Já não era sem tempo. Desde o século XIX, mais precisamente 1816, quando o médico francês Charles-Pierre-Louis de Gardanne, conhecido por ter cunhado o termo “menopausa” em seu livro “De la ménopause, ou de l'âge critique des femmes” (Sobre a Menopausa, ou a Idade Crítica das Mulheres), o tema não se fazia tão presente. Nada mais relevante. Pois, pior que um período chato, a menopausa é um processo fisiológico que pode interferir de forma determinante na saúde, no bem-estar e na qualidade de vida das mulheres.
. Se antes esta fase era vivida em silêncio, graças à mudança de comportamento e à exposição feita por mulheres conhecidas ao redor do mundo, o assunto ganhou os holofotes. Estrelas de calibre internacional como as atrizes Naomi Watts e Angelina Jolie, e personalidades nacionais como Fernanda Lima, Angélica, Claudia Raia, Mônica Martelli, Astrid Fontenelle e Maria Cândida passaram a compartilhar em seus canais de atuação o que têm enfrentado. Seja em livro, peça de teatro, podcast, entrevistas e palestras. São desabafos, trocas de experiências e cobranças por mais cuidado, precisão nos diagnósticos e tratamentos adequados.
. Conhecida dos brasileiros por longos trabalhos na TV Globo, a jornalista Maria Cândida, 54 anos, é, hoje em dia, uma ativista da maturidade e uma dessas vozes. Aos 46 anos, em crise financeira e sem espaço nas grandes emissoras ao lidar com o etarismo, pegou um celular, um pau de selfie e se reinventou como criadora de conteúdo, mergulhou no estudo da menopausa e da longevidade e transformou sua carreira. Criou o quadro “Menopausa Sem Susto”, exibido no programa “Encontro com Patrícia Poeta”, e, atualmente, codirige a série documental internacional “Menopausa Sem Fronteiras”, em gravação até 2027. Também escreveu o livro “Menopausa como Jornada”, pela Editora Literare Books International, já um best seller.
. Hoje, faz pós-graduação em gerontologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein. E em seu estudo, a jornalista conta que percebeu o quanto as mulheres desconhecem e deixam de honrar seu corpo desde meninas. “Desde a puberdade, o papel dos hormônios é fundamental. O sobe-desce ocorre na TPM, na maternidade, com os blues do puerpério, e na menopausa. Mudei de um médico homem para uma ginecologista mulher, que tem a minha idade e me indicou a reposição hormonal. Mais de 80% dos sintomas desapareceram. Entendi a necessidade de exercícios e percebi que, se não começasse um trabalho sério de readequação da minha saúde, seria difícil”.
. O projeto da jornalista, “Menopausa Sem Fronteiras”, investiga como essa fase é vivida em diferentes culturas e regiões. “Já estive na Amazônia (Brasil), México, Colômbia e Peru. Conversei com mulheres ribeirinhas, indígenas, urbanas... e todas, de algum modo, enfrentam os mesmos desafios. A falta de acolhimento é global. Tem um projeto de lei parado na Câmara desde 2019 que prevê a oferta de reposição hormonal no SUS, e ninguém se mobiliza por isso. Quero que cada mulher também leia meu livro e sinta: ‘eu não estou sozinha’”.
. A projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a população mundial de mulheres na menopausa e pós-menopausa atinja 1,2 bilhão até 2030. No Brasil, cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que aproximadamente 30 milhões de mulheres vivem na faixa etária do climatério e menopausa (geralmente entre 45 e 55 anos), ou seja, 7,9% da população feminina. A revista científica ”Climateric” indica que 82% das brasileiras nessa faixa etária apresentam sintomas que comprometem sua qualidade de vida.
. E cada mulher tem sua história e experiência diante do que é inevitável. A Encontro ouviu testemunhos e especialistas que nos ajudaram a entender melhor esta fase da vida da mulher e apontar caminhos para uma melhor qualidade de vida.
. Procure seu ginecologista aos primeiros sinais
Ao longo de toda a vida a mulher tem que lidar com diferentes montanhas-russas hormonais. Na adolescência, com a menarca - a primeira menstruação - e a puberdade. No período fértil, com os desafios da gravidez e do pós-parto. Ao final dessa etapa, a menopausa, quando cessam os ciclos menstruais. Nenhuma delas é fácil. Mas a médica ginecologista e obstetra do Hospital Mater Dei Mariza Chagas Sales enfatiza que, na menopausa, há o fato de a mulher ter de lidar com o envelhecimento, o que afeta sua autoimagem.
. A especialista destaca que a paciente deve ser submetida a uma anamnese completa e a um exame físico detalhado, realizar o rastreamento para o câncer de mama e endométrio e avaliar a dosagem de colesterol e glicemia de jejum para o apontamento dos tratamentos. E defende que a Terapia de Reposição Hormonal (TRH) individualizada é o caminho mais efetivo para sintomas da peri e pós-menopausa.
. Sim, meus amigos, a famigerada reposição hormonal - talvez o maior mito que cerca a menopausa. Frequentemente associada a um medo generalizado de riscos como câncer e trombose, nos últimos anos a TRH evoluiu e trouxe mais segurança às mulheres, como o uso de menores doses de estrogênio e o tipo de progestagênio melhor selecionado.
. A médica afirma que, sim, os avanços nos conhecimentos científicos permitem concluir que a reposição hormonal de fato aumenta o risco de câncer de mama. “Entretanto, para a população sem casos na família, esse risco é da ordem de 8 em 10 mil mulheres - o que nos permite prescrever a reposição hormonal, diante do monitoramento com exames de imagem periódicos (mamografia e ultrassom). Feita de maneira adequada, a TRH é segura e deve ser prescrita”.
. Marina diz que a contraindicação para o uso da TRH é um passado de câncer de mama ou a presença de nódulo mamário com potencial de transformação maligna. “Já a existência de casos de câncer de mama em parentes de primeiro grau não contraindica a reposição, mas ela deve ser vista com mais cautela.” Por esse motivo, cada paciente deve ser milimetricamente avaliado.
. E o fundamental é avaliar a mulher não somente embasado no resultado do exame laboratorial, mas também ouvir suas queixas, determina o médico cardiologista e especialista em emagrecimento Hélvio Marotta. “A clínica é soberana. O sintoma é maior do que qualquer resultado de exame. Estar atento aos sinais e ajudar estas mulheres a mudarem o estilo de vida para amenizar os riscos. E, quando necessário e possível, iniciar a reposição hormonal de forma correta. De preferência, no início da instabilidade da produção hormonal”. Lembrando que a via mais segura de reposição do estrogênio é a transdérmica, tópica, como o uso dos adesivos, de acordo com Marotta.
. O cardiologista lembra que existe uma menopausa para cada mulher. Há aquelas assintomáticas, outras com período curto e alargados de sintomas. Normalmente, as que prezam por um bom estilo de vida, alimentação adequada e atividade física regular tendem a sentir menos os efeitos. Assim como quem teve filhos. Quem lida com muita TPM e enxaqueca também costuma sentir mais. “É cruel ver a mulher se vendo incapaz de lidar com essas adversidades diante de suas duplas jornadas, às vezes como chefs de família, e limitada por questões hormonais. O importante é saber que há aliados que vão trazer benefícios”.
. Laser genital x chá de amora
Outro tratamento que tem trazido resultados é o laser genital. “É o que temos de melhor para oferecer hoje na medicina. Ele tem como principal aplicação a melhora da secura vaginal e da perda de urina. É possível resgatarmos a feminilidade da mulher, com melhora da libido, lubrificação e do conforto na relação sexual. Para o sintoma urinário, a melhora é em torno de 70%”, afirma a ginecologista Marina Chagas. O procedimento pode ser feito a partir do início dos sintomas ou mesmo preventivamente, com o aproximar da menopausa.
. E o famoso chazinho de amora? “É melhor que o placebo, mas tem efeito mais leve e carece de grandes estudos”, diz a especialista que costuma indicar intervenções dietéticas, meditação e acupuntura, embora a evidência científica de melhora nesses casos também não seja forte.
. Sexo: diálogo entre o casal é fundamental
Não foram poucas as vezes em que a apresentadora, podcaster e modelo brasileira Fernanda Lima declarou, no último ano, ter tido vontade de dizer “não” na hora H para o maridão Rodrigo Hilbert, também modelo e apresentador. Sim, ele mesmo, o “homão da p…”. A falta de libido foi um dos sintomas que mais impactou Fernanda, também uma mulher linda e poderosa, na chegada da menopausa. Um fator que, ela conta, a abalou como mulher e poderia ter afetado seu casamento. Foi a partir daí que ela resolveu escrever e compartilhar suas vivências numa temporada do podcast “Zen Vergonha”, que ela apresenta.
. Para a especialista, é preciso ressignificar conceitos e resgatar a autoestima. “É importante se enxergar de uma nova maneira, entendendo que essa fase traz um ‘perde e ganha’, como em quase tudo na vida. Perde%u2011se o corpo jovem, mas ganha%u2011se em autoconhecimento; perde%u2011se o desejo intenso, mas ganha%u2011se na qualidade de um sexo confiante e mais à vontade, sem as inseguranças comuns à juventude.”
. A falta de diálogo entre o casal, alerta, pode ser mais prejudicial do que a carência hormonal. “A mulher está aprendendo a lidar com algo que acontece tanto em seu corpo físico como em seu psiquismo. Tudo é novo, mas é real e concreto para ela. O homem, na maior parte das vezes, não conhece e não entende o porquê de tantas mudanças em sua companheira. O que tornará essa fase da vida conjugal mais suave será exatamente a conversa, sem constrangimentos ou embaraços. Compreender as mudanças para que surjam novos acordos e ajustes nos relacionamentos.”
. Há também aspectos físicos que interferem: muitas mulheres sentem dor ou incômodo durante o sexo por causa da menor lubrificação. Por isso, é essencial esclarecer que, mesmo quando há desejo, poderá haver a necessidade de um “auxílio extra”, como lubrificante íntimo. “Em alguns casos pode ser necessário o auxílio da fisioterapia pélvica ou o laser íntimo para atenuar esse sintoma.”
. As transformações da menopausa, ressalta Cynthia, vão além do corpo — atingem a mente e os sentimentos. Alterações de humor, disposição para viver com alegria e força, e a percepção da autoimagem fazem parte da constelação de mudanças. “Como é a cabeça que comanda todo o resto, é importante cuidar da saúde mental e ressignificar o conceito do climatério e da menopausa. A construção de novas formas de ser e de vivenciar a sexualidade serão necessários e a psicoterapia torna tudo isso mais suave e viável. O sexo na idade madura vai além do físico. A maturidade dá lugar à espontaneidade e à autoconfiança de quem já conhece o caminho para a obtenção do próprio prazer.”
. Entendendo os termos
Climatério: fenômeno fisiológico que se manifesta em todas as mulheres de meia idade, em decorrência da falência funcional das gônadas, levando a deficiência dos hormônios ovarianos. Período que vai desde o momento em que seus ovários começam a claudicar até o fim da vida.
. Perimenopausa: período que antecede a menopausa e vai até seus primeiros anos. Em média, dos 45 aos 55 anos.
Menopausa: é a última menstruação e é diagnosticada após 12 meses da sua manifestação. Ocorre, na maioria das vezes, em torno dos 50 anos (de 48 a 52 anos).
. Pós-menopausa: período após a menopausa. Vai dos 55 aos 65 anos.
(*) Fonte: Médica ginecologista e obstetra do Hospital Mater Dei, Mariza Chagas Sales
Efeitos do climatério
A curto prazo: irregularidades menstruais, fogachos, transpiração, palpitações, insônia, sono entrecortado, labilidade de humor, humor depressivo, desânimo, cefaleia e falta de concentração.
. A médio prazo: atrofia genital (secura vaginal), dispareunia (dor na relação sexual), infecções vaginais de repetição, maior frequência de infecções urinárias, incontinência urinária, prolapsos genitais, pele fina.
. A longo prazo: maior risco cardiovascular, osteoporose e demência.
(*) Fonte: Médica ginecologista e obstetra do Hospital Mater Dei, Mariza Chagas Sales
Confira livros lançados neste 2025 sobre a menopausa
- “A Nova Menopausa” (Ed. Intrínseca, 2025), da médica, obstetra e ginecologista especializada em menopausa na região de Houston (EUA) Mary Claire Haver, que avisa: “a menopausa é inevitável; sofrer com ela, não”.
- “Vou te Contar” (Ed. BestSeller, 2025), da atriz e produtora anglo-australiana Naomi Watts, 56 anos. Ela revela que entrou na perimenopausa aos 36 anos e, em 2022, fundou a Stripes Beauty, marca de autocuidado que desenvolve uma rede de apoio às mulheres.
- “Menopausa como Jornada” (Ed. Literare Books International, 2025), da comunicadora Maria Cândida. Na obra, a autora compartilha sua experiência pessoal e conhecimento adquirido ao longo dos anos para desmistificar essa fase da vida feminina.
Depoimentos
Esmeralda Jacinta, 56 anos, empresária e cabeleireira
Priscila Abreu, 40 anos, jornalista e especialista em marketing digital
Alessandra Faria, 55 anos, empresária, proprietária da marca Alèss Beauty de pré-maquiagem e skincare para peles maduras