Revista Encontro

Teatro

Mateus Solano fala à Encontro sobre "O Figurante"; peça terá sessão extra

Com direção de Miguel Thiré, espetáculo, em cartaz nesta sexta (15) e sábado (16), reflete sobre o estado de automatização em que vivemos nos dias de hoje

Patrícia Cassesse

Mateus Solano em cena do monólogo "O Figurante": "Enquanto humanidade, inventamos uma série de falsos protagonismos através das redes antissociais, por exemplo. Acredito que é uma peça que, com muito humor, consegue trazer reflexões importantes e sacudir as pessoas" - Foto: Dalton Valério/Divulgação

Em “O Figurante”, monólogo que traz o ator Mateus Solano de volta aos palcos da capital mineira, o ofício citado no título é, como ele próprio explica, um pretexto para suscitar reflexões com o potencial de reverberarem em toda a plateia - independentemente da atividade à qual cada espectador se filie. “Eu diria que, na verdade, ‘uso’ a profissão do ‘figurante’ como uma metáfora para falar de uma sensação de invisibilidade que compete a todos nós”, explana, em entrevista à Encontro. “Afinal, quem nunca se sentiu automatizado, numa vida meio sem sentido, quase como que vivendo um roteiro que foi feito para outra pessoa interpretar?”, emenda o brasiliense, hoje com 44 anos de idade.

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A peça, que será apresentada no palco do Teatro Sesiminas nos dias 15 e 16 de agosto, portanto, é entendida por ele também como uma espécie de convite. “Para a gente refletir se somos protagonistas ou apenas figurantes, funcionários da vida”. Por outro lado, Mateus Solano gosta de pensar que, por meio do personagem Augusto, o qual interpreta, a peça também reflete sobre a beleza de ser figurante, num sentido mais amplo. “Já que nós, enquanto humanidade, fugimos dessa sensação e inventamos uma série de falsos protagonismos através das redes antissociais, por exemplo. Portanto, acredito que é uma peça que, com muito humor, consegue trazer reflexões importantes e sacudir as pessoas. Aliás, acho que é esse o dever da arte”, argumenta.

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Encenação essencial

 

No palco, Augusto é um figurante do universo audiovisual que, em dado momento, começa a questionar não só o seu próprio papel, quanto a própria existência, sentindo-se invisível no mundo. Com direção de Miguel Thiré - que já havia trabalhado com Solano em “Selfie” -, a montagem ainda abarca, na dramaturgia, o nome da também atriz Isabel Teixeira. “Conheci a Isabel numa novela que fizemos juntos (o remake de ‘Elas por Elas’, texto original de Cassiano Gabus Mendes, levado ao ar pela Rede Globo de setembro de 2023 a abril de 2024) e, assim, soube um pouco mais do processo Escrita na Cena, que ela desenvolveu”.

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Um método que, lembra Solano, dialogava perfeitamente com as diretrizes que ele e Miguel Thiré buscavam para criar um texto. Os dois, ressalte-se, defendem uma “encenação essencial”, que se vale basicamente do corpo e da voz como balizas do jogo cênico. Isabel, por seu turno, propõe estimular o ator a explorar a própria criatividade por meio de improvisos. “É um processo de retirada de ideias e de vontades do meu inconsciente”. Neste compasso, improvisações do ator eram transcritas por ela e, na sequência, debatidas. “Em seguida, a Isabel mandava uma provocação para um novo fluxo narrativo, que era igualmente transcrito e comentado por ela”.

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Detalhe: Solano frisa que, passado um ano da estreia, a peça continua conversando com os envolvidos no processo. “Tanto que a gente foi fazendo algumas modificações no curso do tempo. Para você ter uma ideia, já tivemos seis finais diferentes. Porque a verdade é que essa peça foi nos ensinando sobre ela mesma durante as apresentações e, desse modo, foi ficando cada vez mais rica, cada vez mais cheia de possibilidades. O processo Escrita na Cena, da Isabel, é riquíssimo para quem se propõe a estar sempre trabalhando - em cena e fora dela”.

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Gatilho

 

Uma curiosidade é que, perguntado se já se sentiu ocupando “um lugar muito aquém de sua potência” (nas palavras do material de divulgação da peça enviado à imprensa), Solano reflete que sua comparação com o personagem de “O Figurante” é, digamos assim, um pouco diferente. “Me lembro que, à medida em que eu ia ficando famoso (por conta da projeção angariada pelas novelas), ia me sentindo cada vez mais invisível. Era como se as pessoas tivessem uma expectativa em cima da minha imagem, querendo falar não comigo, mas com o personagem que viam na televisão, com aquilo que esperavam que eu fosse. De uma certa maneira, isso foi me invisibilizando, e, no início, foi muito duro para mim. Sem dúvida, esse desconforto foi um grande gatilho para a criação de ‘O Figurante’”, atesta.

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A fama não foi, para Solano, o protagonismo sonhado por tantas pessoas. E o ator reconheceu não estar preparado para tamanha exposição em entrevista recente ao podcast Selfie Service, de Lucas Selfie. “A história de ficar famoso foi um grande susto. Eu não esqueço quando fui à Lapa, que é um bairro boêmio do Rio de Janeiro, no dia anterior de estrear os gêmeos Miguel e Jorge (de ‘Viver a Vida’). E eu lembro de olhar em volta e pensar: ‘acho que nunca mais vou voltar aqui sem ser reconhecido’. Nunca vou esquecer isso. Eu não imaginei que fosse ser um negócio tão arrebatador”, disse. Solano contou que chegou a enfrentar crises de pânico. “Era muito assédio. Eu ia pegar um avião e as pessoas de longe vinham, vinham famílias. Eu entrava no táxi tremendo, as lágrimas caíam. Eu não me preparei pra isso, eu não estudei (pra fama)”, concluiu.

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Monólogo 

 

Sozinho pela primeira vez no palco, o ator conta que tem sido uma realização profissional muito grande. “Veja, durante muito tempo eu fui conhecido como um ator da Globo. Assim, ao final do contrato (este ano, ele encerrou o contrato fixo com a emissora, onde já estava há cerca de 20 anos), eu me vi precisando redescobrir o artista que eu sou, sem uma empresa por trás. E tem sido muito rico me redescobrir, me aprofundar no artista que eu sou através de um trabalho solo, do meu primeiro trabalho solo”.

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Tão importante quanto, receber, como contrapartida, o carinho que, aponta, foi ampliado junto ao público por meio de personagens como o Félix, de “Amor à Vida”. O apreço do espectador de TV fez, inclusive, com que muitos fãs que conheceram Mateus Solano por essa plataforma fossem pela primeira vez ao teatro para assistir a uma peça com ele. “É muita realização. No caso de ‘O Figurante’, também fico muito feliz pelo fato de o retorno das pessoas ser diverso. Como disse, a peça atira para vários lados e acaba acertando a plateia em algum lugar. Em uns, através da comédia: tem gente que ri o tempo todo. Já em outros, por meio do drama ou das reflexões. Assim, tem gente que chora, que se identifica e fica tocado”.

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Paixão por Minas

 

Certo, a relação com Minas Gerais - e, em particular, com Belo Horizonte - também não poderia ficar de fora da entrevista. “Tenho paixão por Minas e Belo Horizonte sempre foi muito importante para mim. Não só pelas peças que levei aí, pelos amigos queridos que tenho, mas também pela existência de uma esquina tão importante como aquela na qual nasceu o Clube da Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges e tantos mais, no bairro de Santa Tereza”. O ator, aliás, revela ter ficado muito emocionado ao visitar o ponto - na confluência das ruas Divinópolis e Paraisópolis - quando esteve em Belo Horizonte para dirigir um espetáculo - “Um Ponto Azul” - do Instituto Hahaha, em 2022. “Um grupo incrível de palhaços, que leva alegria para crianças em hospitais”.

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A montagem teve a dramaturgia assinada por Nereu Afonso da Silva (Doutores da Alegria – SP) e, em cena, os atores Eliseu Custódio e Gyuliana Duarte. “Portanto, Belo Horizonte significa muito para mim. A comida, a gente... e o carinho pelo teatro”. Antes de encerrar a conversa, ele lembra que, até o fim do ano, permanecerá na estrada com “O Figurante”. “Ano que vem vamos a Portugal fazer uma temporada de dois meses. Depois, tenho programadas outras aventuras no teatro, mas que ainda são sigilo”, despista.

 

Serviço 

Sesi em Cena 2025 apresenta O Figurante

Teatro Sesiminas – Centro Cultural Sesiminas BH (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Dias 15 (sexta, às 19h e às 21h) e 16 de agosto (sábado, às 18h e às 20h). A partir de R$ 60 (meia)

pela plataforma Sympla ou na bilheteria do teatro. Lugares marcados

 

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