- QUEM É: Flávio Roscoe Nogueira, 53 anos
- ORIGEM: Belo Horizonte (MG)
- CARREIRA :Preside, hoje, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg); é sócio-diretor das empresas Colortextil Participações Ltda, Colortextil Nordeste Ltda, Itatextil Ltda e Ftx Ltda; presidente dos Conselhos Regionais do Sesi e Senai em Minas Gerais; é vice-presidente administrativo financeiro do Sindicato das Indústrias Têxteis de Malhas no Estado de Minas Gerais (Sindimalhas) e preside a Cooperativa de Crédito da Fiemg (Credifiemg/Sicoob)
REVISTA ENCONTRO - Qual o tamanho da tensão do setor produtivo em relação às tarifas impostas pelo governo Donald Trump?
FLÁVIO ROSCOE - Vivemos uma apreensão muito grande. Na minha leitura, de maneira muito clara, o Brasil estava muito bem posicionado, na menor alíquota dos Estados Unidos, até surpreendentemente, digo, em função, justamente, dos problemas políticos. Na minha percepção, mesmo com a questão política tendo sido citada na carta (tanto no texto de anúncio do tarifaço, no início de julho, quanto na ordem executiva emitida em 30/7, há críticas duras ao sistema de Justiça brasileiro e mostras de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro), não é o que gerou esse embalo. O que gerou isso foi o posicionamento do Brasil nos fóruns internacionais recentemente.
. O discurso do presidente Lula no BRICS (o país participou, em 6 e 7 de julho, da cúpula do grupo de cooperação econômica e política formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã)?
O Brasil claramente pregou uma moeda paralela ao dólar. Isso para os Estados Unidos é algo como um ataque militar, se pudermos comparar. E nosso país vem se alinhando a outros que se contrapõem ao interesse americano, como o Irã, a China, nesta batalha comercial. Na minha leitura, o Brasil deveria voltar à posição de neutralidade. Que é uma posição que sempre orbitamos nos conflitos. Seria o melhor dos mundos. Sendo neutro, você é cobiçado por ambas as partes. E não tem rejeição. Uma política de retaliação é o pior cenário, porque os Estados Unidos têm muito mais ferramentas para retaliar o Brasil do que o contrário. Se você for olhar, 27% do investimento estrangeiro no Brasil é investimento americano. E o mercado deles é o maior mercado consumidor do mundo, é um mercado pujante.
. Mas os presidentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) questionaram a imposição sem precedentes do governo Trump e consideraram o tarifaço um ataque à soberania brasileira…
É preciso um equilíbrio: Exigir respeito à soberania, mas, ao mesmo tempo, ter a diplomacia de negociar. De certa forma, esse tarifaço foi uma retaliação a esse movimento do nosso governo. Sendo bem pragmático, os processos do Supremo já existiam contra o ex-presidente Jair Bolsonaro quando o Trump fez o primeiro tarifaço? Sim. Os embates verbais do presidente Lula em relação ao Trump já existiam? Sim. Ele chegou a compará-lo a Hitler. Então, o que mudou? Qual o cenário novo? Na cúpula dos BRICS, ele se alinhou completamente contra os interesses americanos. O que o Trump quis fazer foi dar um exemplo. Vocês vão se aliar contra mim? O resultado é esse. Essa é a minha leitura. E deu uma colher de chá ao Bolsonaro. Essa não é a análise desejada eventualmente por alguns players aqui dentro do Brasil. Porque ela constrange e tem toda uma narrativa já criada. Mas eu somo 1 + 1. E 1 1= 2.
. O segundo mandato do senhor na Fiemg só finaliza em dezembro de 2026, no entanto, seu nome vem sendo especulado para as próximas eleições. Como o senhor está se articulando?
Olha, a partir de 2026, tenho um leque de oportunidades. Eu tanto posso ir para a iniciativa privada - sou empresário, a empresa continua trabalhando, existindo e com bons projetos. E essa é sempre uma opção. Eu posso empreender. E também posso contribuir em outras searas, do setor produtivo de uma maneira geral, ou em outras entidades. Como também posso, eventualmente, posso ir para a vida pública. É uma discussão que eu tenho tido com meus pares aqui na Fiemg, avaliando as hipóteses também, mas não vou a qualquer preço. Vou se for para somar. Não vou em qualquer projeto, em qualquer posição. É algo que ainda está sendo desenhado. Estou me dispondo a colaborar com com o Estado, com o Brasil, não importa. Fazer um pouquinho do que eu fiz aqui lá fora. Mas sem aquela sede, o desejo de fazer isso a qualquer custo. Se entrar na política, vou entrar do jeito certo, com os valores e princípios que eu acredito e com pessoas que eu acredito também.
. Então existe a possibilidade de você se desligar do cargo para disputar a eleição já do próximo ano?
Ainda é uma coisa a se pensar. Se eu for efetivamente para a área pública, seria nesse momento. É claro que, eventualmente, pode haver um projeto nacional que seja interessante e não seja uma via eleitoral. Isso também pode ocorrer. Voltando a lembrar, fica um pouco clichê, mas eu falo de coração, o que eu quero é contribuir. Se não houver espaço para contribuição, eu vou fazer o que sempre fiz, na iniciativa privada, contribuindo com a sociedade via entidades associativas.
. Há muitos convites de partidos políticos?
Sim, existem muitos convites. Mas eu entendo que ainda não é o momento de eu tomar essa decisão. Mesmo porque aqui, na Fiemg, ainda há um tempo muito grande de atuação. E quando se toma um lado, para-se de dialogar com os outros. Aqui, mantenho diálogo aberto com todos os lados. Especialmente com quem tem posição a favor do setor industrial, da sociedade mineira, do empreendedorismo e da livre iniciativa.
. Em julho o senhor deu uma entrevista para a Folha de S.Paulo e sua fala sobre os programas sociais do governo federal repercutiu fortemente. Como o senhor avalia a necessidade de reformular esses programas para permitir que beneficiários possam ser empregados formalmente sem perder o auxílio?
Qual é o problema no Brasil hoje? Os programas sociais viraram uma barreira de entrada no mercado de trabalho. A característica e natureza desses projetos são de serem intermitentes, ou seja, serem no momento crítico da vida da pessoa, enquanto ela não encontra outra alternativa. E, na verdade, isso não está ocorrendo. O que está acontecendo é a precarização do mercado de trabalho. Curiosamente, muitas pessoas que defendem os programas sociais são totalmente contra a precarização do mercado de trabalho, mas são os programas sociais que estão precarizando o mercado de trabalho. Por que? A pessoa entra num programa social e não pode ter emprego formal. Não podendo ter emprego formal, mesmo apta a trabalhar, ela acaba fazendo bico. E assim se alimenta o mercado informal, que reduz a produtividade do país, coloca o trabalhador muitas vezes em risco e reduz a formalização, o que não é desejado por ninguém. Sempre reafirmamos: a Fiemg não é contra os programas sociais, mas a favor de que tenham interlocução com o mercado de trabalho.
. Na entrevista à publicação paulista, polemizou a fala do senhor a respeito da aposentadoria...
Foi a hora em que eu usei o termo mais forte (“O idiota é quem trabalha com a carteira assinada”), não é?. Gerou polêmica. Infelizmente, as pessoas não leem a matéria, leem o título, me criticam, me chamam de tudo quanto é nome, dizendo que eu quero precarizar o trabalho. Pelo contrário, temos que valorizar quem está trabalhando com a carteira assinada. Hoje em dia, penso, se a pessoa tiver carteira assinada, trabalhará dos 18 aos 65, se for homem, para se aposentar. São 47 anos de contribuição. Se ganhar um salário mínimo, vai pagar durante todo este tempo sobre esse valor. Mas se está no programa de assistência do governo, se aposenta com um salário mínimo após 20 anos. Eu quero ver alguém me convencer de que isso é justo. O sistema tem que ser meritocrático. Não pode dar mais benefício para quem não está trabalhando formalmente do que para quem está formal. Isso é um equívoco. Porque quem está do outro lado nunca vai querer vir para cá. E o conjunto de bens e serviços que a gente consome é produzido pelos que estão trabalhando, não pelos que estão na assistência social.
. E como que o setor da indústria, ainda falando da questão de mão de obra, entende essa proposta da redução da jornada 6 por 1 de trabalho?
Na indústria do Japão, a jornada são seis dias por semana, 12 horas por dia. Na Alemanha, a jornada máxima é de 48 horas. O Brasil trabalha menos que os Estados Unidos hora/ano. O trabalhador brasileiro é o que tem mais férias no mundo e feriados. Em número total de horas, trabalhamos menos que os Estados Unidos, que têm cinco vezes a nossa produtividade. O que é a redução de jornada de trabalho? É inflação. Porque não vai haver aumento de produtividade com a redução da jornada. E como ela é um teto legal, as pessoas confundem. A Fiemg defende a redução de jornada negociada entre as partes. Criticamos que o governo imponha um limite a qualquer categoria em qualquer circunstância. A redução de jornada é inflação na veia para todos os brasileiros. Porque todo produto de serviço vai ficar mais caro. No momento em que você não tem mão-de-obra disponível - pois não estamos conseguindo a mão-de-obra hoje com a jornada atual, quem dirá com redução de jornada? O custo das coisas vai subir. E o pobre vai pagar mais uma vez a conta. Na minha leitura, não tem nada que diga que o Brasil possa reduzir a jornada. A única maneira de você enriquecer uma economia é aumentar a produtividade. Isso é uma regra básica.
. Quais são os maiores desafios da indústria mineira para o futuro?
Eu diria que um dos grandes desafios é a comunicação. É a sociedade perceber a real importância que o setor tem. Já a indústria mineira tem várias oportunidades. O maior desafio é aproveitar as que já existem. Nós temos a matriz de energia renovável, temos um maciço florestal que a própria indústria implantou. Temos a maior área reflorestável do país. E, do ponto de vista energético, mais de 99% da matriz de Minas é renovável. E ainda somos grandes produtores sucroalcooleiros. E essa matriz energética renovável é um grande ativo da indústria e tem que ser capitalizada. O problema é que não dá para dissociar muito a indústria de Minas da indústria do Brasil. A indústria é intensiva em capital, então, num momento como esse, de juros básicos a 15%, como cresce? Ou sobrevive? Se o juro básico é 15%, a empresa está tomando a 25%, no mínimo, considerando o IOF, mais o spread bancário. Como rentabilizar? Como vamos sair dessa dessa equação? Eu diria que não dá para pensar a longo prazo num país em que a taxa de juro real está neste patamar. E por que estamos nesta situação? Porque o governo gasta mais do que arrecada, apesar de ter aumentado os impostos sucessivamente nos últimos dois anos. Todo governo gosta de gastar, mas esse governo gosta um pouquinho mais que os outros.
. E como a Fiemg tem agido nesse contexto?
A gente tenta fazer a transformação do macro resolvendo também o micro, trabalhando aqui para o ambiente do Estado ficar melhor, fazendo ações de emergência. Temos uma ‘sala de guerra’ para os casos pontuais de empresas com problema. Em que você olha o curto prazo. E tem a ‘sala de guerra’ para os projetos de lei absurdos, para as propostas surreais, para os aumentos de imposto, para convencer a sociedade que isso não é bom para a própria sociedade.
. Toda essa configuração que o senhor cita não gera um desânimo de entrar para a política?
Justamente por isso há momentos em que eu me sinto covarde de não entrar. Como tudo está acontecendo e você não vai entrar? Querer eu não quero, de jeito nenhum. Minha vida é muito boa para eu fazer isso comigo mesmo. Mas eu já fiz entrando aqui na Fiemg. A gente vai viver para quê?
Em 2022, o senhor disse numa entrevista à Encontro que a sua função seria construir pontes. Como avalia essa fala três anos depois?
Continuo construindo desesperadamente, mais do que nunca. Esse é o trabalho, mas sem perder o posicionamento. Eu acho que a crítica construtiva tem que ser feita