O chef Caio Soter conta a história de Minas no novo menu do Pacato, batizado ide "do barro à lama" (ao lado): "Na época da exploração do ouro, muita gente mudou para cá, e não tinha um mercado capaz de fornecer comida para todos" - Foto: Brejo/Divulgação e Victor Schwaner Divulgação (na ordem)Basta um olhar mais atento enquanto se roda pela Grande BH para se ter uma certeza: a capital mineira está repleta de novos bares e restaurantes. Se a cena gastronômica estava um tanto paradona por causa da pandemia, foi só a vacinação avançar que chefs e empresários tiraram seus projetos das gavetas e começaram a acender os fogões. Essa retomada de setores ligados ao lazer, turismo e entretenimento tem até nome (que tem tudo a ver com o assunto desta reportagem): "efeito champanhe".
"É um movimento natural, já que tantos negócios ficaram incubados durante esse período", diz o chef Caio Soter, que em outubro do ano passado inaugurou o Pacato. A aposta inicial da casa está nos menus degustação, elaborados para refletir a história de Minas Gerais. "Na época da exploração do ouro, muita gente mudou para cá, e não tinha um mercado capaz de fornecer comida para todos", conta o chef. Com a fome, os pioneiros tiveram de se reinventar, colocando as plantas nativas na mesa. E é assim no Pacato. Pancs, carnes, preparos, tudo feito para criar uma releitura contemporânea de receitas tradicionais.
"O sarrafo da gastronomia em BH vem subindo a cada ano. Agora, não é mais necessário ir para São Paulo para viver experiências gastronômicas. Temos boas referências aqui." O menu mais recente do restaurante é composto por nove tempos e foi batizado de "do barro à lama", uma homenagem feita pelo chef à história e à cultura do Vale do Jequitinhonha, mas sem esquecer do impacto causado pelo rompimento da barragem de Brumadinho nos rios que abastecem a região.
No Turi, o novo restaurante do chef Cristóvão Laruça, o contato entre clientes e cozinheiros é direto. "Quem está preparando os pratos serve quem está do outro lado do balcão. E pode ficar à vontade para perguntar, pegar dicas, acompanhar todo o processo". Entre as delícias feitas exclusivamente na brasa, magret, coulis de ameixa e creme de castanha de caju sob pão de trigo sarraceno - Foto: Neureu Jr./Divulgação e Divulgação (na ordem)Outro chef impactado pela pandemia foi o português Cristóvão Laruça, obrigado a colocar seu Turi – "fogo" em tupi – na geladeira. "As obras começaram lá em 2019", lembra o chef, responsável também pelo Capitão Leitão e pelo Caravela. Em fevereiro deste ano, finalmente, pode abrir as portas, apresentando uma proposta, digamos, revolucionária. Fogão a gás, fritadeira, forno elétrico não são benquistos por ali. Todo o processo de cocção e defumação dos alimentos é feito na brasa das lenhas selecionadas pelo cozinheiro. "A ideia é reconectar um pouco com o momento em que a humanidade controlou o fogo." E o cliente é bem-vindo para acompanhar o processo de perto. Além dos 60 lugares nas mesas espalhadas, há outras 14 cadeiras no balcão que cerca a cozinha aberta. "Quem está preparando os pratos serve quem está do outro lado do balcão. E o cliente pode ficar à vontade para perguntar, pegar dicas, acompanhar todo o processo", encoraja o chef, com seu sotaque lusitano carregado.
Com a ajuda de um agrônomo, a chef Bruna Martins conseguiu criar no sítio do pai uma horta capaz de abastecer a Birosca S2 e o Florestal (onde é possível provar pratos como o vinagrete de Polvo, acompanhado por uma coalhada de leite não pasteurizado feita na casa: "Agora, tem verduras, legumes para o ano todo, sem depender de sazonalidade" - Foto: Victor Schwaner/Divulgação e Divulgação (na ordem)O período de incerteza também alterou o planejamento de Bruna Martins. A chef criadora do Birosca S2 encontrou o ponto perfeito para ampliar o Gira, seu bar de vinhos no Mercado Novo. Fechou contrato de aluguel na avenida Assis Chateaubriand, perto da rua Sapucaí, e aí, veio o fechamento do comércio imposto pela prefeitura.
"Foi um período que maturei a ideia, pensando se desistia ou não", conta. Assim nasceu o Florestal, um restaurante onde os vegetais são os grandes protagonistas. "São releituras de receitas conhecidas, como kibes, tacos, sanduíches. São versões sem carne de comidas do mundo todo." Bruna também colocou opções com peixes e frutos do mar em uma estufa, no interior da casa, mas garante que os clientes não sentem falta do boi, frango e do porco. O protagonismo vegetal vai além do cardápio. A casa é repleta de plantas e decorada com tons terrosos. Isso sem falar nos pratos em si, que lembram os vasos feitos de barro. A maior conquista nessa missão, no entanto, está na origem dos vegetais. A maior parte dos ingredientes servidos no Florestal foram plantados e produzidos pela própria chef, no pequeno sítio onde mora seu pai. "Contratei um agrônomo para ajudar no planejamento.
Agora, tem verduras e legumes para o ano todo, sem depender de sazonalidade", conta Bruna Martins, com orgulho.
Felipe Leão conta que já observava a vida voltando à normalidade quando decidiu dar o pontapé inicial no Villeon, especializado em comida contemporânea com receitas como lombo de atum fresco, levemente selado, em crosta de gergelim, servido com purê de batatas e frescor de wasabi e condimento de frutas cítricas e alga nori: "Nosso cardápio é muito vivo. Mesmo com inspirações internacionais, tentamos dar sempre um toque de mineiridade nos nossos pratos" - Foto: Pádua de Carvalho/Encontro e Divulgação (na ordem)Há quem viu nessa turbulência toda uma oportunidade para mudar de ramo. Localizado no Vila da Serra, o La Matta foi montado por pai e filho. "Nós não tínhamos experiência com o mercado de gastronomia. Meu pai é do ramo de móveis e eu trabalhava com ações", conta André Nogueira. Mesmo não sendo da área, a dupla fez o que sabe de melhor: planejou cada passo. "Temos um tripé de funcionamento: ambiente, atendimento e comida. Acreditamos que conseguimos competir com qualquer restaurante, sem precisarmos de chefs renomados." Após alguns percalços, que serviram de aprendizado para pai e filho, o La Matta abriu suas portas no Vila da Serra, no mesmo prédio onde André trabalhava. A culinária escolhida foi a mediterrânea, apostando no frescor e qualidade dos ingredientes. Grande parte dos insumos são produzidos e entregues semanalmente por uma fazenda de Luz, no centro-oeste de Minas. "Os frutos do mar também têm uma logística excelente, o que mantém a qualidade dos produtos", afirma André, aliviado, já que um dos xodós do restaurante é o arroz negro, feito com polvo grelhado, lula e servido acompanhado por um aioli.
Guilherme Batista, do Estância 72 (na foto, à dir., com o sócio da casa, Gustavo Lopes), acredita que a vida voltou 100% à normalidade e que o empreendimento só tem a crescer com os clientes retomando o prazer de estar à mesa provando pratos como os camarões VG flambados em vodca, acompanhados de massa calamarata e molho pomodoro: "As pessoas estão felizes em poder novamente se entreter em bons lugares" - Foto: Pádua de Carvalho/Encontro e Divulgação (na ordem)Outro projeto que ficou na gaveta por causa da pandemia foi o do Villeon, que abriu as portas no bairro Luxemburgo há um ano. O projeto começou ainda em 2020, quando a prefeitura começava seu plano de flexibilização das restrições impostas ao comércio. "Eu não tive medo, pois sempre acreditei que voltaríamos à normalidade ou iríamos nos adequar ao novo normal", diz o chef e proprietário Felipe Leão. "No fundo, eu sabia que a humanidade daria um jeito de se adaptar." Ele, que estudou gastronomia na França e trabalhou em restaurantes no país europeu e no Brasil antes de criar o Villeon, lembra que já observava a vida voltando à normalidade na Europa quando decidiu dar o pontapé inicial no empreendimento. De cozinha contemporânea, com inspirações francesas e italianas, o Villeon possui um cardápio dinâmico, tanto que já está em seu terceiro menu desde a inauguração. "Nosso cardápio é muito vivo. Mesmo com inspirações internacionais, tentamos dar sempre um toque de mineiridade nos nossos pratos", afirma Felipe. Destaca-se entre as opções, o confit de pato, com arroz de pato e purê de maçã. "É um sucesso!"
A pandemia alterou drasticamente os planos do casal Guilherme Furtado e Gabriela Guimarães, do Okinaki, cujo cardápio é baseado nas comidas de rua da Ásia e traz criações como o curry tailandês de camarões com abacaxi: "É um tipo de culinária que BH estava carente. O público adora", diz Guilherme - Foto: Edy Fernandes/DivulgaçãoSeis meses mais jovem, o Estância 72, na Alameda do Morro, no Vila da Serra, aposta na boa gestão para se solidificar no concorrido mercado de gastronomia da região, que se tornou ainda mais efervescente no pós-pandemia. O administrador Guilherme Batista acredita que a vida voltou 100% à normalidade e seu estabelecimento só tem a crescer com a população retomando o prazer de estar à mesa de uma boa casa, após esse ato ficar represado durante a crise. "As pessoas estão felizes em poder novamente se entreter em bons lugares. Por isso, focamos na excelência do atendimento e dos nossos produtos para trazer uma experiência gastronômica que marque quem passa pelo Estância 72", diz Guilherme. No estabelecimento, destacam-se a picanha bovina angus na brasa, com molho roti, relish de cebola roxa e alho assado; e a lagosta inteira feita na brasa, finalizada com manteiga e ervas de Provence, acompanhada por risoto cremoso com pesto da casa, muçarela de búfala, tomate confit e pétalas de manjericão. "São pratos que trazem a nossa essência, que é a parrilla", afirma Guilherme.
Aurélio e André Nogueira, pai e filho, decidiram abrir um restaurante próprio na pandemia: "Temos um tripé de funcionamento: ambiente, atendimento e comida. Acreditamos que conseguimos competir com qualquer restaurante, sem precisarmos de chefs renomados", diz André. No menu, criações como bacalhau confitado com batatas e tomates tostados - Foto: Violeta Andrada/Encontro e Divulgação (na ordem)O casal Gabriela Guimarães e Guilherme Furtado também teve de refazer seus planos. A dupla de chefs, que rodou Ásia, Europa e Estados Unidos nos últimos 15 anos, sonhava em abrir um restaurante que servisse de casa para todas essas referências. Mas o momento de incertezas obrigou-os a escolher um caminho mais enxuto. "Decidimos por abrir o Okinaki, espécie de bar de comida de rua da Ásia", conta Guilherme. Segundo ele, a ideia nasceu do sucesso que os pratos têm no serviço de entrega criado pelo casal durante a pandemia. No cardápio da casa charmosa, que fica perto da Praça da Assembléia, estão receitas comuns no outro lado do mundo e que, pouco a pouco, vêm conquistando seu espaço no Ocidente. Ramen de missô, baos, guioza, o oniguiri de salmão são algumas delas. "É um tipo de culinária da qual BH estava carente. O público adora", acredita o chef. Um dos queridinhos do cardápio é o ssäm de atum, uma versão de um prato muito comum na Coreia do Sul, em que o próprio cliente monta uma espécie de sanduíche com carnes, brotos e legumes, tudo enrolado em uma folha de alface. No Okinaki, o ssäm é feito com tartar de atum, uma maionese coreana picante, arroz crocante e picles de cenoura, e chega montado na mesa.
Na busca pelo endereço do seu novo restaurante, o Per lui, o chef Yves Saliba (na foto com o sócio Vitor Magalhães) recusou ofertas no Vila da Serra e Lourdes. Levou seu pratos cheios de técnicas, como o músculo assado por 16 horas com brócolis na brasa, farofa de pão de alho e abóbora, para um ponto aconchegante da Serra: "A cozinha move qualquer pessoa para qualquer lugar" - Foto: DivulgaçãoEntre esses novos e surpreendentes estabelecimentos, tem ainda quem nasceu por causa da pandemia. A história do Per Lui começa dentro do CTI. Isso mesmo. Foi lá que o chef Yves Saliba conheceu o médico e futuro sócio Vitor Magalhães. "Ele era parte da equipe médica que cuidou de mim quando estava com Covid-19", conta o cozinheiro. Depois que venceu a batalha pela vida, Yves mudou completamente. Abdicou da correria para apostar em uma cozinha mais intimista, dando tempo ao tempo. Até que foi convencido pelo médico a abrir seu novo restaurante, em uma casa aconchegante no bairro Serra. "Nós olhamos outros pontos, em locais mais badalados de BH, mas nenhum se compara a este", conta o chef. Quando perguntado sobre porque abdicou de um endereço mais "na moda", Yves crava: "a cozinha move qualquer pessoa para qualquer lugar". O restaurante opera de quinta a domingo, à noite. O forte da casa é o menu degustação, elaborado a muitas mãos na cozinha, colhendo referências culinárias e afetivas. "A sobremesa do nosso menu ‘memórias’ foi emblemática: era um baleiro antigo com vários belisquetes, como brigadeiro, pão de mel, bala de caramelo". E de onde surgiu esse nome? Per lui, em francês, quer dizer por ele, homenagem feita pelo chef a seu pai, Marcelo Saliba, vítima da Covid-19. z
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