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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Conheça as bicicletas lowrider, para quem quer ter estilo sobre duas rodas

Tal qual os carros americanos rebaixados, as bikes ganham nova roupagem, que vão além do visual, e se transformam numa verdadeira cultura, que surgiu no México, na fronteira com os Estados Unidos


postado em 18/06/2014 15:53 / atualizado em 18/06/2014 16:08

A belle époque (bela época), expressão francesa que diz respeito a um período histórico de efervescência cultural, econômica e industrial na Europa do século XIX, produziu inúmeros inventos que tornaram a vida mais alegre e extrovertida, entre eles, a bicicleta. Desde então, pessoas em todo o mundo a utilizam como meio de se divertir, trabalhar e competir em modalidades esportivas diversas. Aqui em Minas Gerais, alguns entusiastas da "magrela" vivenciam, através de bicicletas customizadas (tal qual se faz com os carros), um modo de vida diferente e divertido.

Num sincretismo cultural, história, tradição, atitude ambiental e até religiosa, neste caso, vinculada à figura da padroeira mexicana, a Virgem de Guadalupe, se misturam para formar o movimento lowrider (rodando baixo, na tradução livre). Quem segue essa cultura – que surgiu com a cultura chicana, na fronteira entre o México e os Estados Unidos –, são os mineiros do Belo Clan Bike Club. O movimento, segundo o grupo mineiro de bikers, se traduz como um verdadeiro estilo de vida, e está intimamente ligado também a um dos mais dinâmicos movimentos sociais dos últimos tempos: a cultura hip-hop – que se espalhou pelo mundo a partir dos anos 1970.

Adeptos de um jeito único e inconfundível, os lowriders são verdadeiros artesãos, e, junto com as suas "magrelas", colorem as ruas e avenidas das cidades por onde passam, com suas bicicletas reluzentes e exclusivas, inspiradas nos enormes automóveis americanos Cadillac 74 e Chevrolet Impala, que também são objetos de desejo de quem gosta de customização de veículos. Construídas de forma quase totalmente artesanal, as bicicletas lowrider trazem uma marca inconfundível, que as distinguem de outras bikes normais: o garfo (suporte onde é fixada a roda dianteira) é inversamente curvo e côncavo. Normalmente ele é reforçado por um par de barras retorcidas, que dá mais estilo ao visual, deixando as bicicletas mais baixas em relação ao solo, imitando, assim, os carros lowrider – veículos estilizados e modificados, que trazem como diferencial a suspensão muito rebaixada e o acabamento em cores chamativas.

O modelo Cadillac 74 é uma das inspirações para a customização das bicicletas no estilo lowrider(foto: Divulgação)
O modelo Cadillac 74 é uma das inspirações para a customização das bicicletas no estilo lowrider (foto: Divulgação)

O supervisor de pós-vendas Magno Cane é um dos membros do grupo mineiro de lowrider, e diz que pode largar o clã, caso a cultura vire
O supervisor de pós-vendas Magno Cane é um dos membros do grupo mineiro de lowrider, e diz que pode largar o clã, caso a cultura vire "moda" (foto: Cláudio Cunha)


Magno Cane,31 anos, supervisor de pós-vendas, e Bruno Acusma, 26, estudante de cinema, são dois dos representantes mineiros dessa cultura sobre duas rodas. Para eles, que são integrantes do Belo Clan Bike Club, o movimento se traduz em paixão, histórias, conquistas, alegrias e algumas frustrações. Acusma, por exemplo, está envolvido nesse universo desde os onze anos de idade. Segundo os dois amigos, o título do grupo, Belo Clan, foi pensado para combinar o primeiro nome da capital mineira com a palavra "clã", em inglês. Isso, para mostrar às pessoas a essência de um objeto de desejo: a "bela" sobre duas rodas; sem deixar de lado os aspectos folclóricos do movimento, que tem a ver com sua origem, ligada ao sentido de família, ou clã.

Para Magno Cane e Bruno Acusma, não basta querer ser um aspirante ao grupo e comprar uma bicicleta com todas as modificações que lembram o movimento. A ideia dos Belo Clan é vivenciar o lowrider e o conceito que os distingue dos demais bikes clubes. Quando o assunto é montar uma bicicleta para 'terceiros', os dois são categóricos em dizer que não aceitam aventureiros, e que fazem a seleção por meio de exigências específicas. A intenção do grupo é provocar e testar o interesse e a persistência dos iniciantes do movimento, mas sem fazer uso de imposições absolutas ou hostis. O desejo deles é expandir e conquistar novos adeptos. "É apenas uma forma de manter a tradição viva", afirma a dupla.

"Procuramos estimular a pessoa para que saiba que está querendo, e se está interessada não somente na procura por uma bicicleta diferente. Queremos que ela vivencie o conceito e a cultura lowrider em toda a sua extensão, e não somente nos aspectos visuais da bike", esclarece Acusma. Dessa forma, eles acreditam que poderão atrair mais gente comprometida com a cultura do clã, e não somente pela simples vontade em desfilar pela cidade com o equipamento customizado. Bruno explica que o desconhecimento das pessoas sobre este tipo de bike, e o conceito a ela atribuído são grandes. Já houve uma situação, por exemplo, em que os membros do grupo foram questionados se suas bicicletas eram de "palhaço", por causa do estilo diferente – para se ter uma ideia, um modelo lowrider pode chegar a medir mais de três metros de comprimento. "Se você comprar uma bicicleta já modificada, você só terá uma bicicleta customizada, mas não será um lowrider. Não será um integrante da cultura. Será apenas uma pessoa sem informação sobre aquilo que está montando. O legal é você transmitir a informação, a cultura do movimento", alerta Bruno Acusma.

Industrializada

Em meados dos anos 1965, a Schwinn, famosa fabricante americana de bicicletas, lançou dois modelos baseados nas lowriders: a primeira foi a sting-ray,  que trazia apenas alguns componentes inspirados no estilo, como o guidão mais alto, as rodas dianteiras com aros menores que os traseiros e o assento (selim) longo, em formato de "banana" (mais curvo); algum tempo depois, ela lança a sting-ray krates, modelo que trouxe o exclusivo sistema de amortecimento por meio de mola, instalada junto ao sistema de direção da bike. Esse componente ainda é encontrado, hoje, adaptado em alguns modelos, mas praticamente não existe em lojas convencionais.

A mola de amortecimento junto ao guidão surgiu com um modelo lowrider produzido em série(foto: Cláudio Cunha)
A mola de amortecimento junto ao guidão surgiu com um modelo lowrider produzido em série (foto: Cláudio Cunha)
Para o Belo Clan Bike Club, a entrada da Schwinn no mercado, disputando espaço com as lowriders artesanais, gerou um esvaziamento do interesse do público especializado neste tipo de bicicleta, já que passaram a ser fabricadas em série. Os próprios consumidores, que respiravam e viviam o movimento, preteriram os modelos de fábrica, por entender que o equipamento customizado só fazia sentido se fossem adquiridos por usuários que acompanhavam a cultura. O resultado dessa disputa é que a empresa americana parou de produzí-las.

O membro do grupo mineiro de lowrider, Magno Cane, é tão ligado ao movimento, que diz ter coragem de deixar o clã, caso a cultura das bikes cutomizadas venha a ganhar um caráter de "moda" entre os ciclistas que desconhecem a história original. Para ele, o objetivo do clã é preservar e difundir essa cultura, de forma responsável e engajada.

Questionados sobre as formas de divulgação do movimento, os amigos Acusma e Cane explicam que isso ocorre através de encontros promovidos pelo próprio grupo; em eventos culturais da cidade, como os passeios ciclísticos organizados pelos integrantes do site Massa Crítica; em desfiles de carnaval; como participações em vídeo clipes; e também pelas redes sociais, como Facebook e Instagram.

O valor

Por ser um movimento pouco conhecido no Brasil, bem como em Minas Gerais, os custos para se montar uma bike lowrider é considerado alto, além de se ter dificuldade em encontrar algumas peças, muitas vezes exclusivas, e que só são conseguidas em mercados alternativos, movimentados pelos próprios amantes das bicicletas modificadas. Sites especializados também são uma importante fonte de aquisição de componentes e até de bikes já montadas. Quanto mais estilo e peças exclusivas você conseguir juntar num equipamento, mais valorizado no mercado ele será. E não estamos falando apenas em relação a preço, e sim, no valor cultural arraigado a esse objeto de desejo. É difícil mensurar o preço de uma verdadeira lowrider, produzida de forma artesanal, e que traz uma alta carga de simbolismo e adoração por parte de seus adeptos.

As peças usadas para se modificar uma bike podem até ser as mesmas de outras bicicletas. E, de acordo com os integrantes do Belo Clan, assim deve ser, em certa medida. É o que as torna tão diferentes e, ao mesmo tempo, iguais em estilo. Fora dos Estados Unidos, o Japão é tido como a maior colônia de bikes e carros lowriders, seguido por alguns países da Europa e, mais recentemente, pelo Brasil.

História da bike

Especula-se que a invenção da bicicleta tenha sido motivada por uma crise climática em 1816, e que chegou a ser denominada O Ano sem Verão. Nessa época, plantações inteiras na Europa e no nordeste dos EUA foram atingidas por efeitos climáticos severos. Isso teria prejudicado a criação e a alimentação de cavalos – que era o principal meio de se arar a terra, na época. Além disso, a crise econômica resultante da escassez de alimentos também seria um dos motivos para o inventor alemão o Barão Karl von Drais (1785-1851) desenvolver o velocípede, versão sem pedais do que viria a ser a primeira bicicleta. O veículo com propulsão humana, duas rodas e sem emissão de poluentes, como conhecemos hoje. 

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