheios, a esta hora ele já estaria na cama. Sérgio, de 61 anos, tem uma vida bastante regrada, com horários muito bem definidos. Dorme cedo e acorda cedo. Bem cedo.
Sempre antes de o sol raiar. Pode-se dizer que Sérgio é uma prova viva de que o ditado "Deus ajuda quem cedo madruga" tem lá sua dose de realidade.

Às 5h da manhã, Sérgio checa a caixa de entrada de seu e-mail, as notificações do Whatsapp e se põe a disparar mensagens. "Só não começo antes porque tenho um compromisso comigo mesmo e com minha mulher de não ligar o celular antes das 5", confessa. "Precisamos estabelecer essa regra para quem eu conseguisse dormir um pouco mais", diz Maria Alice Coelho, com quem Sérgio está casado há 31 anos. "Também acordo cedo, mas não tão cedo assim." Para dar conta de pular da cama nesse horário, quando não tem jogo nem qualquer outro compromisso noturno já está deitado às 20h. "É claro que desde que assumi a presidência do Atlético eu precisei me adaptar. Mas faço questão de manter algumas rotinas, como a hora de acordar", afirma Sérgio. Assim que acaba de colocar as mensagens em ordem, toma café da manhã e sai para sua caminhada diária ("Não consigo andar todos os dias, mas minha média é de 280 dias por ano"). Caminha exatos 40 minutos, sempre da mesmíssima forma: turnos de 2 minutos a 6 quilômetros por hora seguido de um pique de 3 minutos a 8 quilômetros por hora.

Abraçado ao goleiro Rafael, na Arena da Baixada, em Curitiba, após a vitória sobre o Athletico Paranaense, na final da Copa do Brasil, e na comemoração do Brasileirão: temporada recheada de recordes - Foto: Pedro Souza/AtléticoAinda pela manhã, dá expediente no escritório de suas empresas (tem negócios nos ramos de shoppings de automóveis, loteamentos e compra, venda e locação de imóveis). Logo ao entrar em sua sala, para diante da imagem de alguns de seus santos de devoção, como Nossa Senhora Aparecida, São Judas Tadeu, São Geraldo e Bom Jesus de Matosinhos, e faz uma oração. Agradece a vida, que considera abençoada. "Minha família, por exemplo, é tão certinha que eu pouco me preocupo com ela", diz, referindo-se, além da mulher, aos três filhos, Serginho, Paulo e Gustavo, que trabalham nas empresas fundadas por ele. Mas esse é um momento de pedir também.
"Peço para que eu seja sempre uma pessoa melhor, com capacidade de ajudar um pouco mais a quem precisa, e a ter meus negócios sempre certinhos." Mas e os títulos para o Galo, não entram na lista de graças a serem alcançadas? "Eu comecei o ano pedindo a Deus que nos desse uma gestão honesta, bem intencionada, para nossas instituições de caridade, para nossas empresas e para o Galo. Títulos são consequências", diz. "Mas é claro que, com uma administração honesta, competente, conforme vamos tendo chances, eu vou pedindo: 'Deus, ajuda aqui…'." Ele repete o ritual ao sair do escritório, perto da hora do almoço, quando se dirige à sede do Atlético, em Lourdes.

Respeitado pela franqueza e exigência, Sérgio é, além de um homem de fé, conhecido pelas ações em prol dos mais necessitados. Há mais de 25 anos, preside a Associação dos Protetores das Pessoas Carentes (Assopoc), com sede em Crucilândia, cidade do interior de Minas onde ele nasceu. É a maior instituição de acolhimento do estado, com unidades para idosos, pessoas entre 18 e 59 anos, creche e um centro de equoterapia. Ao todo, são atendidas cerca de 500 pessoas em situação de vulnerabilidade social da zona rural e urbana da região. A Assopoc também é responsável pela manutenção financeira e administrativa da Apae de Crucilândia. Sérgio trouxe essa preocupação pelo outtro para a gestão do Atlético. Ter um braço que executasse ações sociais e ambientais já era uma exigência da prefeitura para a liberação da Arena MRV, mas sob o olhar de Sérgio Coelho, o Instituto Galo passou a fazer parte do planejamento estratégico do clube, uma iniciativa inédita no futebol brasileiro. "Vimos que podemos aproveitar o poder de mobilização que a Massa tem para trabalharmos por uma sociedade melhor, mais humana e solidária", afirma Maria Alice Coelho, que assumiu a presidência do instituto.
Além de doações de pessoas físicas e jurídicas (inclusive com programas de isenção fiscal), o instituto irá contar com um percentual de toda a verba arrecadada na Arena MRV.

Em seu escritório, com a imagem de alguns de seus santos de devoção: "Eu comecei o ano pedindo a Deus que nos desse uma gestão honesta, bem intencionada, para nossas instituições de caridade, para nossas empresas e para o Galo. Títulos são consequências" - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroEm fevereiro, Sérgio marcou uma cavalgada até a cidade de Aparecida, no interior de São Paulo, onde fica o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. Mas descarta a ideia de que seria pagamento de promessa pelos títulos conquistados. "A única promessa que fiz foi, caso o Atlético levantasse alguma taça, arrumar a casa de um compadre de Crucilândia, que vive com a mulher e sete filhos em um quarto-e-sala." Ele diz que já está organizando a construção de mais quartos e banheiros para a família. Após a conquista do Brasileirão, no entanto, Sérgio precisou cumprir um "combinado" com alguns membros do conselho diretivo. Tatuou no braço o "galo volpi", símbolo criado em meados da década de 1980 pelo pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (aquele, conhecido pelas bandeirinhas e pelos casarios). "Não foi uma promessa, mas como tinha me comprometido, cumpri. Se o Rubens Menin, tatuou, como eu não ia?", afirma. "Mas se quiser saber se eu farei um pacto assim novamente, não farei!"

A temporada excepcional - além dos títulos do Brasileirão, que o Galo não ganhava desde 1971, e da Copa do Brasil, o triplete foi completado com o Campeonato Mineiro, no início do ano - pode ser considerada como uma redenção para Sérgio Coelho. Ele estava na diretoria do clube em sua época mais crítica, quando o Galo foi rebaixado para a série B do Brasileirão, em 2005. "Nós estamos juntos desde a época das vacas magras", lembra José Murilo Procópio. "Em 2003, eu era o primeiro vice do Ricardo Guimarães, e ele, o segundo. Depois da gestão, nós acabamos nos afastando da direção do Atlético e passamos a nos encontrar fora, como torcedores que somos." O advogado conta que só aceitou a missão de voltar à diretoria por ter sido uma eleição de chapa única, sem disputa, e celebra o bom relacionamento com Sérgio Coelho: "Nos falamos quase diariamente, tanto sobre as satisfações quanto sobre as insatisfações da equipe". Outro que comemora a "volta por cima" é o banqueiro Ricardo Guimarães, ex-presidente e hoje apoiador do clube. "Pelos 113 anos de história do Galo passaram muitos presidentes, todos deram seu melhor e tentaram deixar um legado", diz. "Não só por ter conquistado, já em seu primeiro ano, dois títulos nacionais, um feito inédito, mas pela pessoa que ele é, muito humilde e trabalhador, o primeiro nome que se eleva nessa trajetória é o do Sérgio."

Com algumas crianças da creche mantida pela Assopoc, em Crucilândia: maior instituição de acolhimento do estado, com unidades para idosos, pessoas entre 18 e 59 anos, menores de idade e um centro de equoterapia - Foto: Vanda Medrado/DivulgaçãoPara deixar seu nome marcado na história do clube, Sérgio se preparou. Quando assumiu a presidência, no início de 2021, já tinha em mente que peças precisaria trazer para deixar o time ainda mais competitivo. "O elenco era muito bom e só não fomos campeões brasileiros em 2020 por detalhes (o clube acabou em terceiro lugar, a três pontos do Flamengo, que levantou a taça), mas sabia que, se quiséssemos realmente fazer história precisaríamos nos reforçar." Antes mesmo de ir atrás dos jogadores, fez um movimento considerado essencial para o sucesso: trocou o antigo diretor de futebol, Alexandre Mattos, por Rodrigo Caetano. Entre os jogadores, a maior aposta - no início vista com ressalvas até dentro do próprio clube e motivo de insinuações jocosas por analistas esportivos -, foi a contratação do atacante Hulk, após quatro anos no futebol chinês. O camisa 7 não só mostrou que os críticos estavam enganados. Ele também colecionou premiações. Pelo Brasileirão, além da artilharia, foi escolhido o melhor atacante e o craque do campeonato pela CBF. Já pela Copa do Brasil levou para casa os prêmios pela artilharia e de craque do torneio.

Sérgio garante que não irá descansar sobre os louros dos títulos conquistados. "O desejo de ganhar é o mesmo. Quem está à frente de um clube do tamanho do Galo não pode parar nunca", afirma. "Se por algum momento o sentimento for de acomodação, pode deixar a missão para outro." Ao analisar o futuro do futebol brasileiro, Sérgio estima que já passou a era em que 10,15 agremiações começavam o ano com possibilidade de serem campeões. Nas próximas temporadas, por volta de cinco clubes estarão no que chama de "prateleira de cima". "E vamos trabalhar muito para que o Galo esteja sempre entre eles." Disso a Massa não tem a menor dúvida. Agora, mais do que nunca, a torcida fanática poderá continuar repetindo, a plenos pulmões, dois dos versos mais emblemáticos do hino do clube: "Nós somos campeões dos campeões/ Somos o orgulho do esporte nacional".

(Colaboraram Gabriel Marques e Marcelo Fraga)
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