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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Quando o excesso de amor vira doença

Se sacrificar ou se dedicar demais aos outros pode ser um sintoma de vício em "amar". Conheça um grupo de mulheres que se reúne, periodicamente, para tentar acabar com esse comportamento possessivo


postado em 20/08/2014 09:12 / atualizado em 20/08/2014 11:36

Mulheres que se tornam dependentes de um amor excessivo, que exigem demais do parceiro, podem estar
Mulheres que se tornam dependentes de um amor excessivo, que exigem demais do parceiro, podem estar "viciadas" (foto: Freedigitalphotos.net)
Os 12 passos do tratamento são inspirados nos Alcoólicos Anônimos (AA), mas as mulheres que sofrem deste mal, não buscam ajuda para vício de nenhum tipo de droga. Na verdade, elas se uniram para uma "desintoxicação" do excesso de amor. O foco, neste caso, é se livrar de comportamentos possessivos, gerados em relacionamentos que ultrapassaram a barreira do saudável.

Uma vez por semana, as "viciadas" em amor se reúnem no grupo Mulheres que Amam Demais Anônimas (Mada), que possui representantes em várias localidades de Minas Gerais, e mesmo do país. A iniciativa foi inspirada no livro da terapeuta conjugal norte-americana Robin Norwood, intitulado Mulheres que Amam Demais, de 1985. A obra conta histórias de vítimas do comportamento afetivo obsessivo e que foram atendidas pela terapeuta. São apontadas também as características de quem ama demais e quais os passos necessários para se voltar à vida normal.

Segundo o livro de Norwood, em relacionamentos intensos um dos sintomas das vítimas do amor excessivo é a dependência emocional, ou seja, sempre buscar o afeto e a aprovação do parceiro. A pessoa muda, para se adequar à realidade e preferências do companheiro, mesmo que isso a desagrade. E mais, ela usa o sexo como uma maneira de aliviar a tensão emocional e como uma tentativa de "segurar" o parceiro.

De acordo com o site do Mada, existem grupos de mulheres que amam demais em 11 estados brasileiros, além do Distrito Federal e até fora do país, como Portugal e Venezuela. As participantes pedem o anonimato – como já se vê pelo nome do grupo –, mas uma delas contou sua história para a Encontro.

Para preservar a identidade, vamos chamá-la de Ana. Ela participa há cinco anos do grupo de São João Del Rei, cidade histórica que fica na região do Campo das Vertentes, em Minas. Atualmente, Ana alterna com outras participantes a responsabilidade de cuidar do espaço das reuniões e de acolher novas integrantes. De acordo com ela, o Mada é como uma célula-irmã do AA. "Nosso grupo tem todas as características da dependência dos participantes dos alcoólicos anônimos, mas nosso vício é o de 'controlar a vida do outro'. Entramos num estado muito intenso de invasão de privacidade do parceiro", explica. Aliás, os mesmos 12 passos de recuperação de um alcoólatra também são seguidos pelas mulheres que amam demais.

Segundo Ana, um dos principais sintomas de uma participante do Mada é se anular em função do outro, e cobrar dele um amor exacerbado. "A pessoa se anula e vai viver o amor de forma ignorante, viver a vida do outro. Depois, há a típica cobrança: ‘anulei minha vida por você e é assim que me paga?'. O amor verdadeiro não precisa ter barganha. Não tem que existir nenhuma condição para ser recíproco", acredita. Além disso, a mineira afirma que, antes de entrar em recuperação, era muito mais cômodo controlar a vida do outro, pois assim não precisava tomar as rédeas da sua própria vida.

A integrante do Mada conta como descobriu ser viciada em "amar demais": "Não sei se estou curada, mas, atualmente, consigo perceber com muita facilidade quando a vida me coloca em situações de risco. E não é só em relacionamentos amorosos. Por exemplo, se antes, no trabalho, ficava responsável por um grupo, eu abraçava aquela equipe e não tinha mais vida além daquilo. Não percebia o meu comportamento como vício, por que achava que ser 'Mada' era apenas em relação a ter ciúmes. Quando percebi que podia ser uma viciada, perguntei para a minha psicóloga e ela confirmou. Fazia terapia há dois anos, mas a especialista não falava abertamente comigo sobre isso. Apenas apontava minha dependência em relação às outras pessoas. Então, a psicóloga me encaminhou para o Mada e, hoje, estou em recuperação. Me policio 24 horas por dia".

No grupo não há orientação de um psicólogo. As participantes compartilham histórias de vida e não podem dar palpites ou aconselhar as outras. O intuito é se identificar com o comportamento das outras mulheres, por meio de relatos e da troca de contatos após as reuniões – isso, se a participante interessar em dividir mais experiências e pedir opinião de alguém em particular.

Para a psicóloga Marisa Sanábria, que é coordenadora da comissão Mulheres e Questão de Gênero, do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, participar de grupos que discutem um problema em comum é uma boa forma de se sentir acolhida num momento difícil. Como uma das regras para participar do Mada é não dar conselhos, a especialista explica que, para quem compartilha uma história sofrida, o importante é ser ouvida e, não, julgada. "A marca desse tipo de grupo tem que ser o respeito, não o julgamento. Entender que quem está ali passa por um sofrimento", diz Marisa. A especialista explica que participar de um grupo talvez não seja uma solução definitiva para a pessoa, mas pode ser um degrau para buscar uma ajuda terapêutica profissional.

(foto: Heitor Antonio/Encontro Digital)
(foto: Heitor Antonio/Encontro Digital)



Para quem quiser participar do Mulheres que Amam Demais em São João Del Rei, o telefone de contato é o (32) 9966-2489

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