Levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra situação do endividamento no Brasil: de cada 10 famílias, sete estavam inadimplentes em julho de 2021 - Foto: PixabayEm julho, o número de famílias brasileiras com algum tipo de dívida atingiu o teto, de acordo com levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). De cada 10, sete estavam inadimplentes. Dentro desse grupo há uma categoria especial de pessoas que estão "com a corda no pescoço": os superendividados. Em geral, esse grupo é formado por aposentados e pensionistas, desempregados e pessoas de baixa renda - mas também profissionais liberais e servidores públicos com bons cargos - cujas dívidas são tão altas que comprometem até seu próprio sustento. Nas contas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) são 30 milhões de pessoas nessa situação. No mesmo mês em que esse endividamento bateu recorde no Brasil, o Congresso Nacional aprovou uma nova legislação que tem como objetivo reduzir o número de superendividados, promover a negociação das dívidas e evitar que essas pessoas sejam seduzidas por financeiras e bancos para contrair novos empréstimos e, dessa forma, apertar ainda mais o nó da corda.
"O superendividamento depende da capacidade de renda de cada pessoa e está caracterizado quando as prestações a serem suportadas pelo devedor já são tão altas no dia a dia que não resta a ele aquele mínimo para sobreviver", explica o advogado Shigueru Sumida, sócio do Shigueru Sumida e Janine Massuda Advogados. A Lei 14.181, que foi sancionada pela Presidência da República, define o superendividamento como a "impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação". Ou seja, quando o pagamento de boletos com financeiras ou crediários é tão alto que comprometeria a quitação de dívidas necessárias para a manutenção de uma condição mínima de sobrevivência, como a garantia de energia elétrica, acesso à água, alimentação e moradia, por exemplo.
Como a situação de superendividamento pode atingir um perfil muito diverso de consumidor - basta lembrar que 71% das famílias brasileiras são classificadas como inadimplentes - a lei não estabelece uma categorização técnica para definir quem pode ou não ser considerado superendividado. Isso ficará a cargo do juiz que analisar cada caso. O que ela estabelece é que as dívidas que podem ser enquadradas no texto legal são as de consumo.
O advogado Shigueru Sumida, sócio do Shigueru Sumida e Janine Massuda Advogados: "O superendividamento depende da capacidade de renda de cada pessoa e está caracterizado quando as prestações a serem suportadas pelo devedor já são tão altas no dia a dia que não resta a ele aquele mínimo para sobreviver" - Foto: Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/D.A PressEssa lacuna tem um ponto positivo que é o de avaliar cada caso, individualmente, por meio do Judiciário. Caso o juiz considere que se trata de uma situação de superendividamento, com base na nova lei, será possível convocar todos os credores a sentarem na mesa em busca de um consenso para pôr fim àquela dívida. "Essa possibilidade de provocar o Judiciário para reunir os credores e, inclusive, impor consequências às empresas que não aceitarem, é interessante", avalia o advogado Wilson Sahade, do Lecir Luz & Wilson Sahade Advogados. "Hoje, é muito comum que as grandes empresas não queiram negociar. Muitas delas protelam a resolução de um problema desse para ver o que vai ser decidido lá na frente."
Henrique Mourão, fundador da banca Henrique Mourão Advocacia: "Empresas se acostumaram a oferecer vantagens, como desconto de pagamento no primeiro mês, regularização do nome, esse tipo de coisa. E a lei veda esse tipo de anúncio para quem está negativado" - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroOutro ponto a favor do consumidor superendividado são regras mais rígidas para que instituições financeiras possam oferecer crédito a pessoas negativadas, por exemplo. De um lado, a legislação altera o Estatuto do Idoso para garantir que os bancos não serão punidos caso neguem crédito a pessoas com mais de 60 anos, desde que esses se enquadrem na condição de superendividamento. De outro, as financeiras não poderão mais oferecer a esses clientes empréstimos com a garantia de que não haverá consulta a serviços de prestação de crédito, como SPC e o Serasa. Além disso, os empréstimos deverão ser mais bem esclarecidos e o cliente passa a ter direito de saber o ônus real daquela operação financeira. De acordo com o advogado Henrique Mourão, fundador da banca Henrique Mourão Advocacia, o país chegou a uma situação insustentável, tanto para os devedores como para os credores, devido ao alto índice de superendividamento e que disciplinar essa oferta de crédito pode ser bom. "Empresas se acostumaram a oferecer vantagens, como desconto de pagamento no primeiro mês, regularização do nome, esse tipo de coisa. E a lei veda esse tipo de anúncio para quem está negativado", afirma. "Ela também estabelece que, na hora de fazer concessão de crédito, todos os detalhes devem ser muito claros."
Wilson Sahade, do Lecir Luz & Wilson Sahade Advogados: "Essa possibilidade de provocar o Judiciário para reunir os credores e, inclusive, impor consequências às empresas que não aceitarem, é interessante" - Foto: Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/D.A PressA Lei do Superendividamento vem sendo tratada pelos advogados como uma espécie de "recuperação judicial", mas voltada para pessoas físicas. "A pessoa que está nessa situação vai ao órgão conciliador, leva a sua renda e qual é o endividamento que ela possui.
O juiz vai avaliar e faz uma proposta de pagamento, parcelado, em que os credores são chamados. Depois disso, o plano é aprovado", resume o advogado Henrique Mourão. Ele frisa, no entanto, que as dívidas que podem ser incluídas nesse processo de "recuperação" são aquelas vinculadas à manutenção das necessidades básicas, como contas de água e luz, por exemplo. "Não entram nisso os impostos ou dívidas de pensão alimentícia, por exemplo."
6 pontos da Lei do Superendividamento
- 1) Crédito responsável: financeiras devem explicar ao consumidor as condições para tomada de crédito, como custo efetivo total e taxa de juros
- 2) Propaganda enganosa: é proibido anunciar oferta de empréstimo do tipo "sem consulta ao SPC e Serasa"
- 3) Prazo para pagamento de dívidas: os débitos do consumidor podem ser parcelados em até 60 meses, ou cinco anos
- 4) Multa, correção e juros: os valores de casos enquadrados na legislação serão de, no mínimo, o débito devido mais correção monetária
- 5) Conciliação: empresas terão prazo de 15 dias após citadas para apresentarem justificativa sobre a não intenção de negociar
- 6) Produtos de luxo e alto valor: a lei só abarca as dívidas oriundas de consumo, inclusive operações de crédito, mas exclui as que forem fruto de má-fé ou de produtos de luxo e alto valor
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