Revista Encontro

Oportunidade

Inclusão escolar amplia oportunidades e transforma trajetórias

Exemplos mostram que projetos que valorizam a diversidade em sala de aula criam oportunidades reais de desenvolvimento

Daniela Costa
Aos 11 anos, Vittório Apps já é um fenômeno literário. Autista, soma sete livros publicados, incluindo o premiado e-book "Tá Chovendo Uva": "Foram os professores que observaram alguns comportamentos diferentes que ele apresentava e me orientaram a buscar acompanhamento especializado", diz a mãe, Walkiria Apps - Foto: Pádua de Carvalho
Foi de mãos dadas com a escola que Vittório Apps, de 11 anos, se tornou um fenômeno literário. Autista, o garoto foi matriculado no Colégio Edna Roriz aos 4 anos de idade, quando já começou a rascunhar seu primeiro livro. De lá para cá, são sete obras impressas e registradas, duas coletâneas internacionais e o e-book “Tá Chovendo Uva”, com prêmios recebidos nos Estados Unidos, Londres, Alemanha, França, Portugal e Chile. “Vittório foi a única criança no mundo a participar da maior feira de livros infantis que aconteceu em março deste ano em Bolonha, na Itália”, diz a mãe Walkiria Apps, atriz e empresária. Ela revela que só soube do diagnóstico do filho por meio dos professores. “Foram eles que observaram alguns comportamentos diferentes que ele apresentava e me orientaram a buscar acompanhamento com psicólogo e neurologista. Sou extremamente grata a todos”.  
 
Quando a educação inclusiva deixa de ser apenas um ideal e se torna uma realidade, o futuro de jovens como Vittorio pode ser transformado. É o que está expresso no Plano Nacional de Educação (PNE), de 2008, e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, que consolidaram legislações anteriores e fortaleceram os direitos educacionais desse público. Encontrar instituições preparadas para garantir não apenas o acesso e a permanência, mas, sobretudo, oportunidades efetivas de desenvolvimento, é essencial tanto para estudantes com deficiência e neurodiversidade quanto para a comunidade acadêmica como um todo. 
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Os números mostram que a presença de pessoas com deficiência na educação básica ainda é muito maior do que no ensino superior, o que sugere uma grande evasão escolar desse público ao longo dos anos. Segundo o Censo Escolar 2023, foram registradas 1.771.430 matrículas na educação especial, sendo a maior parte no ensino fundamental, que concentra 62,9% do total (1.114.230 matrículas). Em seguida, estão a educação infantil, com 16% (284.847 matrículas), e o ensino médio, com 12,6% (223.258 matrículas). No mesmo ano, o Brasil contava com 92.756 estudantes com deficiência matriculados no ensino superior. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
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No UniBH mais de 160 estudantes com algum tipo de deficiência ou neurodivergência estão matriculados atualmente: "Quando a instituição reconhece e apoia a diversidade, ela forma profissionais mais empáticos e preparados para viver em sociedade", explica Welber Vicente, coordenador do NAP e portador de deficiência visua - Foto: Thiago Frade/DivulgaçãoNo Centro Universitário UniBH, mais de 160 estudantes com algum tipo de deficiência ou neurodivergência estão matriculados atualmente. Os números são expressivos e refletem o compromisso do Núcleo de Apoio Psicopedagógico e Inclusão (NAP), coordenado por Welber Vicente, ele próprio uma pessoa com deficiência visual. “A gente acompanha o aluno desde a matrícula até a formatura, sempre com olhar individualizado. Cada estudante é único, e o plano de inclusão precisa respeitar essa singularidade”, explica.
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O acompanhamento é feito por meio do Plano Individual no Processo de Aprendizagem (PIPA), um documento que orienta os professores sobre as adaptações necessárias em sala de aula. Pode incluir desde dilação de tempo em provas até o uso de abafadores de som, para que alunos sensíveis a ruídos tenham maior conforto. “Não existe uma fórmula pronta. O que funciona para um estudante autista, por exemplo, pode não fazer sentido para outro. O segredo é ouvir, avaliar e adaptar”, diz Welber. 
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O coordenador lembra que o processo de inclusão ainda enfrenta barreiras, especialmente no ensino básico. “Muitas escolas privadas resistem a receber crianças com deficiência, mesmo sendo obrigadas por lei. Existe um capacitismo estrutural na sociedade que ainda precisa ser superado. Felizmente, temos instituições públicas e privadas que fazem trabalhos exemplares, mostrando que inclusão não é caridade, é direito”, ressalta. Hoje, além do UniBH, outras unidades do grupo Ânima Educação em Minas Gerais, como a Una e a Faculdade de Ciências Médicas de Vespasiano, somam juntas mais de 300 estudantes com deficiência. 
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Portadora de problemas cognitivos que afetam memória, atenção, linguagem e raciocínio, a estudante Bárbara Alice Nogueira Almeida, de 22 anos, celebra com o pai, Edson Moraes, seu ingresso no curso de Psicologia na UniBH. "É uma oportunidade que eu jamais imaginei ter", afirma ela - Foto: Pádua de CarvalhoCom problemas cognitivos que dificultam funções como memória, atenção, linguagem e raciocínio, a estudante Bárbara Alice Nogueira Almeida, de 22 anos, estudou no Edna Roriz e ingressou no curso de Psicologia na UniBH. “Estou bem no início do curso e muito ansiosa com essa nova fase. É uma oportunidade que eu jamais imaginei que teria”, conta. O pai adotivo, Edson Moraes Almeida, engenheiro metalúrgico, não esconde o orgulho: “Para nós é extremamente gratificante acompanhar o quanto ela tem crescido e se desenvolvido”.
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Para a professora e diretora Edna Roriz, inclusão é sinônimo de oportunidade. “Cada vida transformada gera reflexos na comunidade inteira. Não se trata de escolher apenas os melhores alunos, mas de criar condições para que todos tenham chance de aprender e avançar dentro das suas possibilidades.” A diretora também diferencia inclusão de integração. Enquanto a integração obriga o aluno a se adaptar ao modelo existente, a inclusão pressupõe um projeto pedagógico flexível, que respeita ritmos e estilos de aprendizagem. 
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A professora e diretora Edna Roriz, com Ian Gabriel Souza, Cecília Silva e Nicolas Soares: "Cada vida transformada gera reflexos na comunidade inteira. Não se trata de escolher apenas os melhores alunos, mas de criar condições para que todos tenham chance de aprender e avançar dentro das suas possibilidades" - Foto: Pádua de CarvalhoEdna Roriz faz críticas ao excesso de diagnósticos na infância. “Nem sempre um aluno inquieto é um caso de transtorno. Muitas vezes, é apenas uma criança saudável, entediada por um modelo de ensino ultrapassado. A escola precisa se atualizar: não dá para manter estruturas do século XVII para alunos do século XXI com professores do século XX”, pontua. Para Edna, a inclusão só será realidade quando o ensino for mais humano e humanizado. “Não basta acumular conhecimento. O mais importante é desenvolver a curiosidade, o raciocínio lógico, a maturidade emocional e a capacidade de conviver com a diversidade. O mundo é grande e tem lugar para todos. A escola deve ser o espaço onde cada aluno descobre como pode ocupar o seu.”
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Desafios dentro das salas de aula

Para os especialistas, apesar dos avanços legais e da maior conscientização, ainda faltam preparo, estrutura e acolhimento para que a inclusão seja plena nas escolas brasileiras. A pedagoga e psicopedagoga Ângela Mathylde Soares explica que a inclusão verdadeira não se resume a garantir a presença de alunos com necessidades específicas em sala de aula. “Educação especial é diferente de inclusão. Inclusão é a capacidade de acolher socialmente, independente das dificuldades. Já a educação especial diz respeito ao suporte pedagógico diferenciado para quem precisa”, afirma. Segundo ela, um dos maiores entraves ainda é a falta de preparo dos professores. “O professor não tem suporte. Ele é jogado em um ambiente com crianças com diferentes transtornos, síndromes e dificuldades, sem a formação necessária para lidar com essa diversidade”, alerta.
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A legislação brasileira garante, por exemplo, o direito a um atendente terapêutico (AT) para estudantes que necessitam de acompanhamento individual. No entanto, na prática, muitas vezes um único profissional é designado para apoiar até três crianças com condições distintas como dislexia, TDAH e autismo o que compromete a qualidade do atendimento. Outro ponto crucial é a identificação das dificuldades. “Na maioria das vezes, o professor é, de fato, o primeiro a perceber que a criança apresenta algum risco. Mas comunicar isso às famílias é delicado. Muitos pais resistem, pois ainda vivem o luto simbólico de aceitar que o filho precisa de acompanhamento especial”, explica Ângela. 
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Para a psicopedagoga Ângela Mathylde Soares, apesar dos avanços, muitas escolas brasileiras ainda não oferecem preparo e acolhimento suficientes para inclusão plena: "Inclusão acolhe socialmente; educação especial oferece suporte pedagógico" - Foto: Pádua de CarvalhoA especialista também chama atenção para a desigualdade entre escolas particulares e públicas. “Enquanto as particulares, por lei, já oferecem acompanhamento, psicólogos e apoio à família, muitas vezes as escolas públicas deixam os professores sozinhos, sem orientação nem suporte”, comenta. Ela ressalta ainda a importância do diagnóstico precoce: quanto mais cedo a criança receber intervenções adequadas, maiores são as chances de evolução dentro de suas possibilidades. Nesse processo, o Programa Educacional Individualizado (PEI) se torna essencial para planejar estratégias específicas de acompanhamento. Para Ângela, a saída passa por formação continuada, suporte multidisciplinar e uma mudança cultural no olhar para a inclusão. “É preciso entender que a diversidade faz parte do ambiente escolar. O aluno com dislexia, TDAH ou autismo, por exemplo, não é um problema. Ele é um estudante com potencial, que precisa de acolhimento e de metodologias adaptadas. Isso é inclusão.”

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