
A despeito do orgulho da filha, aos 86 anos, Jonas é muito, mas muito mais que o “pai da Odete Roitman”. O mineiro sem nunca ter sido - é frequente se deparar na internet com a informação de que ele nasceu na capital mineira, apesar de ser carioca - está mais ativo e cheio de projetos que nunca. No ar em Vale a Pena Ver de Novo, da TV Globo, como o mau-caráter Ismael de A Viagem, novela de Ivani Ribeiro de 1994, ele tem trabalhado no cinema, no teatro e prepara o lançamento de um livro.
O artista se sente, de muitas formas, ligado a Minas. Primeiramente, suas filhas, Débora e Deni, nasceram em Belo Horizonte. Mas não só. “É inacreditável. Não tem jeito, já sou mineiro (risos). Eu tenho algumas medalhas de Minas, inclusive sou cidadão honorário de Ouro Preto. Explico nas entrevistas que não sou, mas sempre sai que sou. Já desisti (risos). Como vivi dez anos em Belo Horizonte, fazendo teatro intensamente, e há 20 anos tenho uma casa em Lavras Novas (distrito de Ouro Preto), tenho esse histórico com o Estado. Mineirinhas são minhas filhas, minha ex-mulher, Rebeca Bloch (mãe de Débora e Deni), e a atual (Sylvia Vianna). Então, de alguma maneira, sou mineiro”, se diverte o ator.
Oh, Oh, Oh Minas Gerais
De origem judaica e ucraniana, Jonas desembarcou em BH em 1959, então com 20 anos, saindo de uma situação econômica e familiar difíceis - ele perdeu o pai aos três anos e não se dava com o padrasto. Aqui, conheceu Rebeca, casou-se e teve as filhas. Foi em Minas que Jonas deu seus primeiros passos profissionais nas artes. Mas foi também aqui que uma decepção o levou a tentar desbravar outras plagas. E mudar totalmente sua trajetória como artista.
Ele se lembra como foi marcante o trabalho em parceria com o ator e diretor Jota Dangelo, a partir de 1967, no Teatro Experimental. Juntos fizeram história dentro e fora do Estado. Oh! Oh! Oh! Minas Gerais, escrita e dirigida pela dupla, ainda hoje é referencial na história do teatro brasileiro. A peça, que estreou no teatro da Imprensa Oficial em 17 de novembro de 1967, ficou dois anos em cartaz e foi o primeiro sucesso nacional de uma peça mineira.
O espetáculo contava a história do Estado fazendo um paralelo entre passado e presente. Em uma das cenas, há uma ligação entre os exilados da Inconfidência Mineira e os da ditadura militar, entre eles o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976). “Conseguimos uma carta muito bonita que JK escreveu do exílio. Em determinado momento, eu lia essa carta e, para que o público reconhecesse quem escreveu, colocamos um coro atrás cantando em ‘boca chiusa’ (boca fechada) Peixe Vivo, que todo o Brasil sabia que era a música preferida dele. Quando chegamos em Brasília com a peça, censuraram a música. Durante toda nossa temporada, nós, no palco, não pudemos cantar, mas, na plateia, um grupo de estudantes entoava ‘como pode um peixe vivo viver fora da água fria…’”, recorda.
Com o sucesso, Jonas e Dangelo resolveram montar Numância, de Miguel de Cervantes. A peça retrata a resistência da cidade espanhola de Numância contra o Império Romano, uma metáfora perfeita da luta do povo brasileiro contra a ditadura. Por problemas técnicos, a estreia foi adiada. Mesmo assim, um jornalista mineiro publicou uma crítica no jornal Última Hora ridicularizando o grupo e criticando o espetáculo. “Para mim, foi a gota d’água. Não tínhamos apoio algum, nem do governo. Era tudo do nosso bolso, com nosso esforço, varando noites. E o que recebíamos em troca era um provincianismo, algo antiquado, retrógrado, burro. Cansei e fui embora”, relata.
Em Jonas Bloch, o Ofício de uma Paixão, de Nilu Lebert (2008, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), livro que reconta sua trajetória, o ator faz algumas dedicatórias, e uma delas chama atenção: “Aos jornalistas mineiros, que foram canalhas comigo, por terem provocado a minha saída de Minas. Se não fossem eles, talvez eu não tivesse tido esta trajetória”, registrou.
Em 1968 e, nove anos depois de ter chegado à Minas, Jonas se foi. Anos depois, voltaria a ter uma casa em um lugar especial do Estado, onde passa temporadas: Lavras Novas. Há mais de 20 anos, tem uma propriedade lá. “É um lugar vibrante.Uma cidade que tem menos de 2.000 habitantes e um espaço de shows para 2.500 pessoas. Às vezes, eles acontecem no campo de futebol. Todos os grandes nomes do Brasil já se apresentaram lá. Tem ótimos restaurantes e pousadas, cachoeiras… tudo o que o turista gosta. Mas durante a semana é aquela calma. Minha Minas ficou em Lavras Novas, não ficou em outro lugar”, determina.
Octogenário, Jonas ainda se mantém ativo e revela sua receita para envelhecer com tamanha vitalidade e energia. “O que você sente por dentro reflete por fora. Sei que a idade está instalada em mim, mas não a sinto. Faço algumas coisas para me conservar. Tenho um truquezinho que falo para todo mundo, mas as pessoas não acreditam: raspo um bastão de guaraná todos os dias. Faço exercícios, me alimento de forma muito saudável. Também não fico parado, o trabalho me dá energia. Nunca me senti trabalhando, sempre me senti realizando uma vocação. E as coisas positivas que tive foram maiores do que as negativas. Isso é uma sorte na vida”, afirma.
Perguntado sobre qual é seu grande legado e como gostaria de ser lembrado no futuro, é assertivo: “Meu grande legado são minhas filhas. Mas a pessoa que por acaso pesquisar e acompanhar minha carreira, vai ver que sou o exemplo daquele que começou do nada, por conta própria, sem padrinho, lutou pelo seu espaço e conquistou uma carreira rica, acima do que eu esperava. Não achava que merecia tanto.”
Na telonas, nos palcos, nos livros

Além dos filmes, ele trabalha na atualização do texto de um grande sucesso seu no teatro, Dois Pontos. A peça, que unia canto, dança, pantomima e textos de Garcia Lorca, Brecht, Maiakovski, Fauzi Arap, Oduvaldo Viana Filho e Vinicius de Moraes, estreou em 1977 e ele dividia a cena com a cantora e atriz Tania Alves. “Fui olhar o texto e vi que muitas coisas são datadas pelo fato de que vivíamos sob uma ditadura. Nessa adaptação, a peça mantém as mesmas características com a colagem de vários autores, entre eles Millôr Fernandes, Garcia Lorca, Ionesco e Bertold Brecht, mas será mais focada na relação de casais”, antecipa.
Jonas prepara o lançamento de um livro, Histórias de Bastidores. Nele, reúne cem histórias que viveu ou ouviu de colegas de profissão, algumas engraçadas, outras sobre a ditadura militar, a censura”. Também volta aos palcos cariocas em agosto e setembro com Delírio, a partir de textos do poeta Manoel de Barros (1916-2014). “A peça é bem variada: tem humor, poesia, surrealismo, política. O cenário foi feito por mim, são painéis artesanatos que remetem ao Pantanal, universo de Manoel Barros”.
Débora por Jonas

Sobre a estreia da filha, Débora Bloch em 1980, aos 17 anos, no espetáculo “Rasga Coração”, de Oduvaldo Vianna Filho
“(A partir do filme Bete Balanço) ela não parou mais. Débora é especial não só porque tem talento. Ela é especial porque se dedica, corre atrás, pesquisa, estuda e administra a carreira de maneira maravilhosa. É uma pessoa que tem uma amorosidade espetacular. Depois você me dá um babador?”
Sobre o sucesso constante de Débora
“A convivência com os pais e com a carreira traz um know-how que normalmente falta a uma pessoa que não tem essa convivência. Isso é uma tradição também no circo, de pai para filho. A Débora, numa entrevista à TV Cultura, falou que teve uma formação vivendo essa vida.”
Sobre uma geração de filhas de atores que hoje brilham na TV, no cinema e no teatro