Revista Encontro

Modernidade

Tecnologia acelera obras e muda o ritmo da construção civil

Digitalização, BIM e industrialização encurtam prazos, reduzem desperdícios e exigem nova cultura de gestão nos canteiros de Belo Horizonte

Alex de Oliveira
Modernização de processos e uma reorganização profunda da cultura de produção têm contribuído para uma maior eficiência nos canteiros de obra - Foto: Freepik
A construção civil vive um momento de transformação visível com prazos mais curtos, canteiros mais organizados e entregas antecipadas. Uma transição que passa, incontornavelmente, pela modernização de processos e uso crescente de novas tecnologias – fatores decisivos para que empresas do setor acelerem a execução dos empreendimentos, com impacto que se estende à cadeia inteira. Entre 2023 e 2025, por exemplo, as compras de materiais de acabamento cresceram 102%, segundo dados do Ecossistema Sienge e Abramat – um salto que reflete, além de uma demanda de aquecimento imobiliário, efeitos de um novo modo de produzir, mais rápido, com menos desperdícios e foco total em eficiência. É um cenário que muda o ritmo das obras e pressiona fornecedores, exigindo entregas mais regulares, materiais mais padronizados e uma capacidade de resposta que acompanha o avanço dos canteiros.
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Em Belo Horizonte, construtoras apontam como a digitalização e a industrialização dos processos estão reconfigurando o canteiro de obra em um fenômeno que passa tanto por uma nova forma de gestão quanto por tecnologias que permitem planejar, prever e controlar cada etapa da execução. Mas não só. Segundo as empresas ouvidas pela reportagem, a eficiência de hoje não é fruto apenas de máquinas ou softwares sofisticados, mas de uma reorganização profunda da cultura de produção – algo que envolve engenharia, suprimentos, fornecedores e equipes de campo trabalhando sob um mesmo fluxo de informações.
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Os números falam por si. Nos últimos dois anos, por exemplo, a Patrimar Engenharia passou por uma reformulação de processos e reduziu em até 50% as reemissões de projetos, alcançando 95% de aderência ao planejamento executivo e diminuindo compras emergenciais para menos de 4% do total – um indicador direto de maturidade na gestão de obras. Os bons resultados se desdobram em outros indicadores, com 80% das unidades aprovadas já na primeira vistoria. Além disso, o índice de performance de execução (IPE) da companhia se mantém acima de 0,90, um dos mais altos do setor. Para a empresa, esse conjunto de dados representa um retrato de boa organização, e prova como decisões tomadas ainda na etapa de projeto reduzem riscos e criam um caminho mais seguro até a entrega final.
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Para alcançar tais padrões, a otimização é buscada já no projeto, tendo como “pilar estratégico” o uso da metodologia BIM – uma sigla para Building Information Modeling. Trata-se de uma espécie de modelo virtual que reúne, em um só ambiente, todas as informações da obra, permitindo prever problemas, ajustar decisões e conectar equipes. “Ele aumentou a previsibilidade da obra, permitiu simulações antecipadas e reduziu conflitos. Hoje, todos os projetos já são desenvolvidos em BIM”, explica o diretor-geral de obras Rodrigo Valente, sobre o recurso que permite que, antes mesmo de colocar um tijolo no lugar, a obra já exista digitalmente, com cada detalhe testado e aprovado. Esse modelo antecipado ainda facilita o diálogo com fornecedores, que recebem especificações mais claras e podem ajustar sua linha de entrega de acordo com o ritmo real da obra.
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Felipe Ribeiro Motta, gestor de produção da MRV, conta que a construtora também atravessa uma “nova jornada de produção”, baseada em soluções digitais, inteligência artificial e, igualmente, no uso da metodologia BIM. “A adoção de tecnologias avançadas contribui expressivamente para o aumento da produtividade e a redução de desperdícios”, garante. Segundo ele, a digitalização permitiu um controle mais rigoroso de medições, do uso de materiais e do avanço físico das obras, evitando paradas desnecessárias e garantindo que cada tarefa seja realizada no momento mais adequado.
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Empreendimento da MRV: digitalização permitiu um controle mais rigoroso de medições, do uso de materiais e do avanço físico das obras, evitando paradas desnecessárias - Foto: MRV/DivulgaçãoE não é só isso. A modernização também passa por plataformas digitais que controlam a obra em tempo real. Na MRV, ferramentas de gestão integram áreas como engenharia, suprimentos e obras, num sistema que cruza dados e elimina tarefas burocráticas. Motta explica que a empresa está atualizando seu ERP – um software que unifica todos os processos internos da companhia, do financeiro ao estoque – para conectá-lo a outras plataformas de planejamento e logística. “Essa integração garante maior previsibilidade e assertividade nos prazos”, diz. Em termos práticos, significa que as decisões no canteiro deixam de ser intuitivas e passam a se apoiar em dados que mostram diariamente o impacto de cada etapa no cronograma final.
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A Patrimar também opera com sistemas que conectam setores e reduzem falhas. A empresa usa o SAP, um dos ERPs mais utilizados no mundo, integrado ao Oracle Unifier, plataforma que organiza as transações internas da engenharia. De maneira simples: cada etapa da obra, cada compra e cada uso de material são rastreados, planejados e alinhados. “As requisições já nascem com alocação de uso definida, garantindo apropriação correta. Isso facilita o controle de custo e consumo”, informa Valente. O grupo também testa softwares de planejamento que trabalham com curvas de produção e linhas de balanço – recursos que permitem não só medir o que está acontecendo, mas prever gargalos e ajustar rotas. Com isso, a empresa reduz o improviso e ganha uma previsibilidade que seria impensável sem esse nível de análise cruzada.
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Com a mão na massa

"A inteligência artificial e a análise de dados vão desempenhar papel ainda mais central, prevendo cenários e automatizando decisões", afirma Felipe Ribeiro Motta, gestor de produção da MRV - Foto: MRV/DivulgaçãoNos canteiros, isso se traduz em obras mais enxutas e industrializadas. A MRV, por exemplo, tem acelerado cronogramas com o uso de paredes de concreto moldadas no local, pintura mecanizada e kits pré-fabricados de instalações. “A modernização dos processos tem gerado resultados concretos, como a redução do tempo de construção”, assinala Felipe Motta. 
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Já a Patrimar aposta em soluções como drywall, shafts padronizados, kits hidráulicos e elétricos e sistemas de montagem mais racionalizados. “Nosso foco é construir canteiros mais enxutos, seguros, eficientes e sustentáveis, com equipes alinhadas à cultura da melhoria contínua”, situa Rodrigo Valente. Essa racionalização também melhora o ambiente de trabalho: menos improviso significa menos retrabalho, menos descarte, menos risco e mais condições de executar tarefas com qualidade desde a primeira vez.
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Planta hidráulica do edifício Montano Antília, no bairro Luxemburgo, vista por meio da plataforma Visus, um software revolucionário desenvolvido para análise e visualização de dados de projeto, simplificando a gestão total da construção - Foto: Patrimar/DivulgaçãoA tecnologia também é fundamental em um contexto de demanda crescente – especialmente no acabamento, etapa em que qualidade, prazos e logística precisam caminhar juntos. Para Motta, a digitalização é decisiva para evitar atrasos: “A integração de dados permite um planejamento mais acurado, garantindo que os materiais estejam disponíveis no momento certo”. Na Patrimar, esse equilíbrio combina o uso de software e o alinhamento estratégico. “É indispensável um planejamento integrado entre obra, suprimentos e fornecedores, alinhado ao Takt Planning”, comenta Valente, fazendo menção a um método de organização da produção baseado no ritmo ideal de execução. O conceito, originado na indústria automotiva, permite que cada etapa avance no tempo certo, evitando tanto ociosidade quanto excesso de frentes simultâneas.
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Futuro

Se hoje as construtoras já usam dados, automação e modelagem digital, os próximos anos devem ampliar ainda mais o uso de inteligência artificial, sensores, análise preditiva e até robótica. Felipe Motta enxerga a próxima fase como uma ampliação do que já está em curso: “A inteligência artificial e a análise de dados vão desempenhar papel ainda mais central, prevendo cenários e automatizando decisões”. Ele cita ainda a construção modular e o uso crescente de robôs como tendências promissoras, sobretudo para etapas repetitivas e de alto impacto na produtividade.
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"O futuro da construção no Brasil será determinado pela capacidade de unir tecnologia, método e gente", afirma Rodrigo Valente, diretor-geral de obras da Patrimar - Foto: Patrimar/DivulgaçãoRodrigo Valente, por sua vez, resume o futuro da construção em três forças: mais industrialização, obras totalmente orientadas por dados – com uso de IoT e detecção automática de problemas – e, sobretudo, cultura. “Acredito que nossos maiores avanços vêm das pessoas: formação contínua, times empoderados e governança baseada em princípios ESG”, afiança. E completa: “O futuro da construção no Brasil será determinado pela capacidade de unir tecnologia, método e gente”. Para ele, essa combinação é o que permitirá que o setor entregue obras mais rápidas e consolide uma lógica de produção mais inteligente, sustentável e preparada para responder às demandas crescentes de um mercado em transformação.

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