A partir daquele momento, com uma nova governança constituída, o desafio seria estruturar uma autonomia que permitisse não só a sobrevivência, mas a manutenção da relevância e maior democratização do equipamento cultural localizado em Brumadinho, município a 60 km de Belo Horizonte. Três anos depois das profundas mudanças e às vésperas de completar 20 anos, o Inhotim tem muito a celebrar.
. Sob a liderança da diretora-presidente Paula Azevedo, 50 anos, a instituição hoje é autônoma e tem um orçamento anual de mais de R$ 90 milhões, totalmente obtidos por meio de patrocínios e apoios. Mais que isso, segue exercendo um papel de fomentador econômico e social na região.
. “Nos últimos anos, desde que cheguei, esse tem sido o meu desafio: a institucionalização, autonomia, otimização de recursos e processos e capacitação de pessoas, para que possamos ter o Inhotim, por muitos e muitos anos, disponível para a sociedade. Já transicionamos de uma estrutura em que dependíamos totalmente do nosso fundador para um projeto que busca pensar no futuro e em sua perenidade, com patrocínios e parcerias. Mas, ao falar de futuro, também estamos interessados em pensar em novos modelos de negócios que resultem em geração e diversificação de receita ao museu”, afirma Paula, que desembarcou em Minas Gerais credenciada pela larga experiência na direção de entidades culturais como o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) e o Instituto Tomie Ohtake.
. Para a construção deste projeto de longo prazo, uma das frentes de atuação crucial foi a da construção de parcerias. Quando Paula começou a atuar no museu, em 2022, ainda como diretora-vice-presidente, eram 22 os parceiros e patrocinadores. Agora são mais de 80, dentre eles a Vale, cujo acordo histórico foi firmado em 2023. “Foi um marco para o setor cultural no Brasil”, avalia Paula ao falar do investimento de R$ 400 milhões da mineradora ao longo de dez anos, permitindo ao Inhotim, nos dizeres da gestora, algo raro na área cultural: a possibilidade de planejar o amanhã com visão de médio e longo prazo. Parte do aporte direto da empresa será, inclusive, destinado à criação de um fundo patrimonial – endowment, no jargão do mercado financeiro –, cujos rendimentos acima da inflação visam garantir a sustentabilidade futura do instituto, preservando o capital principal.
. Embora vista como fundamental, a parceria com a Vale não é a única. “O número de apoiadores felizmente vem crescendo ano a ano (em 2024, eram 71)”, situa, lembrando que essas colaborações são fundamentais não apenas para a manutenção da instituição, mas para a expansão dos programas em arte, educação e natureza mantidos pelo equipamento. “Elas ampliam nosso impacto social e econômico, fortalecem o território e a comunidade em que estamos inseridos, geram empregos e criam oportunidades transformadoras para as pessoas visitantes e colaboradoras”, conta.
. Para Paula, o avanço do processo de institucionalização, com foco em governança, gestão responsável e transparência, tem sido essencial para atrair e manter investidores e patrocínios plurianuais. “Trata-se de um ciclo virtuoso: quanto mais forte a gestão, mais robusta a programação, e mais parceiros se somam ao projeto”, aponta, inteirando ainda que, além das empresas, também há um trabalho para atrair o engajamento de pessoas físicas por meio do programa de Patronos e Amigos do Inhotim.
. Dentre as ações destaca-se também o Anoitecer em Inhotim, ação de fundraising que oferece um jantar exclusivo nos jardins do museu durante o pôr do sol, com atrações musicais, e é realizado em parceria com a grife italiana Gucci desde 2023. Mais comum em países da Europa e nos Estados Unidos, o modelo vem ganhando aderência no Brasil nos últimos anos. A última edição, em agosto do ano passado, contou com 400 convidados e rendeu ao museu um total de R$ 3,2 milhões.
. Recorde de público
A gestora lista uma série de outras iniciativas, incluindo programas direcionados ao território, como o Nosso Inhotim, que garante entrada gratuita a moradores de Brumadinho, e o Inhotim Para Todos, voltado à inclusão de instituições culturais e educativas, que colaboraram para a democratização do local. Como resultado, em 2024, 59% do público total teve acesso gratuito ao museu.
. “Brumadinho é a casa do Inhotim. É daqui que vem a maioria das pessoas que trabalham conosco. Por isso, uma relação sensível, responsável e próxima com o território é um dos nossos valores, constam na nossa declaração de vocação”, ressalta, consciente de que a presença do museu reconfigura a economia e a autoestima local, sobretudo depois do rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em 2019, que causou a morte de 272 pessoas e um grande prejuízo ambiental, além de marcar para sempre a região. Hoje, diz, o instituto possui uma diretoria dedicada a construir e qualificar as relações com o município, chamada Educação e Território.
. O prefeito da cidade, Gabriel Parreiras (PRD), 32 anos, confirma e enaltece a presença do Inhotim em seu território. Ele diz que pretende, ao contrário das outras gestões, estreitar cada vez mais os laços com o instituto e transformar o município em um polo turístico a partir da atração que o museu exerce. “O objetivo é que Brumadinho seja conhecida como a cidade do Inhotim. Estamos trabalhando juntos e é muito bom ver o resultado disso”, garante. Ele cita como exemplo um projeto conjunto que visa revitalizar as praças da cidade com a identidade visual do museu.
. O chefe do executivo municipal acredita que o vínculo com o instituto ajudará na promoção da economia da cidade e, por consequência, beneficiará o cidadão e criará oportunidades de emprego. “Investir no turismo é o mesmo que investir na cidade, pois eu preciso ter uma cidade mais arborizada, mais limpa, com as unidades de saúde mais eficazes, um transporte público melhor”, assinala.
O município tem realmente atraído investimentos por conta do museu. Em 2024, foi inaugurada uma unidade do luxuoso Clara Resort, um investimento de mais de R$ 200 milhões. De acordo com Parreiras, a vinda do hotel abriu a porteira. “O Clara Resort deu início a uma leva de hotéis que estão nos procurando”, situa. Em maio deste ano, o grupo português Vila Galé anunciou a construção de uma unidade na cidade, a um custo de R$ 180 milhões.
. “Estamos fomentando também a vinda de outros restaurantes, cafés, e pretendemos desenvolver um programa de avanço do turismo com o objetivo de trazer 30 novos hotéis e pousadas para a cidade”, conta. Ele informa ainda que foi criado, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, um setor específico para tratar com investidores interessados desses setores.
. Mão na massa
Há três anos à frente do Inhotim, Paula Azevedo segue baseada em São Paulo, mas vem a Belo Horizonte regularmente, mantendo um apartamento de apoio na cidade. “Minha relação com Minas é de muito afeto, desde o sotaque dos mineiros ao pão de queijo”, confessa. Quando recebe amigos na capital mineira, além de levá-los ao Inhotim, claro, há outras indicações que costumam estar no seu radar. “Um dos meus programas favoritos é ir ao Mercado Central, onde encontro sabores, experiências típicas e deliciosas. Essa visita não pode faltar. Além disso, costumo recomendar conhecer a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e a escola do Grupo Corpo”, cita.
. Já no museu, do qual se tornou a primeira mulher a ocupar a presidência, a menina dos olhos é a obra “Forty Part Motet” (2001), da artista canadense Janet Cardiff – aquela das caixas de som, que fica na Galeria Praça. “É sempre especial e potente entrar naquela sala. Vou até lá quando quero me inspirar ou relaxar. Ela tem pouca interferência visual e mexe com os meus sentidos e emoções de maneira diferente a cada visita”, reconhece ela que, autodidata, aprendeu a gerir no próprio ato de fazer, sem ter concluído nenhum curso universitário.
. “Minha trajetória profissional foi construída em diálogo constante com instituições culturais e coleções privadas, experiências que foram fundamentais para minha formação como gestora”, localiza, lembrando que, em 2021, atuou como diretora de relações institucionais e governança no Instituto Tomie Ohtake. Antes, integrou a diretoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) por oito anos, onde também foi coordenadora do Núcleo de Arte Contemporânea. Ela ainda foi diretora do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), onde segue contribuindo como membro do conselho de administração.
. “Ao longo desse percurso, tive a honra de trabalhar e aprender com grandes nomes da cultura brasileira – como Milu Villela, Raquel Arnaud e Ricardo Ohtake – que foram referências fundamentais para a minha atuação neste o campo”, ressalta. “Essas vivências me prepararam para os desafios e a responsabilidade de liderar o Inhotim, especialmente nesse momento de consolidação institucional e de construção de um legado voltado à sustentabilidade, ao impacto social e à relevância cultural”, conclui.
. Paula ainda se lembra da primeira vez que esteve no museu, quando olhou para aquele lugar a partir de um ponto de vista um tanto particular: o de mãe. Ocorre que, quando chegou a Brumadinho, naquela oportunidade inaugural, a paulista, que é mãe de três, estava com as crianças ainda pequenas. Acostumadas ao modelo tradicional de museu, elas estranharam o instante em que as esculturas surgiram entre jequitibás e lagos tropicais.
. “A fusão entre arte e natureza foi uma surpresa”, recorda. A partir de então, não teve jeito: o encantamento acabou potencializado pelo deleite infantil e deixou marcas tão fortes em suas memórias e afetos que, anos depois, Paula elegeu aquele espaço para celebrar seus 40 anos. “Dentre muitas opções possíveis, foi o destino escolhido para entrar em uma nova década, sem saber que seria, anos mais tarde, meu lugar de realização profissional”, reflete, referindo-se ao desafio de assumir a gestão do instituto em um momento tão decisivo.
. De olho no amanhã
Ainda em 2025, o museu prepara novidades, como a inauguração, em outubro, de uma grande exposição em homenagem ao legado de Pedro Moraleida (1977-1999). A mostra sela a programação do projeto “Moraleida, 25 anos depois...”, que, iniciado no ano passado, lembra os 25 anos da morte precoce do multiartista belo-horizontino, aos 22 anos. Apesar de muito novo, ele deixou um acervo que impressiona pelo volume e diversidade de formas, técnicas e suportes utilizados.
. No mesmo mês, o artista guatemalteca Edgar Calel apresenta obras comissionadas pelo Inhotim, realizadas a partir de sua convivência com o território de Brumadinho, em sua primeira exposição individual no Brasil, enquanto a belo-horizontina Lais Myrrha realiza uma escultura monumental ao ar livre, também feita para o museu, que trata da mineração e do modernismo arquitetônico, dois marcos simbólicos da cultura mineira.
. Força gravitacional que atrai novos empreendimentos
“A escolha por Brumadinho e, especialmente, pela área do Inhotim, está alinhada com o propósito do Clara Resorts de oferecer experiências únicas e transformadoras”, afirma Taiza Krueder, CEO da rede, que prioriza, desde a construção, fornecedores e prestadores de serviços regionais em todas as etapas. Atualmente, o resort conta com 46 bangalôs e oferece piscina climatizada, sauna, spa, brinquedoteca, restaurante, academia e espaço para eventos. Uma das singularidades do projeto é a valorização da estética artística, presente inclusive nas acomodações. “Cada um dos bangalôs foi projetado para refletir a essência artística do local. Todos têm varanda com lareira, e alguns contam com banheiras esculpidas em pedra-sabão”, destaca Taiza.
. Para os próximos anos, Taiza projeta um cenário de expansão. Para começar, até agosto de 2026, serão construídas 30 novas acomodações. Depois, uma segunda etapa prevê um spa cinematográfico no meio da floresta, novas suítes e a ampliação do centro de eventos. “Nossa expectativa é inaugurar um resort completo com 150 acomodações até 2029, em uma área a 700 metros do Instituto”, antecipa a empresária.
. Vila Galé também chega a Brumadinho
Além do Clara Arte, outro investimento expressivo para a região, já confirmado, é o Vila Galé Brumadinho, resort do grupo português que deve abrir as portas até 2027, com aporte superior a R$ 180 milhões. “São empreendimentos muito importantes para o turismo da região. E, do ponto de vista do institucional, tudo que é bom para o turismo da cidade, é bom para o Inhotim. Além de aumentar o número de quartos disponíveis na região, esses empreendimentos trazem emprego e renda. O Inhotim, que historicamente estabelece um diálogo próximo e sensível com o território, vê com bons olhos ações como essas que fortalecem o território”, afirma Paula Azevedo.
. O novo hotel será instalado na Serra da Conquistinha, em área próxima ao Instituto Inhotim e à BR-381, em um terreno que será cedido pela Prefeitura de Brumadinho por meio de termo de cooperação com o grupo Vila Galé. A expectativa é que a obra comece em 2026, com conclusão prevista para 2027, gerando 300 empregos diretos e indiretos. Além disso, o município investirá cerca de R$ 10 milhões em infraestrutura, com a duplicação da estrada que liga Brumadinho a São José de Bicas, facilitando o acesso ao novo empreendimento e à região onde está sendo construído um novo aeroporto em Betim.
. Jardim Sonoro: a camada extra da música
“O Inhotim traz uma experiência que, ao aliar arte e natureza, é, por si só, muito imersiva! Com o Jardim Sonoro, podemos acrescentar uma camada extra, que é a música, a esta experiência. Observamos que é uma junção poderosa”, celebra. “No ano passado, tivemos uma adesão incrível por parte dos visitantes. É gratificante e está ligado a um objetivo de minha gestão que é tornar o museu mais acessível”, complementa.
. A edição seminal levou Paulinho da Viola, Ballaké Sissoko & Vincent Segal, Joshua Abrams & Natural Information Society e Aguidavi do Jêje a palcos espalhados pelo gramado central. E Paula estava lá, não só como uma líder muito ocupada em coordenar equipes e, com elas, fazer tudo acontecer, mas também como espectadora: “Consigo desfrutar o Inhotim de muitas maneiras! No ano passado, por exemplo, consegui assistir ao lindo show do Paulinho da Viola... E observando todo o público curtindo e vibrando, o Inhotim cheio, a arte, a natureza... Isso me enche de alegria e me faz ver sentido no trabalho que estou empenhada nesses anos todos”, examina.
. A segunda edição, marcada para os dias 11, 12 e 13 de julho de 2025, destaca a voz como instrumento de manifestação cultural. O line-up inclui artistas como a indígena Djuena Tikuna, do Amazonas, a jazzista norte-americana Cécile McLorin Salvant, a cantora paulista Mônica Salmaso, a sul-matogrossense Tetê Espíndola, o bloco afro baiano Ilê Aiyê e a multiartista mineira Brisa Flow. Desta vez, os shows ocorrem em dois espaços inéditos: o Palco Desert Park, próximo à obra Desert Park (2010), de Dominique Gonzalez-Foerster, com vista para a Galeria Adriana Varejão, e o Palco Piscina, nas proximidades da obra Piscina (2009), de Jorge Macchi. O acesso é gratuito para quem está no parque (mediante o pagamento do ingresso para entrar no Inhotim).
. - O Inhotim conquistou duas novas certificações em 2024 na área do meio ambiente: o Selo Ouro no Programa Brasileiro GHG Protocol e o Selo BGCI Accredited Garden. Além disso, o instituto anunciou, no mesmo ano, a descoberta de uma nova espécie de orquídea, denominada Catasetum x inhotimensis, resultado do cruzamento espontâneo entre as espécies Catasetum hookeri e Catasetum lanciferum.
Aplicativo comparado ao da Disney
Além da atenção ao território, para o público global o olhar do instituto é também cuidadoso. Dois exemplos recentes dessa atenção foram o lançamento do Manual da Pessoa Visitante, com orientações e código de conduta, e do novo aplicativo Inhotim, que oferece informações, mapas e planejamento de visita de forma simples e gratuita. A ferramenta já foi comparada a soluções como o aplicativo usado nos parques da Disney, criados para auxiliar visitantes a desfrutar da estrutura tendo em vista seus principais interesses. “Manter a qualidade da experiência é parte central da nossa missão e essas ferramentas reforçam nosso cuidado com o acolhimento e a autonomia de quem nos visita”, aponta Paula Azevedo.