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Espetáculo destaca legado dos irmãos Timótheo da Costa no CCBB BH

O musical dirigido por Luiz Antonio Pilar revive a trajetória de dois pintores negros pioneiros da arte brasileira


postado em 23/10/2025 09:38 / atualizado em 23/10/2025 09:58

Os irmãos Timótheo da Costa figuram entre os grandes nomes da pintura brasileira do início do século XX(foto: Luiz Antonio Pilar/Divulgação)
Os irmãos Timótheo da Costa figuram entre os grandes nomes da pintura brasileira do início do século XX (foto: Luiz Antonio Pilar/Divulgação)
A história de dois dos primeiros pintores negros reconhecidos no Brasil ganha vida no palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB BH). O espetáculo “Os Irmãos Timótheo da Costa”, em cartaz entre esta sexta-feira (24) e 17 de novembro, mergulha na trajetória de João (1879–1932) e Arthur (1882–1922) Timótheo da Costa, artistas que desafiaram o racismo da Belle Époque carioca e deixaram um legado apagado pela história oficial. Dirigida por Luiz Antonio Pilar, com dramaturgia de Claudia Valli e direção musical de Muato, a peça combina teatro, música e memória para reconstruir, sob uma perspectiva decolonial, a presença desses dois nomes fundamentais da arte brasileira.

“Trata-se de uma peça decolonial, um nome bonito para a retomada da narrativa da história de pretos e indígenas, sendo contada por artistas e pensadores pretos e indígenas. É trazer à luz os heróis e artistas melaninados e originários colocando-os no palco, nas pautas e nas conversas”, define Pilar.

Em cena, Jeniffer Dias, indicada ao Prêmio Potências por sua atuação em "Rensga Hits", interpreta Irene, uma pesquisadora contemporânea que decide escrever uma peça sobre os irmãos Timótheo da Costa — nomes dos quais ouviu falar uma única vez e nunca esqueceu. A busca por informações sobre os artistas a leva a uma jornada de descobertas sobre o apagamento de personagens negros da história e sobre as violências que marcaram o pós-abolição no Brasil.

O elenco conta ainda com Lucas da Purificação (Impuros), Luciano Quirino (Êta, Mundo Bom!), Pablo Áscoli (Elis, a Musical) e Sérgio Kauffmann (Garota do Momento).

Os irmãos Timótheo da Costa figuram entre os grandes nomes da pintura brasileira do início do século XX. Ambos morreram internados no Hospital dos Alienados, no Rio de Janeiro, com diagnóstico de demência paralítica — mesma instituição onde esteve o escritor Lima Barreto, sob os cuidados do psiquiatra Juliano Moreira, médico preto e pioneiro da saúde mental no país.

Para a dramaturga Cláudia Valli, o esquecimento é uma das formas mais cruéis de violência histórica. “Somos até capazes de superar o ódio, o desprezo, a violência, mas o esquecimento é insuperável, pois ele nos trata como se nunca tivéssemos sido”, afirma. “O esquecimento e o apagamento são sentimentos irmãos que cospem na nossa cara a rejeição de toda uma sociedade. De toda uma história. Você não é porque não merece ser. Você não é porque não faz parte de nós.”

Segundo Valli, o esquecimento de João e Arthur Timótheo da Costa reflete um apagamento sistemático de artistas negros da história da arte brasileira. “Os dois, precursores do Modernismo Brasileiro, foram esquecidos pela Semana de 22. E, aos poucos, foram apagados da História da Arte Brasileira. Assim como o avô deles, o genial maestro Henrique Alves de Mesquita, que foi de músico de maior destaque nacional e internacional ao mais absoluto esquecimento”, lembra a dramaturga.

A trilha sonora, dirigida por Muato, vencedor do Prêmio Shell 2024 pela direção musical de “Pelada – A Hora da Gaymada", resgata composições de Henrique Alves de Mesquita. “As músicas deste grande maestro serão executadas ao vivo, e algumas canções receberão letras inéditas e serão cantadas em cena. Outras serão executadas como trilha sonora instrumental pelos músicos que compõem a orquestra do espetáculo”, revela Muato.

Luiz Antonio Pilar, reconhecido pela direção do musical “Leci Brandão – Na Palma da Mão" no Prêmio Shell 34ª edição, tem feito de sua trajetória artística uma missão de resgate e celebração de personalidades pretas. “Recentemente, um crítico me definiu como ‘um mestre em retratar histórias de grandes artistas, como Candeia, Ataulfo Alves, Leci Brandão, entre outros, não só no teatro, mas também na TV e no cinema’. De fato, tenho feito espetáculos sobre diversas personalidades pretas, homens e mulheres, artistas ou não”, diz.

Para Pilar, revisitar essas histórias é também um gesto de compartilhamento e cura. “Percebi que trazer para o palco a história dessas pessoas que me inspiraram, de certa maneira também compartilho com elas tudo aquilo que eu já passei”, afirma. “A história que vamos contar é uma investigação. Vamos descobrir quem foram os irmãos Timótheo da Costa, além do apagamento.”

Ao revisitar o passado, “Os Irmãos Timótheo da Costa” convida o público a refletir sobre o presente. “Por isso, tantos homens pretos (e mulheres também) surtaram ao vislumbrar o ‘não futuro’ pela frente. Eles não tinham a menor chance. A não ser lotar os hospícios ou os presídios da cidade. O sucesso não supera o racismo”, afirma Cláudia Valli.

O espetáculo é um tributo à resistência e à memória negra na arte brasileira. “Estas artistas, pretas e pretos, são a base da cultura e da sociedade brasileira. E fazem ecoar para sempre um recado: nós temos legado!”, conclui Pilar.
 
“Os Irmãos Timótheo da Costa”. De 24/10 a 17/11, de sexta a segunda, às 20h, Teatro I do CCBB BH – Praça da Liberdade, 450, Funcionários. Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), no site ccbb.com.br/bh e na bilheteria do CCBB BH. 

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