Revista Encontro

PERFIL

Como Marcelo Cohen, da Belvitur, criou a terceira maior empresa de turismo da América Latina

Enquanto o mercado se queixava da queda nas vendas, o empresário comprou 26 concorrentes, entre elas a gigante Flytour. E garante: "Quero mais"

Daniela Costa
Marcelo Cohen: "O meu momento de acelerar é na crise. É nessa hora que aparecem as oportunidades" - Foto: Emerson Souza/Panrotas/Divulgação
Logo depois de se despedir da equipe de reportagem de Encontro, o empresário Marcelo Cohen se dirige ao estacionamento da sede da Belvitur em Belo Horizonte, no bairro de Lourdes, e ajeita seu corpanzil de 1,94 metro de altura no banco do motorista de um Gol 2.0 GTI, ano 1994 – um objeto de desejo da juventude que ele conquistou agora, aos 52 anos de idade. Era sábado de manhã, mas a agenda de reuniões daquele dia não estava encerrada. Pelo menos desde meados do ano passado, a rotina de Marcelo tem sido frenética. Não à toa. Quando todo mercado de turismo se lamentava dos ventos extremamente desfavoráveis por causa da pandemia, o belo-horizontino anunciou a compra, por 500 milhões de reais, da Flytour, uma gigante do setor que já há algum tempo enfrentava sérias dificuldades financeiras. O movimento transformou Marcelo no dono da terceira maior empresa de turismo da América Latina - atrás apenas da Decolar e da CVC – e a maior entre as que não abriram seu capital. Além do montante milionário envolvido, a cartada chamou atenção pelo fato de uma companhia que faturou cerca de 800 milhões de reais em 2019 incorporar outra cujas vendas foram, no mesmo período, quase oito vezes maiores, de 6,2 bilhões de reais.

Fundada em 1963, pelo pai de Marcelo, David Cohen, atualmente com 88 anos e ainda ativo nos negócios, a Belvitur logo se tornou a maior empresa de turismo de Minas Gerais. O sucesso dos anos iniciais é creditado à administração austera do patriarca, um legado que passa de geração em geração.
"Ele sempre fez questão de segurar os custos", diz. "Foi isso que nos proporcionou chegar aonde chegamos." Reconhecido por seu feeling para os negócios, paixão por tudo o que envolve o turismo e gosto em lidar com gente, Marcelo mostra-se orgulhoso de ver no topo do setor uma empresa como ele, nascida e criada em Belo Horizonte. Formado em administração nos Estados Unidos, ele é o único dos três filhos de David a seguir os passos do pai na empresa de turismo. Diz que seu segredo foi, desde cedo, ter colocado a mão na massa. "Nunca fui um aluno exemplar, mas sempre foquei no trabalho. Minha sorte acorda cedo", afirma ele. Não é modo de falar. Para dar conta do recado, Marcelo salta da cama às 4h30 da madrugada todos os dias. Às 5 já está trabalhando e não chega no escritório depois das 6h30. Ultimamente, dá expediente de segunda a sexta na sede de São Paulo, que fica a 35 quilômetros do hotel onde mora durante a semana. Quando os compromissos permitem, dorme às 9 da noite. Casado há 22 anos com Gabriela - a quem faz questão de creditar parte de seu sucesso - e pai de duas filhas gêmeas, Vitória e Sofia, de 20 anos, é aos fins de semana que consegue estar com a família na capital mineira.

Marcelo Cohen ao lado da mulher, Gabriela, e das filhas gêmeas Vitória e Sofia: "Segui os passos do meu pai e trouxe minhas filhas para trabalhar comigo" - Foto: Arquivo pessoalMarcelo está mesmo voando alto e sem previsão de aterrissagem. A compra da Flytour é só o começo.
Um movimento ousado que promete revolucionar o mercado nacional. "A aquisição da empresa pela Belvitur e toda a reestruturação e junção de forças para o desenvolvimento da nova marca são muito importantes para o turismo neste cenário de retomada das viagens", diz Diogo Elias, diretor de marketing e vendas da LATAM Brasil. "Tanto o turismo corporativo, quanto o de lazer, além de outras ramificações do nosso setor, serão beneficiados pelo negócio." Eduardo Bernardes, vice-presidente comercial, de marketing e de clientes da Gol, ressalta o desejo de Marcelo de causar impacto na vida das pessoas. "No turismo ele tem essa oportunidade", afirma. "Outra de suas características marcantes é sua enorme energia. Não existe tempo ruim na busca por novos negócios."

A junção da Belvitur e da Flytour resultou no surgimento da holding BeFly, que promete ser o maior "ecossistema de turismo da América Latina". A previsão é que em 2023 o faturamento da nova gigante chegue à casa dos 10 bilhões de reais. Mas, afinal, como uma empresa é capaz de comprar outra quase oito vezes maior? Seguindo o exemplo das formigas que durante o ano estocam alimento para quando o inverno chegar. E o tempo de escassez veio a cavalo. A pandemia afetou em cheio o setor de turismo e reduziu as vendas das empresas em 95%.
Xeque mate! Era a hora certa de investir. Marcelo comprou 26 empresas e avalia a aquisição de outras 18. "O meu momento de acelerar é na crise. É nessa hora que aparecem as oportunidades", diz. "Sempre que o mercado dava barrigada no turismo, a gente investia. Nos tempos de fartura, capturava recurso e guardava."

Um encontro que deu certo: Marcelo Cohen e o fundador da Flytour, Eloi D'Ávila, comemoram o sucesso nos negócios e o surgimento da BeFly - Foto: DivulgaçãoA aquisição da Flytour seguiu essa lógica. Passando por um período conturbado, que foi agravado por causa da pandemia, a empresa se viu forçada a propor um plano de recuperação extrajudicial para negociar dívidas no valor de 142 milhões de reais. O primeiro passo foi mapear onde estavam os gargalos. "Contratamos a consultoria Alvarez & Marsal e o banco Master para nos assessorar e descobrimos que os pontos fracos deles eram o nosso ponto forte", afirma Marcelo. "Assumimos a gestão em agosto de 2021 e no final do ano já fechamos com saldo positivo." Fundada em 1974 pelo empresário Eloi D'Ávila, com 71 anos recém-completados, a Flytour chegou a ter 3,5 mil funcionários, reduzidos a 2 mil no início da Covid-19. "A empresa já não era praticamente para existir. Não tinha capital aberto, não tinha investidor, não estava na bolsa. Só contávamos com o capital da família. Foi muito difícil chegar em março de 2020 e não vender nada", diz Eloi. Um duro golpe mesmo para quem está acostumado a assumir e lidar com riscos. Antes de fundar a Flytour, Eloi superou a pobreza extrema. Nascido em Esteio (RS) - é o 14º de uma humilde família de 15 filhos -, chegou a morar na rua em São Paulo e a trabalhar como lavador de carros em frente ao Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. "Já havíamos enfrentado outras crises, mas nenhuma como esta. Nosso encontro com a Belvitur foi a união perfeita. Marcelo trouxe a vida de volta para a Flytour", comemora. O agora executivo segue junto ao novo presidente, com cargo no conselho administrativo, e se diz confiante com as mudanças implementadas. "Ele investe nas pessoas, acredita, confia, o que é fundamental para a atividade de serviço. Porque o serviço somos nós. Nós somos o produto."

Além da compra da Flytour, Marcelo investiu em uma série de startups, todas ligadas ao turismo. O desafio agora é integrá-las ao grupo, que conta atualmente com 1.350 funcionários. A saída é investir ainda mais em tecnologia para entender o passageiro e atender a todas as suas demandas. "Gosto de dizer que antigamente vendia-se passagem. Hoje, vendemos tecnologia", afirma. A aquisição recente de oito empresas digitais mostra que ele não está blefando. Entre as compras estão uma ferramenta para gestão de passagens aéreas e diárias de hotéis; uma "travel tech", que digitaliza o processo de vendas; e uma empresa de mobilidade que possibilita a cotação de custos de deslocamento dos passageiros, por exemplo, de casa para o aeroporto e vice-versa.

Diogo Elias, diretor de Marketing e Vendas da LATAM Brasil: "Tanto o turismo corporativo quando o de lazer, além de outras ramificações do nosso setor, serão beneficiados pla união da Belvitur e da Flytour" - Foto: DivulgaçãoAs conquistas do filho enchem de orgulho o pai coruja. Engenheiro, David Cohen lembra que entrou no setor de turismo quase que por acaso. Nos anos 1950, era comum universitários rifarem carros para bancar viagens de formatura da turma na Europa. Acabou se envolvendo com o pessoal que organizava essas férias e, alguns anos depois, um colega lhe propôs que abrissem uma empresa. A sociedade durou seis meses, porque o parceiro foi embora para o Rio de Janeiro. David assumiu a administração sozinho e assim nasceu a Belvitur. Mas ele preferia cuidar de seus negócios ligados à construção civil e deixava o turismo um pouco de lado. "A coisa mudou de figura quando o Marcelo começou. Ele já era bom de papo, sempre muito bem relacionado", conta. "Trouxe forma e vida à empresa." Juntos, eles chegaram a abrir um escritório em Miami, onde o filho permaneceu por um tempo. A compra da Flytour, diz David, é um passo grande, mas em nenhum momento ele duvidou da capacidade do filho. "Tem todo o meu apoio."

A Flytour - e agora a BeFly - é representante exclusiva da American Express Global Business Travel, sendo a maior correspondente Amex fora dos Estados Unidos. Isso significa que a empresa atende 70% das contas corporativas de multinacionais no Brasil, com um portfólio de cerca de 300 empresas globais, entre elas Google, Microsoft, Fiat e Ferrari. "Isso nos exige uma parte de compliance muito forte", diz Marcelo. Referência no mercado chamado de "B2B" (Business to Business), em que empresas prestam serviços para outras empresas, ele quer atacar o mercado "B2C"(Business to Consumer), em que empresas atendem o consumidor final. "Para isso contamos com um sistema robusto, capitalizado e com alta tecnologia." Apesar de no setor de turismo os ventos ainda soprarem devagar, com apenas 50% do volume das vendas registrado em 2019, Marcelo acredita que o futuro próximo será de bonança. Em suas previsões, os horizontes devem começar a se desanuviar no próximo mês de setembro. Mesmo que o tíquete médio do comprador ainda esteja baixo, o turismo nacional já voltou mais forte e o internacional deve retornar a todo vapor. De olho no futuro, o empresário já faz projeções e, em dois anos, pretende estar com capital aberto na bolsa de valores.

De olho no mercado, Marcelo investiu no BClub Coworking, localizado no emblemático prédio que abrigou a primeira sede do Google, em BH, na Avenida Bias Fortes: oito andares e 460 contratos assinados - Foto: DivulgaçãoO novo grupo pretende lançar uma rede de lojas multimarcas voltadas para o lazer, para se unir às 72 franquias da Flytour. A BeFly Travel surge com o propósito de ter 500 lojas no país com um conceito One Stop Shop, vendendo produtos de todas as operadoras em um só lugar. "Ali o passageiro compra câmbio, passagem aérea, faz locação de carro, pacotes com passeios inclusos, entre outras coisas, e já parcela tudo de uma só vez." Marcelo quer atender a todos os nichos do mercado, do cliente que busca lazer a grupos de incentivos, viagens de premiação e pequenos, médios e grandes eventos. "Vendo do pacote a Porto Seguro a uma viagem às Maldivas de primeira classe. De A a Z ", diz. A BeFly também tem uma consolidadora de vendas de passagens aéreas para pequenas e médias agências - já são atendidas quase 5 mil em todo o país. Uma das ações inovadoras realizadas durante a pandemia foi oferecer aporte de capital a juro zero para que pudessem se profissionalizar, investir em tecnologia e ganhar mais relevância. O objetivo, segundo o empresário, é aquecer o mercado como um todo. "Vendemos 400 milhões de reais por mês, o que nos dá condição de trabalhar como repassadores de bilhetes aéreos." Somente em 2019, a Flytour realizou 8.100 eventos corporativos, tornando-se o maior player de turismo de negócios do Brasil. "Só em São Paulo foram 400 mil diárias no ano. Ocupamos mais de 1 mil apartamentos por dia." A holding de turismo diversificado inclui empresas de transporte e hotelaria, operadora e até agência voltada a destinos cinco-estrelas (no início deste ano foi concretizada a compra da Queensberry Viagens). O luxoso hotel Botanique, que opera sob a bandeira Six Senses, em Campos do Jordão (SP), é outra aposta do empresário que, em sociedade com Daniel Vorcaro, do Banco Master, pretende expandir as acomodações de 20 para 40 quartos, sem perder o padrão butique.

Com as "antenas sempre ligadas" em novas oportunidades, como ele mesmo gosta de frisar, Marcelo não deixou de notar outra carência no mercado. A crise sanitária e econômica, que levou várias empresas a fechar as portas, fez surgir a necessidade de locais para que elas recomeçassem ou dessem continuidade aos trabalhos. Ele investiu então no BClub Coworking, localizado no emblemático prédio que abrigou a primeira sede do Google em BH, na Avenida Bias Fortes. O que a princípio funcionava em apenas um andar, com 15 contratos iniciais, em menos de um ano ocupou oito andares e chegou a 460 contratos assinados. Apesar de a maioria ser de empresas ligadas ao turismo, o espaço também recebe clientes de outras áreas.

Marcelo lida o tempo todo com o paradoxo de voar cada vez mais alto, mas sem tirar os pés do chão. A compra da Flytour reforçou uma certeza: volume de vendas não é tudo. É preciso administração coesa e rentabilidade para se manter no mercado. "Aprendi muito com o meu pai. Temos de ter sempre gratidão e jamais perder a humildade", diz. "O mundo dá muitas voltas." Enquanto ele gira, Marcelo acelera. Seja ao volante do carro dos sonhos de sua juventude seja no comando de sua empresa campeã.

- Foto: DivulgaçãoComo é a BeFly, holding de turismo que é líder no segmento de viagens corporativas no mercado nacional e segunda maior consolidadora e operadora de viagens

  • Faturamento de R$ 10 bilhões até 2023 (previsão)
  • Mais de 9 mil clientes atendidos
  • Mais de 700 mil passageiros por mês
  • 1.350 colaboradores
  • Mais de 300 pontos de venda

Empresas que compõem a holding:

  • Flytour
  • Belvitur
  • Queensberry
  • Vai Voando

Alguns dos serviços prestados:

  • Venda de passagens aéreas
  • Hotelaria
  • Assistência digital
  • Câmbio
  • Seguro viagem
  • Parking
  • Ferramenta para gestão de passagens aéreas e diárias de hotéis

Marcelo Cohen, que já visitou mais de 100 países, escolhe nove destinos em alta no mundo, no Brasil e em Minas Gerais. Confira:

Mundo

Dubai: Parte dos Emirados Árabes Unidos, combina um movimentado centro de negócios, lojas de luxo em profusão e muitas atrações para os visitantes. Não ficou fechada em nenhum momento durante a pandemia, o que tornou o destino turístico ainda mais movimentado. - Foto: PxHere
Miami: O clima predominantemente ensolarado da cidade do extremo sul da Flórida atrai turistas durante todo o ano. Mas não são só as belas praias que agradam aos brasileiros. Miami tem um noite agitada, além de comércio variado, restaurantes badalados e excelentes atividades culturais. - Foto: PxHere
Paris: Um destino que não sai de moda, a capital francesa conta com alguns dos principais museus do mundo, como o Louvre e o D`Orsay; monumentos espetaculares, a exemplo da Torre Eiffel e da Catedral de Notre-Dame; além de restaurantes e cafés conhecidos mundo afora. Tudo isso banhado pelo Rio Sena. - Foto: PxHere

Brasil

Campos do Jordão (SP): No ano passado, Marcelo adquiriu o hotel Botanique, administrado pela bandeira Six Senses. Com uma vista de tirar o fôlego da Serra da Mantiqueira, tem apenas sete suítes localizadas no prédio principal e 13 vilas privativas, servidas por 100 funcionários. Há planos de dobrar a capacidade do empreendimento. - Foto: Divulgação
Jericoacoara / Preá (CE): Jeri já é uma velha conhecida dos viajantes brasileiros (e estrangeiros), mas aos poucos a vizinha Preá vem atraindo olhares e visitantes. É um destino perfeito para esportes aquáticos ou passeios de bugue ou veleiro. Não quer muita emoção? Andar pela orla e curtir o pôr-do-sol já vale - e muito - a viagem. - Foto: Divulgação
Gramado (RS): A cidade da Serra Gaúcha há muito tempo deixou de ser destino apenas no fim de ano, por causa da programação do Natal Luz. Entre junho e julho as geadas são comuns e com sorte rola até neve. Em agosto tem festival de cinema. E em qualquer mês do ano vale a pena passear pela margem do Lago Negro, com suas árvores trazidas da Flresta Negra, da Alemanha. - Foto: Wikimedia Commons

Minas Gerais

Tiradentes: A cidade histórica fundada no início do século VIII teve seu conjunto arquitetônico e urbanístico tombado pelo Iphan e encanta pelas igrejas imponentes e pelo casario térreo. Conta com bons hotéis e pousadas, além de restaurantes estrelados. - Foto: Wikimedia Commons
Conceição de Ibitipoca: O vilarejo pertencente ao município de Lima Duarte chama a atenção pelas ruas de paralelepípedo, casinhas charmosas e a tranquilidade de um lugar que parece ter parado no tempo. É o ponto de partida para o Parque Estadual do Ibitipoca, famoso pelas grutas, cachoeiras e vistas deslumbrantes. - Foto: PxHere
Instituto Inhotim: Maior museu de arte contemporânea a céu aberto do mundo, reúne cerca de 560 obras de mais de 60 artistas de 38 países diferentes, como Adriana Varejão, Helio Oiticica, Matthew Barney, Tunga e Doug Aitken. Em um dia só é impossível dar conta de tudo. O jardim botânico conta com mais de 4000 espécies de plantas, sendo 1,4 mil só de palmeiras. - Foto: Divulgação
.