Revista Encontro

Gastronomia

De produção artesanal a startups, cogumelos impulsionam mercado em Minas

Produtores da região metropolitana de BH apostam no potencial gastronômico desses alimentos

Daniela Costa

Pertencentes ao reino ao Reino Fungi, os cogumelos são tidos como aliados poderosos para quem busca uma dieta equilibrada: pobre em calorias e rico em fibras e minerais - Foto: Pádua de Carvalho

Em meio às matas de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, Roney Bernardes Rocha se dedica à produção orgânica de cogumelos, alimentos que além de nutritivos, carregam, segundo ele, uma filosofia de respeito à natureza, à alimentação consciente e à saúde. Pioneiro no estado, sua trajetória começou em 1987, em um sítio em Confins, quando, já vegetariano, ele buscava alternativas agrícolas que não envolvessem o abate de animais. “Eu queria produzir algo sustentável, que pudesse ser cultivado em pequena escala, sem grandes impactos ambientais e que estivesse alinhado com meus princípios”, conta. Alguns anos depois, fundou a marca Cogumelos do Caminhante. No início, faltavam informações técnicas, cursos e até aceitação no mercado. "Na época, cogumelo era visto como algo exótico ou ligado ao uso recreativo de substâncias alucinógenas. O seu consumo fresco era quase inexistente em Belo Horizonte."

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Para aprender, ele precisou viajar com frequência a São Paulo, onde visitava produtores e centros de pesquisa. O desafio seguinte foi conquistar os consumidores. “Os primeiros a abraçar a causa foram estrangeiros e clientes mais habituados à alta gastronomia”, diz o produtor. Logo, feiras orgânicas da capital mineira começaram a abrir espaço para o produto. Apesar de São Paulo ser o maior produtor de cogumelos no Brasil, aos poucos Minas foi tomando gosto pelo negócio e, hoje, também se destaca na produção. Por ter clima favorável e locais com alta umidade, o estado é propício ao desenvolvimento do alimento. A maior concentração de produtores está na região Sul, no entanto, alguns municípios da região metropolitana, como Nova Lima, Rio Acima e Nova União, também se tornaram referência.

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Em 2019, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), em parceria com o Senar Minas e as prefeituras de Nova Lima e Rio Acima, realizou um programa de capacitação para pessoas que buscavam se profissionalizar no cultivo do cogumelo nas duas cidades. “Na época, fizemos o acompanhamento na parte da produção, gestão e divulgação do produto”, lembra o técnico em agropecuária Glaidson Guerra. Para aqueles que querem ingressar no negócio, ele orienta que o valor inicial do investimento varia de acordo com a espécie a ser cultivada. “Cogumelos da família pleurotus, como o shimeji e o ostra, requerem baixo investimento e permitem uma estrutura mais rústica. Já o shitake, por exemplo, exige uma casa de cultivo climatizada.”

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Produção orgânica e artesanal

 

Roney Bernardes Rocha dedica-se à produção orgânica de Cogumelos em Nova Lima: 'A alimentação é o desenvolvimento do paladar e da consciência. As pessoas precisam aprender a perceber o que estão comendo e resgatar a relação com o produtor e com a terra' - Foto: Pádua de CarvalhoA produção de Roney sempre foi artesanal e, desde 2005, certificada como orgânica. O produtor explica que a produção convencional costuma utilizar aditivos como ureia e defensivos químicos, principalmente no cultivo do cogumelo de Paris, conhecido como champignon, que exige controle rigoroso de pragas e precisa manter a aparência branca para o mercado. O cultivo artesanal utiliza resíduos agrícolas certificados, como bagaço de cana proveniente de alambiques, o que garante a adequação às exigências para obtenção do selo de orgânico. O processo leva cerca de 45 dias desde a preparação do substrato até o início da colheita, que se estende por aproximadamente dois meses. O cogumelo é colhido, limpo e rapidamente refrigerado para garantir frescor. “Da colheita à entrega, buscamos o menor tempo possível, entregando diretamente ao consumidor para assegurar qualidade e preço justo”, afirma Roney. Com produção média de 500 quilos por mês, a fazenda urbana se dedica ao cultivo de quatro espécies de cogumelos: shimejflórida), cogumelo salmão e hiratake (sajocaju).

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Embora a consciência sobre alimentos orgânicos tenha crescido no Brasil, o cogumelo ainda tem um longo caminho a percorrer. "O consumidor está mais disposto a pagar o preço do orgânico quando se trata de frutas, verduras e legumes, mas o cogumelo ainda não conquistou esse espaço", avalia Roney. Mesmo com o selo orgânico, os cogumelos competem no mercado pelo preço dos convencionais e, muitas vezes, os consumidores optam pelo produto mais barato, sem questionar a origem. "A alimentação é o desenvolvimento do paladar e da consciência. Assim como aconteceu com o café e o vinho, as pessoas precisam aprender a perceber o que estão comendo e resgatar a relação com o produtor, com a terra.”

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De restaurante a startup

 

Thiago de Azevedo inovou ao criar a Cogumelado, startup voltada para a produção e comercialização de produtos industrializados à base de cogumelos: 'O processo de conservação natural na lata foi uma inspiração direta da nossa culinária regional' - Foto: Pádua de CarvalhoEm 2018, Thiago de Azevedo decidiu embarcar em um projeto ousado: abrir um restaurante dedicado exclusivamente aos cogumelos. No cardápio da Cogumelado, hambúrgueres, risotos, entradas e pratos principais, tudo à base do alimento. O estabelecimento, instalado no Vale do Sereno, em Nova Lima, funcionou até o início de 2020. Para Thiago, no entanto, esse foi o ponto de partida de um plano maior: transformar a Cogumelado em uma startup voltada para a produção e comercialização de produtos industrializados à base de cogumelos. Assim, surgiu a ideia de vender cogumelos enlatados.

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O primeiro produto da marca nasceu em 2016: um cogumelo ostra grelhado e defumado no azeite extravirgem com chimichurri. O produto exclusivo remete à tradicional carne de lata mineira, mas com uma pegada moderna e sem conservantes. A empresa hoje produz enlatados, hambúrgueres e linguiças vegetais à base de cogumelo, itens que, segundo Thiago, não possuem similares no mercado brasileiro. “O processo de conservação natural na lata foi uma inspiração direta da nossa culinária regional, mas adaptada para criar algo completamente novo”, explica. Além do sabor e da inovação, os produtos da Cogumelado carregam um impacto ambiental significativamente menor em comparação aos alimentos de origem animal. “Um hambúrguer de carne bovina consome, em média, 2 mil litros de água para ser produzido. O nosso hambúrguer de cogumelo, apenas 10 litros.”

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Cogumelo frescos e medicinais

 

O engenheiro agrônomo Gabriel Campos Feijó Mitri criou a Innat Cogumelos e se especializou em espécies exóticas e tidas como medicinais: 'Os benefícios dos cogumelos são reconhecidos há muito tempo na medicina tradicional chinesa' - Foto: DivulgaçãoO engenheiro agrônomo Gabriel Campos Feijó Mitri se apaixonou pelo mundo dos cogumelos em 2017, quando ainda era estudante em Viçosa. O convite de um amigo para empreender na área o levou a iniciar pequenos testes no quintal da avó, no bairro Nova Granada, em Belo Horizonte. Mesmo com poucos recursos, Gabriel e o amigo construíram sua própria estufa climatizada, superando os desafios do clima da capital mineira. Com dedicação e muito estudo, passaram a dominar todo o ciclo de produção, desde o cultivo das sementes até a fabricação do substrato. Gabriel começou vendendo cogumelos frescos nas feiras e com o tempo ampliou a produção. Ele fundou a Innat Cogumelos que hoje funciona em um sítio em Nova União, onde são colhidos 160 quilos por mês.

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Além das variedades tradicionais como shimeji e shiitake, Gabriel se especializou em espécies exóticas e tidas como medicinais, como o cogumelo "juba de leão", que ele transforma em extratos e suplementos com versões líquidas, em pó e desidratadas. Embora ainda não possua certificação orgânica, sua produção é agroecológica, com controle biológico e manejo sustentável. "Os benefícios dos cogumelos são reconhecidos há muito tempo na medicina tradicional chinesa. O consumo regular pode melhorar a concentração e ajudar na prevenção de doenças neurodegenerativas", acredita o agrônomo. Pesquisas apontam que as glucanas, que fazem parte da constituição da parede celular desses fungos, podem colaborar para melhorar a resistência do organismo e destruir células tumorais.

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Valor nutricional e benefícios para a saúde

 

Ricos em proteínas, fibras, minerais e vitaminas, os cogumelos são extremamente versáteis na cozinha, podendo ser refogados, assados ou usados no preparo de molhos. Além de oferecerem aminoácidos essenciais, são excelentes fontes de vitamina D, especialmente quando expostos ao sol após a colheita. Também fornecem vitaminas do complexo B, que contribuem para a saúde do sistema nervoso e melhora do foco mental. "É um alimento completo, leve, com digestão fácil e propriedades que contribuem para a saúde. Por isso, vem ganhando espaço nos pratos e nos estudos sobre alimentação saudável”, diz o nutricionista Pedro Rattón. O especialista explica que os cogumelos não pertencem ao reino vegetal  mas, sim, ao Reino Fungi. “Esses fungos são aliados poderosos para quem busca uma dieta equilibrada por serem pobres em calorias, ricos em fibras e minerais como potássio e selênio, e excelentes para a saúde intestinal." Ele alerta, no entanto, que nem todos os cogumelos são comestíveis, alguns são tóxicos e podem causar problemas de saúde. Por isso, a identificação correta é essencial antes de qualquer consumo.

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Seis benefícios dos cogumelos

 

 

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